Os novos direitos e garantias

AutorJuan Carlos Cassagne
Páginas381-441
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CAPÍTULO VII
OS NOVOS DIREITOS E GARANTIAS
Sumário: VII.1 A incorporação de novos direitos à Constituição. VII.2 A
proteção ambiental e o direito a um meio ambiente sadio. VII.2.1 As novas
cláusulas constitucionais. VII.2.2 O núcleo do direito ambiental. VII.2.3 O
dever legal de preservação do ambiente. Proibições. VII.2.4 O dano ambiental
e a obrigação de recomposição. VII.2.5 O amparo ambiental. VII.2.6
Competência em matéria ambiental. VII.3 O princípio da proteção da
concorrência. VII.4 Os direitos de consumidores e usuários. VII.4.1 A falsa
oposição entre o interesse público e o interesse particular ou privado. VII.4.2
A regra da interpretação restritiva dos privilégios e sua abrangência às concessões
e licenças. VII.5 A participação pública no controle dos serviços públicos.
VII.5.1 Tipologias da participação pública nos órgãos reguladores. VII.5.1.1
Direitos individuais e coletivos. A participação das associações defensoras de
usuários. VII.5.1.1.1 Direitos individuais. VII.5.1.1.2 Direitos coletivos.
VII.5.1.2 O regime de audiências públicas dos órgãos reguladores. VII.6. O
direito de reunião. VII.7 O direito à saúde. VII.8 Problemática da legitimação
nos processos administrativos. VII.8.1 Tendências atuais em matéria de
legitimação. VII.8.2 Os elementos que configuram a legitimação processual
ativa (ordinária e anômala ou extraordinária). VII.9 Os direitos de incidência
coletiva e o amparo constitucional. VII.10 A tutela da legalidade e a ação
popular. VII.11 A globalização: sua influência sobre o princípio da legalidade.
VII.1 A incorporação de novos direitos à Constituição
O bloco de constitucionalidade da primeira parte da Consti-
tuição de 1853/1860 – denominado parte dogmática – foi ampliado
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JUAN CARLOS CASSAGNE
de acordo com uma série de cláusulas incorporadas após a reforma
constitucional de 1994.
Essa ampliação da parte dogmática do bloco de constitucionalidade
produziu-se, apesar da Lei n. 24.309, que declarou a necessidade da re-
forma, ter proibido, de forma expressa, que fossem introduzidas modifi-
cações na primeira parte da Constituição. Por sorte, a interpretação
constitucional – não contestada majoritariamente pela doutrina – feita pela
Convenção reformadora entendeu que a ampliação dos direitos expres-
samente reconhecidos não implicava na violação da interdição apontada,
provavelmente por considerar que ampliar os direitos não implica modi-
ficar os que já possuiam status constitucional, e que constituíam “cláusulas
de eternidade”998 ou pétreas, além de poderem sempre ser considerados
dentro dos direitos implícitos do art. 33 da CN, não cabendo falar de
mutação constitucional. Disso decorre a impossibilidade de interpretar,
sustentacomo sustenta alguma doutrina, que os novos direitos prevalecem
sobre os direitos fundamentais reconhecidos na primeira parte da Cons-
tituição, assunto que será objeto de nossa análise neste capítulo.
Na doutrina fala-se de direitos de terceira geração para diferenciá-los
dos da primeira (os direitos fundamentais do art. 14 da CN) e dos de
segunda geração (os direitos incorporados à Constituição em 1957 no
artigo 14 bis), também denominados direitos sociais e econômicos. Por
outro lado, esse novo grupo de direitos responderia mais a uma política
constitucional que se acentua na solidariedade999, enquanto os direitos
anteriores protegem fundamentalmente os princípios de liberdade, igual-
dade e propriedade (art. 14 da CN), e justiça social (art. 14 bis da CN).
Essa informação é parcialmente correta, porque é fundamental
levar em consideração que os novos direitos realizamtambém realizam
a mais plena justiça social, e não podemos ignorar que boa parte dos
direitos fundamentais previstos no art. 14 da CN possuem conteúdo
econômico e, inclusive, social (v.gr., associar-se com fins úteis).
998 HÄBERLE, Peter. El Estado constitucional. Buenos Aires: Astrea, 2007, p. 258 ss.
999 DALLA VÍA, Alberto R. Derecho constitucional económico. Buenos Aires: Abeledo
Perrot, 1999, p. 298.
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CAPÍTULO VII – OS NOVOS DIREITOS E GARANTIAS
A reforma constitucional de 1994 introduziu nos artigos 41 e 42
uma série de direitos qualificados como direitos de incidência coletiva
(conforme o art. 43 da CN designa) ou direitos de terceira geração, que
têm como objetivo a proteção do meio ambiente, da concorrência, dos
usuários de serviços públicos e dos consumidores, neste último caso, no
que se refere à relação de consumo.1000
Dessa forma, o novo cenário constitucional ampliou não só o
âmbito de proteção dos direitos individuais, como também conferiu um
atestado de nacionalidade a uma nova categoria de direitos supra-indivi-
duais de titularidade indivisível (o direito a um meio ambiente sadio)1001
e a outros direitos que representam titularidades individuais homogêneas
(v.g., os dos usuários que reclamam a ilegalidade de uma tarifa).1002 A esse
respeito, propugnaram-se diferentes categorias de direitos protegidos.1003
1000 Sobre a tutela dos consumidores (que compreende os usuários de serviços públicos),
ver: MURATORIO, Jorge I. “La regulación económica del servicio público como
factor de seguridad jurídica”. In: MIRABELLI, Cesare; BARRA, Rodolfo C. (coord.).
Primeiras Jornadas ítalo-argentinas de serviço público. Universidade católica de Salta, 2006,
n. 350, Buenos Aires: RAP, p. 97 ss., especialmente pp. 116-118.
1001 MERTEHIKIAN, Eduardo. “La protección jurisdiccional del derecho de incidencia
colectiva a gozar de un ambiente sano (Breves comentarios a los procesos colectivos a
propósito del Sentença de la Corte Suprema de Justicia de la Nación recaído en la causa
“Mendoza, Beatriz Silvia y otros contra Estado Nacional y otros s/ daños y perjuicios”,
no dia 20 de junho de 2006)”. Primeras jornadas ítalo-argentinas de derecho público. Buenos
Aires: RAP, Ano XXX-350, 2007, p. 239 ss.
1002 GIL DOMÍNGUEZ, Andrés. “Los derechos de incidencia colectiva individuales
homogéneos”. La Ley, 2008-E, 1021; CAFFERATA, Néstor A. “Los derechos de
incidencia colectiva”. La Ley 2006-A, 1196, ver mais: LORENZETTI, Ricardo L.
“Daños masivos, acciones de clase y pretensiones de operatividad”. JA, 2002-II, pp.
237/238; GOZAÍNI, Osvaldo A. “Tutela de los derechos de incidencia colectiva.
Conflictos de interpretación en las cuestiones de legitimación procesal”. La Ley, 2005-
B, 1393; por sua vez, sobre a necessidade de regulamentar o processo coletivo: OTEIZA,
Eduardo. “La constitucionalización de los derechos colectivos y la ausencia de un
proceso que los ampare”. In: OTEIZA, Eduardo (coord.). Procesos colectivos. Santa Fe:
Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 21 ss.
1003 FALCÓN, Enrique M. Tratado de derecho procesal civil y comercial. tomo I. Buenos
Aires: Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 359 ss. Destaca que, no Brasil, o art. 81 da LDC
prevê, para a defesa dos direitos dos consumidores e das vítimas, três situações jurídicas:
a) direitos difusos, quando se trata de direitos transindividuais, de natureza indivisível,

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