Novos agentes de execução civil extrajudicial

AutorCristiana Carlos do Amaral Cantídio
Páginas617-636
NOVOS AGENTES DE EXECUÇÃO CIVIL
EXTRAJUDICIAL
Cristiana Carlos do Amaral Cantídio
Mestra em Direito pela Universidade de Marília. Pós-Graduada em Direito Notarial e
de Registro e Pós-Graduada em Direito Civil, Direito Negocial e Imobiliário, ambas
pela Universidade Anhanguera Uniderp. Tabeliã e Ociala de Registros Públicos.
1. INTRODUÇÃO
A falta de efetividade da justiça, agravada pela inef‌icácia do procedimento de
execução ocasiona um descontentamento em toda a sociedade há muitos anos. A
justiça brasileira é lenta e inef‌iciente. O Estado-juiz reconhece o direito da parte, mas
não é capaz de concretizá-lo. É pelo procedimento da execução que o Estado atua
para compelir o devedor a satisfazer a obrigação, e a morosidade desse procedimento
vem se mostrando cada vez maior. A insatisfação pulsa cada vez mais forte.
Tal fato é comprovado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, em seu
relatório anual “Justiça em Números”, aponta a execução – compreendidos títulos
judiciais (cumprimento de sentença) e extrajudiciais (ação de execução) – como
o gargalo do Poder Judiciário. A média nacional da taxa de congestionamento das
execuções é de 82%, o que é conf‌irmado pelo índice de produtividade dos magistra-
dos nas execuções, cerca de metade da produtividade alcançada nos processos de
conhecimento1. Não há dúvida de que há uma verdadeira crise de ef‌icácia da execução
no ordenamento jurídico brasileiro.
A baixa efetividade de satisfação dos direitos gera, por um lado, grande perda
de conf‌iança da sociedade no Poder Judiciário, por não ser capaz de dar solução
completa para as lides; por outro, uma perda de conf‌iança do mercado econômico,
que não enxerga o Poder Judiciário como capaz de promover a segurança jurídica,
o que afeta os investimentos, em razão dos elevados riscos de inadimplemento e,
consequentemente, dos custos de transação. Esses riscos são incorporados nos pre-
ços dos negócios.
Esse problema, no entanto, não está restrito ao Brasil: quase todo o mundo oci-
dental sofre com a incapacidade do Estado em entregar uma prestação jurisdicional
célere e ef‌iciente. Os meios alternativos de resolução de controvérsias são apresentados
pelos especialistas como possível solução, promovendo a desjudicialização de ativi-
dades até então atribuídas ao Poder Judiciário. A desjudicialização é uma realidade
mundial, apontada, quiçá, como desfecho para o problema, mas seguramente como
forma de auxiliar o Poder Judiciário a dar mais efetividade à pacif‌icação dos conf‌litos.
1. BRASIL. CNJ. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2020: ano-base 2019. Brasília: CNJ,
2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-
N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf. p. 150-164. Acesso em: 10 abr. 2021.
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Atento aos anseios do meio jurídico e, por que não dizer, de toda a sociedade,
o Congresso Nacional debate o Projeto de Lei 6.204, de 20192, de autoria da Sena-
dora Soraya Thronicke, com a pretensão de instituir, no Brasil, um procedimento
de execução civil por quantia certa extrajudicializada, transferindo atribuições que
hoje são delegadas ao juiz para os tabeliães de protesto, os agentes de execução,
como são denominados nessa proposta legislativa. Espera-se, com isso, desafogar o
Poder Judiciário da enxurrada de novas execuções, que congestionam sua atuação
de forma efetiva.
Em que pese o tabelião de protesto possuir características essenciais à sua atu-
ação como agente de execução, expertise com títulos executivos e intimidade com
a recuperação do crédito, eles não devem f‌igurar sozinhos, em razão das execuções
com garantias reais serem processadas de forma mais adequada por outros agentes:
os of‌iciais de registro de imóveis e os of‌iciais de registro de títulos e documentos.
Neste artigo, portanto, tratar-se-á dos agentes de execução com uma proposta
de ampliação do rol previsto no referido projeto de lei, para incluir aqueles que pos-
suem atribuição extrajudicial delegada pelo Poder Público para registrar as garantias
reais. Com essa especif‌icidade, estão eles qualif‌icados para coordenar o procedimento
executivo extrajudicial dessas garantias, juntamente com os tabeliães de protesto de
títulos para as demais execuções.
2. EXECUÇÃO CIVIL EXTRAJUDICIALIZADA: PROJETO DE LEI 6.204/2019
A lentidão e o congestionamento dos processos judiciais brasileiros têm oca-
sionado ref‌lexões dos juristas e legisladores para tornar o procedimento mais célere,
seguro e em consonância com os anseios da sociedade. O padrão almejado encontra-se
distante de ser alcançado. Percorre-se um caminho de profundas reformulações e
adequações normativas, ao longo dos anos, em busca da solução dos conf‌litos que
acompanhe a rápida evolução das necessidades da sociedade, possibilitando às partes
alternativas para concretizar objetivos e para satisfazer anseios da vida cotidiana.
A impossibilidade de que a tutela jurisdicional seja prestada de modo satisfatório
abre espaço para a atuação de outros mecanismos, postos à disposição do cidadão
e por meio dos quais ele poderá exercer sua liberdade de escolha. As condições de
procedibilidade, a entrega jurisdicional adequada, rápida e ef‌icaz, ao lado de outras
tantas condicionantes, acabam por conduzir a escolha da parte para os meios alter-
nativos de solução das controvérsias, menos dispendiosos do que o Judiciário, como
uma das multiportas colocadas à sua disposição, e não exatamente a judicialização
dos conf‌litos
A ampliação das multiportas de opções para solução de controvérsias se conso-
lidou para alcançar “[...] a consciência de que, se o que importa é pacif‌icar, se torna
2. BRASIL. Projeto de Lei 6204, de 2019. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/
materia/139971. Acesso em: 10 abr. 2021.
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