Obrigação Propter Rem e Responsabilidade Civil por Dano Ambiental. Distinções e Consequências. Terras Devolutas e Reparação Integral

AutorTiago Cardoso Vaitekunas Zapater
Ocupação do AutorMestre em Direitos Difusos e Coletivos (PUC-SP)
Páginas327-358
Obrigação Propter Rem e Responsabilidade
Civil por Dano Ambiental. Distinções
e Consequências. Terras Devolutas
e Reparação Integral
Tiago Cardoso Vaitekunas Zapater1
1. Introdução
Tem sido comum, na doutrina e jurisprudência, a indicação de
uma natureza propter rem da responsabilidade por danos ambientais,
elencada como um atributo inerente ao instituto da responsabilidade
civil ambiental.
A construção possui um apelo prático (e até mesmo estético): de
um lado, a natureza objetiva da responsabilidade por danos ambientais
dispensa a culpa como elemento necessário para que haja obrigação de
reparar; e, de outro lado, a natureza propter rem da responsabilidade
dispensaria a própria busca de um nexo causal. Ao ponto: o proprietá-
rio, ou possuidor, tem obrigação de reparar os danos no seu imóvel,
mesmo que tenham sido causados por terceiros ou já existissem ao tem-
po da transferência da posse ou domínio.
Contudo, olhando o tema de perto, há problemas de consistência
nessa construção e que demandam algumas distinções.
1 Mestre em Direitos Difusos e Coletivos (PUC-SP). Doutor em Filosofia do
Direito (PUC-SP). Professor de Direito Ambiental na PUC-SP. Advogado,
sócio em Trench, Rossi e Watanabe.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas328
De início, verifica-se que, ao passo em que a responsabilidade
objetiva encontra denso fundamento jurídico (Lei n. 6.938/81, art. 14, §
1º, e art. 225, § 3º, da Constituição Federal, teoria do risco, princípio do
poluidor-pagador etc.), o mesmo não se verifica com relação à propala-
da natureza propter rem da responsabilidade por danos ambientais.
O que existe, com clareza, é a imposição aos proprietários e titu-
lares de direitos reais sobre imóveis, de obrigações relativas à conserva-
ção ambiental do imóvel, as quais têm natureza real e são, portanto,
transmitidas aos sucessores, no caso de transferência do domínio ou da
posse. É o caso das obrigações previstas no Código Florestal (art. 2º, §
2º), no Estatuto da Cidade, nos Códigos de Obras municipais e, no Es-
tado de São Paulo, na Lei n. 13.577/2009 (Gerenciamento de Áreas
Contaminadas).
Mas, dado esse cenário, é preciso perguntar: a obrigação de con-
servação ambiental do imóvel, que tem natureza propter rem e é transfe-
rida com domínio ou posse, equipara-se (ou é o mesmo) que a obriga-
ção de reparação de danos oriunda da responsabilidade civil?
Em termos puramente fáticos, reparar um dano ambiental é sem-
pre a mesma coisa: quer a reparação se dê por força de uma obrigação
de conservação, quer se dê como consequência da responsabilidade ci-
vil, reparar um dano é sempre reparar um dano (replantar, limpar, des-
contaminar, recompor vegetação etc.).
Mas, em termos de fundamento jurídico da obrigação, há dife-
renças: aquele que causa um dano ambiental, direta ou indiretamente,
ou é responsável por atividade causadora de dano ambiental, está obri-
gado a repará-lo, quer seja proprietário ou não do imóvel em que o
dano ocorreu. Exige-se apenas o nexo causal. O proprietário, ou possui-
dor, por sua vez, estará obrigado a reparar danos ambientais no seu
imóvel independentemente de ser o causador desses danos ou de ser o
responsável por atividade causadora do dano. Dispensa-se o nexo cau-
sal (o proprietário ou possuidor deve reparar mesmo danos ambientais
praticados por terceiros).
No entanto, bem posta essa distinção, algumas dúvidas ficam em
aberto, por exemplo: (i) em que circunstâncias aquele que não é pro-
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Obrigação Propter Rem e Responsabilidade Civil por Dano Ambiental.
Distinções e Consequências. Terras Devolutas e Reparação Integral
prietário nem possuidor de um imóvel (por exemplo, aquele que exerce
mera detenção) pode estar obrigado a reparar o dano ambiental causado
por terceiros?; e (ii) em que extensão o proprietário ou possuidor estará
obrigado a reparar danos causados por terceiros?
No presente artigo, busco investigar o conceito da natureza prop-
ter rem das obrigações e as origens da noção segundo a qual a respon-
sabilidade civil por danos ambientais teria esse atributo. Os resultados
mostram que, bem compreendido o instituto das obrigações propter
rem, não há como se admitir a confusão entre essas obrigações e a res-
ponsabilidade civil do proprietário por danos ambientais ocorridos no
seu imóvel. Seja do ponto de vista conceitual, dos requisitos legais para
um e para outro, seja do ponto de vista das finalidades dos institutos,
não há como confundi-los, nem é necessário fazê-lo para garantir eficaz
proteção ao meio ambiente.
2. Distinção entre obrigações ambientais propter
rem e responsabilidade civil por danos ambientais
No direito ambiental, o art. 44 do Código Florestal de 1965 já
dispunha que “o proprietário ou possuidor de imóvel rural com área
de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de
vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II,
III e IV do art. 16 [reserva legal]” fica obrigado a recompor a vegetação,
conduzir a regeneração natural ou compensar por outra equivalente2.
Desse modo, independentemente de ter ou não realizado ou de
ser responsável pela supressão de vegetação, o proprietário está obri-
gado a garantir que seu imóvel rural possua a extensão mínima de ve-
getação nativa determinada por lei (reserva legal). Na prática, isso sig-
nifica que o proprietário poderá estar obrigado a recompor ou a não
impedir a natural recomposição da vegetação nativa suprimida pelo
2 Em sentido similar, o Código Florestal de 1934 já indicava, no seu art. 1º,
que as obrigações ambientais têm natureza de limitação administrativa ao
direito de propriedade.

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