Ônus da sucumbência em ação de responsabilidade contra administrador de sociedade anônima

AutorLeonardo Netto Parentoni
Páginas114-124

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1. Delimitação do tema

Este artigo tem por escopo analisar quem deve arcar com o ônus da sucumbência - o acionista ou a companhia - em caso de sucumbência da parte autora em ação de responsabilidade ajuizada contra o administrador (ou administradores) de sociedade anônima com fulcro no art. 159 da Lei 6.404/1976.

Sobre o tema são escassas doutrina e jurisprudência. As obras que enfrentam o assunto simplesmente afirmam, de forma genérica, que o ônus da sucumbência deve ser suportado pela companhia nas ações sociais e pelo(s) acionista(s) nas ações individuais.

Entretanto, uma análise pormenorizada do referido art. 159 permite concluir que o mesmo encerra quatro espécies de ação de responsabilidade, cada qual com regra específica. A análise destas regras, por sua vez, desmente a afirmação clássica e conduz à conclusão de que mesmo na ação social, em alguns casos, o ônus da sucumbência deve ser suportado pelo acionista que a ajuizou, e não pela companhia.

2. Ação de responsabilidade contra o administrador de sociedade anônima

Segundo o dicionário, "administrar" significa: "1. Gerir (negócios públicos ou particulares); governar; dirigir".1

Ao administrador incumbe, portanto, a condução dos negócios sociais. No exercício dessa função, deve proceder com probidade, lealdade e diligência, zelando pelos bens e interesses sociais.2 O descum-

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primento de tais deveres, em prejuízo3 da sociedade, de seus acionistas ou de terceiros, sujeita o administrador a responsabilização civil.4 O instrumento para se obter essa responsabilização é a ação de responsabilidade prevista no art. 159 da Lei 6.404/1976.

3. Espécies de ação de responsabilidade

O art. 159 da Lei 6.404/1976 está assim redigido:

"Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da Assembléia-Geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.

"§ 1o. A deliberação poderá ser tomada em Assembléia-Geral ordinária e, se prevista na ordem-do-dia, ou for conseqüência direta de assunto nela incluído, em Assembléia-Geral extraordinária.

"§ 2°. O administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta a ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma Assembléia.

"§ 3o. Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da Assembléia-Geral.

"§ 4o. Se a Assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social.

"§ 5o. Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.

"§ 6°. O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia.

§ 7o. A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.

Ao contrário do que sugere o caput, o mencionado artigo não trata apenas da ação movida contra o administrador pela própria companhia. Cuida também das ações contra ele intentadas por acionistas ou terceiros prejudicados, como bem ressalta o § T.

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Sendo assim, é possível divisar quatro espécies de ação de responsabilidade:

"Ação social originária é aquela proposta pela sociedade contra o (ex-)admi-nistrador, visando a obter o ressarcimento de um prejuízo causado ao patrimônio social (art. 159, caput).

"Ação social derivada é aquela proposta pelo acionista com base nos §§ 3o e 4° do art. 159, visando a obter o ressarcimento de um prejuízo causado ao patrimônio social. A ação é proposta em nome do acionista. Os resultados dela deferem-se à companhia; contudo, esta deverá indeni-zar o autor da ação, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados (art. 159, § 5o).

"Ação individual é aquela proposta por acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato do administrador com base no § 7° do art. 159, visando a obter o ressarcimento de prejuízo causado ao autor da ação."5

Diz-se que se trata de quatro espécies porque as ações sociais derivadas contidas nos §§ 3o e 4o são distintas e inconfundíveis, tendo cada qual pressupostos e regras próprias. Assim, as quatro espécies de ações de responsabilidade contra o administrador de sociedades anônimas são: (1) ação social originária (Lei 6.404/1976, art. 159, caput); (2) ação social derivada (Lei 6.404/1976, art. 159, § 3o); (3) ação social derivada (Lei 6.404/1976, art. 159, § 4o); e (4) ação individual (Lei 6.404/1976, art. 159, § 7o).

Para diferenciar as situações de ns. (2) e (3) o autor poderia dar a uma delas nova denominação. Entretanto, preferiu diferenciá-las apenas com base nos dispositivos legais que as regulam (§§ 3o e 4°), por não ser adepto de neologismos jurídicos.

Cumpre, agora, fazer breve referência ao cabimento de cada espécie.

A ação social originária é a regra. Ocorre quando a própria sociedade anônima, por meio de deliberação da Assem-bléia-Geral, decide responsabilizar o administrador. Este, então, deve ser afastado do cargo, sendo nomeado novo administrador,6

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ao qual incumbirá ajuizar a ação de responsabilidade, em nome da sociedade.7 Neste caso, a sociedade ingressa em juízo na defesa de direito próprio, auferindo o proveito econômico da causa, caso o pedido seja julgado procedente.

Pode ocorrer, entretanto, que a As-sembléia-Geral tenha deliberado responsabilizar o ex-administrador e, não obstante, o novo administrador nomeado se mantenha inerte, deixando de ajuizar a ação pelo prazo de três meses. Nesta hipótese, qualquer acionista, independentemente da participação acionária, poderá intentar a ação, em nome da sociedade e no interesse desta. Sendo procedente o pedido, a beneficiada direta será a companhia, e não o acionista.8 Trata-se da ação social derivada prevista no § 3o.

Pode ocorrer, ainda, que a sociedade, por meio da Assembléia-Geral, delibere não promover a ação. Neste caso, acionistas que representem 5% ou mais do capital social poderão propô-la, em nome próprio e em proveito da sociedade. Isto significa que, em caso de procedência do pedido, o beneficiário será a companhia, mesmo tendo ela deliberado não promover a ação e não tendo equer participado do contraditório.9 É a ação social derivada prevista no § 4°.

Por fim, quando o dano direto não é causado à companhia, mas a um acionista ou terceiro, podem estes ajuizar a ação de responsabilidade em nome próprio e em benefício de seu patrimônio pessoal. Neste contexto, a procedência do pedido beneficia o autor da ação, e não a sociedade. É a ação individual.10

[VER PDF ADJUNTO]

Nas ações sociais - sejam elas originárias ou derivadas - o proveito econômico da causa reverte sempre para a companhia (somente indiretamente beneficiam os acionistas, por exemplo, porque evitam a desvalorização das ações ao repararem uma lesão ao patrimônio social). Na ação individual, por outro lado, o proveito eco-

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nômico da causa reverte diretamente para o acionista ou o terceiro que a propôs.

4. Aplicação subsidiária às sociedade limitadas

O raciocínio desenvolvido neste artigo pode ser aplicado também às socieda-des limitadas, desde que prevista no contrato social destas a regência supletiva pelas normas da sociedade anônima (Lei 6.404/1976), uma vez que o Código Civil não trata da ação de responsabilidade civil contra administradores.11 A respeito do tema a precisa e didática lição do professor Osmar Brina Corrêa-Lima:12

[VER PDF ADJUNTO]

5. Ônus da sucumbência em ação social originária (art 159, caput, da Lei 6.404/1976)

Dispõe o art. 20 do CPC: "Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao

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vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria".

Depreende-se da leitura do artigo que o ônus da sucumbência deve ser suportado pela parte "vencida" no13 processo.14 Resta, então, definir o que se deve considerar como "parte vencida" ou sucumbente. Para tanto, é preciso diferenciar parte em sentido formal - o sujeito que exerce o direito de ação - de parte em sentido material - o titular da pretensão15 deduzida em juízo.16

A parte em sentido formal é aquela que ajuíza a ação, para a defesa de direito próprio ou alheio. Numa linguagem simples, é aquele que tem seu nome escrito na "capa" do processo como sendo parte.

Por outro lado, a parte em sentido material é o titular da pretensão que se pretende ver acolhida pelo Judiciário, ainda que não participe do contraditório.

A regra é a de que as partes em sentido formal e material sejam coincidentes. A isto se denomina legitimação ordinária.17 Excepcionalmente, em situações expressamente previstas em lei, admite-se a dissociação entre as duas figuras, por força do disposto no art. 6° do CPC: "Art. 6°. Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei" (sem...

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