Onde (direito em) acao e critica se encontram: uma conversa com David Trubek/Burca, Grainne; Kilpatrick, Claire; Scott, Joanne. Critical Legal Perspectives on Global Governance: Liber Amicorum David M Trubek. Oxford & Portland, Oregon: Hart Publishing, 2014.

AutorOlivera, Camila Alves Borges

Critical Legal Perspectives on Global Governance, obra publicada em 2014 pela Hart Publishing e editada por Gráinne de Búrca (NYU), Claire Kilpatrick (EUI) e Joanne Scott (EUI), homenageia David Trubek, intelectual norteamericano que, há mais de 50 anos, tem se dedicado à compreensão do papel do direito, suas instituições e atores em processos de desenvolvimento, especialmente em países do Sul Global e sobretudo no Brasil. O livro é organizado em torno de seis seções que debatem os principais temas a que o homenageado se dedicou ao longo de sua multifacetada carreira: Caminhos críticos no direito; Transformações na governança global; Trabalho e globalização; União Europeia; Discursos sobre direitos e Profissão jurídica e globalização. A coletânea reúne textos de autores cujas trajetórias e agendas de pesquisa entrelaçam-se à obra de David Trubek, dentre os quais Duncan Kennedy, Álvaro Santos, Yves Dezalay, Bryant Garth, David Wilkins, Mario Schapiro, Diogo Coutinho, dentre outros. Em uma tentativa de identificar o amálgama que une os aparentemente tão distintos interesses de pesquisa de Trubek, o livro ressalta a perspectiva crítica do autor e, assim, resgata sua importância para o movimento do Critical Legal Studies (CLS). As reflexões propostas pelos textos que compõem o título serviram de inspiração para uma entrevista concedida por David Trubek às autoras. Nesta resenha, exploramos a importância do CLS para a vida de Trubek e a importância de Trubek para a vida do CLS.

A relação é sugerida por Duncan Kennedy no texto de abertura da coletânea. Nele, Kennedy nos permite, ao mesmo tempo, compreender os sentidos que o termo crítico assume na obra de Trubek e como a sua vida foi impactada e impactou os CLS enquanto um movimento contestatório. O capítulo de Duncan Kennedy tem o mérito de não tratar essas duas esferas como separadas: os sentidos que a palavra "crítico" assume na vida profissional de Trubek são, a um só tempo, teoria e práxis. Assim é que o autor reconstrói, em diferentes momentos do texto, a trajetória acadêmica e profissional de David Trubek, apontando ora para a perspectiva crítica de seus trabalhos, ora para a sua atuação enquanto um acadêmico propagador da perspectiva crítica do direito.

  1. A vida do CLS e a vida de Trubek

    Da narrativa de Kennedy, conseguimos remontar aos anos iniciais da carreira de Trubek, mesmo momento em que o CLS se inicia. Uma vez graduado pela Faculdade de Direito de Yale, David Trubek atua como assessor de um importante magistrado, Judge Charles Clark, com quem escreve uma contundente resenha do livro de Karl Llewellyn, "The Common Law Tradition: Deciding Appeals" (1960). De acordo com Kennedy, Clark conecta Trubek à tradição do Realismo Jurídico norte-americano em contraposição a um momento em que se acreditava que o processo legal se baseava em uma elaboração fundamentada e em princípios neutros. A neutralidade dos princípios, desafiada pelos realistas, era defendida por um movimento conservador à época, ao qual Trubek compara com o "originalismo norte-americano" (1) atual. "Eu aprendi com o magistrado Clark que o direito era indeterminado, embora não tivéssemos essa palavra ainda. Digamos, [aprendi] que o direito era aberto e que poderia ser moldado pela vontade. E que a ideia de princípios neutros era uma ficção" (TRUBEK, 2021a). O texto de 1961 antecede a revolução social e cultural que acontece nos Estados Unidos na década de 1960. Para Kennedy, esse escrito inicial de Trubek serve como uma ponte entre o contexto norte-americano anterior à Segunda Guerra Mundial e o contexto pós-Guerra do Vietnã.

    Em 1962, Trubek muda-se para Washington, para trabalhar como attorney advisor na Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (United States Agency for International Development--USAID). Poucos anos depois, é enviado ao Brasil, onde chega no emblemático ano de 1964, para servir como Diretor da Missão Brasileira, dedicando-se especialmente ao desenvolvimento urbano e de moradia. Sua passagem pelo Brasil durante a ditadura militar o impacta tremendamente. Percebe aqui e também em outros países da América Latina, como Chile e Argentina, a "indeterminação do direito". Nota que o direito praticado no Brasil, nesse período de exceção, se manifestava de maneira bastante distante da forma descrita pelo modelo liberal legalista clássico. Afirma que "muitas partes da América do Sul, ao menos no papel, adaptaram princípios básicos do legalismo liberal" (TRUBEK, 2021a). Apesar de haver "um desvio maior entre o ideal e o real na América Latina" do que o notado nos países centrais, existiram "muitos episódios nos quais [os princípios básicos] foram absolutamente rejeitados" (TRUBEK, 2021a). É a partir dessa experiência que ele concebe a ideia de "exportar a cultura jurídica americana" e o estado de direito ("rule of law"). Em entrevista para Laura Kalman (2005), Trubek esclarece que, para ele, o sistema jurídico brasileiro era um obstáculo ao crescimento. A solução mais simples, naquele momento, parecia ser:

    "reeducar os juristas do terceiro mundo que não compreendiam o mix de instrumentalismo pragmático e idealismo liberal que tinham sido a marca da nossa educação jurídica. Ao exportar as técnicas educacionais das Faculdades de Direito americanas--método socrático, ciências sociais e tudo mais--nós fortaleceríamos as instituições jurídicas do mesmo modo que os técnicos agrônomos da Agência de Desenvolvimento Internacional estavam transformando os pequenos ovos amarelos em grandes ovos brancos" (KALMAN, 2005, p. 260). Após seu retorno aos Estados Unidos, Trubek torna-se professor assistente na Faculdade de Direito de Yale. A instituição buscava alguém que pudesse conduzir uma agenda de pesquisa sobre questões relacionadas à moradia e ao desenvolvimento. Trubek havia recebido de seu antigo empregador (USAID) um substantivo financiamento para desenvolver o "Programa de Direito e Modernização" (the Law and Modernization Program). O projeto tinha o objetivo de versar jovens acadêmicos na literatura e em técnicas da sociologia do direito, a fim de permitir o estudo do papel do direito na modernização de países em desenvolvimento (termo empregado à época).

    Kalman lembra que a Faculdade de Direito de Yale daquele momento já contava com um Programa de Direito e Sociologia, financiado pela Russel Sage Foundation e conduzido por Stanton Wheeler. Trubek acreditava, então, que pudesse unir seus esforços aos já...

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