História e conhecimento no Emílio ou da educação, de Jean-Jacques Rousseau

AutorRogério Silva de Magalhães
CargoUniversidade Federal de São Paulo
Páginas261-268

Rogério Silva de Magalhães1

    History and knowledge on Book IV of Emile, or on Education by J.-J. Rousseau.

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Este breve estudo visa estabelecer uma relação entre história e conhecimento no Livro IV do Emílio (1762). Nesse sentido, procuraremos mostrar que JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-78) considera o estudo da história no alvorecer da idade adulta da forma como era concebida em seu tempo como algo pernicioso para a formação do homem. Antes de prosseguirmos, é interessante notar que a concepção rousseauniana contrasta com a dos pensadores franceses do Iluminismo2, além de diferir também daquela proposta por IM-MANUEL KANT (1724-1804), outro grande filósofo da época. No filósofo de Königsberg, encontramos um conceito de história orientado pelo progresso. E a razão está a serviço de um progresso ético e político. Em sua Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita (1784), o filósofo alemão afirma o seguinte:

De um ponto de vista metafísico, qualquer que seja o conceito que se faça da liberdade da vontade, as suas manifestações (Erscheinungen) - as ações humanas -, como todo outro acontecimento natural, são determinadas por leis naturais universais. A história, que se ocupa da narrativa dessas manifestações, por mais profundamente ocultas que possam estar as suas causas, permite todavia esperar que com a observação, em suas linhas gerais, do jogo da liberdade da vontade humana,

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ela possa descobrir aí um curso regular - dessa forma, o que se mostra confuso e irregular nos sujeitos individuais poderá ser reconhecido, no conjunto da espécie, como um desenvolvimento continuamente progressivo, embora lento, das suas disposições naturais (KANT, 2003; p. 3).

Mais adiante, na mesma obra, o filósofo de Königsberg parece deixar bem mais claro que o propósito do homem é o seu aprimoramento contínuo no curso da história. Temos assim mais um indicativo do entendimento da história como progresso.

O que permanece estranho aqui é que as gerações passadas parecem cumprir suas penosas tarefas somente em nome das gerações vindouras, preparando para estas um degrau a partir do qual elas possam elevar mais o edifício que a natureza tem como propósito, e que somente as gerações posteriores devam ter a felicidade de habitar a obra que uma longa linhagem de antepassados (certamente sem esse propósito) edificou, sem mesmo poder participar da felicidade que preparou (Ibid., p. 7).

Porém, não seria correto omitir aqui que Kant possui uma visão, ao mesmo tempo, muito peculiar do Iluminismo. Se, por um lado, o homem progrediu ao longo dos séculos, por outro, o filósofo alemão não parece acreditar que os homens de seu tempo já estejam vivendo uma real "Época das Luzes". Para ele, "vivemos numa época do Iluminismo" (KANT, 2004; p. 17). Entretanto, ainda falta muito para que o esclarecimento se consolide plenamente nos homens tomados em seu conjunto enquanto espécie. "Falta ainda muito para que os homens tomados em seu conjunto, [...] se servirem bem e com segurança do seu próprio entendimento, sem a orientação de outrem" (KANT, 2004; p. 17).

O pensamento de Rousseau aparece assim como um traço distintivo na "Época das Luzes" na medida em que, conforme dito acima, ele segue uma direção oposta daquela estabelecida pela mentalidade dos pensadores do Iluminismo. Disto se infere que a teoria da história que defende a idéia de progresso, isto é, de aperfeiçoamento do homem é entendida pelo filósofo genebrino como uma teoria parcial da história. Esse seria o primeiro ponto negativo detectado por Jean-Jacques no estudo e interpretação da história. Essa visão parcial dos fatos impede um conhecimento adequado do homem, principalmente, porque, para Rousseau, a história enfatiza muito mais a destruição do que a concórdia entre os homens.

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Um dos grandes defeitos da história é que ela mostra os homens muito mais pelo lado mau do que pelo bom; como a história só é interessante pelas revoluções e pelas catástrofes, enquanto um povo cresce e prospera na calma de um governo tranqüilo, ela nada diz; [...]; ela só o representa quando ele já está em seu declínio: todas as nossas...

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