A operabilidade do diálogo das pretensões restitutórias dos lucros ilícitos com a responsabilidade civil por violação de dados pessoais

AutorFlávio Henrique Caetano de Paula Maimone
Páginas57-91
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A OPERABILIDADE DO DIÁLOGO
DAS PRETENSÕES RESTITUTÓRIAS
DOS LUCROS ILÍCITOS COM A
RESPONSABILIDADE CIVIL POR
VIOLAÇÃO DE DADOS PESSOAIS
A Lei 13.709/2018 protege e cria mecanismos para salvaguardar as informa-
ções das pessoas naturais. Trata-se de desaf‌iador papel para cumprir, eis que acolhe
intangíveis direitos fundamentais e da personalidade. De fato, eventuais práticas
de violação desses direitos e interesses podem passar despercebidas pelos lesados.
Em enfrentamento a essa situação, o princípio da responsabilização e da prestação
de contas, ladeado com dispositivos da Lei, pode e deve permitir a observância de
outro princípio da Lei: a transparência.
Dessa maneira, almeja-se tornar palpável e possível o abrigo dos direitos e
interesses em face de lesões, como aquela presente no tratamento com f‌inalidade
diversa da consentida ou no ilícito compartilhamento de dados pessoais. Tal caminho
é necessário à prevenção e ao confronto de violações, a ponto de não mais permitir
que os ganhos derivados desse uso antijurídico f‌iquem com o ofensor.
Assim, uma eventual ação judicial que reconheça a presença de danos aos
direitos da personalidade do titular dos dados e, de outra sorte, que não iden-
tif‌ique situações que eximam a responsabilidade do agente de tratamento de
dados, deve acarretar em indenização. Os danos patrimoniais e extrapatrimoniais
devem ser reconhecidos e o agente, condenado. Destarte, é preciso investigar o
cabimento da restituição de ilícitos lucrativos nas violações à proteção de dados.
Antes, todavia, deve-se situar a responsabilidade civil na Lei Geral de Proteção
de Dados Pessoais.
4.1 UM PASSO ATRÁS: RESPONSABILIDADE CIVIL NA LGPD
Assunto polêmico (também) na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais é a
responsabilidade civil por essa lei inaugurada. Conforme se verá, há tanto quem
entenda que se trata de responsabilidade civil subjetiva quanto objetiva. Todavia,
não é essa a única controvérsia. Os debates já estão estabelecidos no sentido de
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RESPONSABILIDADE CIVIL NA LGPD FVIO HENRIQUE C.AETANO DE PAULA MAIMONE
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questionar se haveria um único regime de responsabilidade civil ou, por outro lado,
se teria pluralidade de regimes.
Ponderamos, inicialmente, que a Lei Geral não atribui responsabilização
mediante verif‌icação de culpa, tampouco estaria presente independentemente do
elemento subjetivo. Apesar de parte da literatura procurar por enquadramento em
objetiva ou subjetiva, a Lei não se resumiu à dicotomia.
A literatura jurídica, assim, investiga se a Lei Geral de Proteção de Dados Pes-
soais inovou ao estabelecer o que seria um novo regime de responsabilidade civil,
dito proativo (BODIN DE MORAES, 2019, p. 5), ou “uma nova e especial forma de
responsabilidade civil objetiva, centrada na garantia da segurança no tratamento de
dados pessoais” (DRESCH, 2020, s/p).
Apresentado o desaf‌io, situa-se a Lei 13.709/2018, que posicionou a responsa-
bilidade civil na Seção III, encerrando o Capítulo VI1 com quatro artigos. A começar
pelo último deles, o artigo 452, estipula-se que, quando houver violações de direitos
do titular no âmbito de relações de consumo, aplica-se o Código de Defesa do Consu-
midor. Dessa forma, o que poderia ser uma antinomia resolve-se já no interno da Lei.
A propósito, reporta-se à anotação de Tarcisio Teixeira e Ruth Maria Guerreiro
da Fonseca Armelin (2020, p. 127-128), segundo os quais o “direito à reparação de
danos por utilização indevida de dados pessoais já era previsto no Código de Defesa
do Consumidor (artigo 43)”. Esses autores apresentam, ainda, decisão judicial pro-
latada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em 2009, na qual se
consignou que o dano moral se conf‌igura por utilização indevida de dados pessoais3.
Tais observações, atinentes à responsabilidade civil por violação de dados de
consumidores, com a incidência do Código de Defesa do Consumidor, asseguram
a presença de mais de um regime de responsabilidade civil (sem mencionar a aqui
1. O Capítulo VI – Dos agentes de tratamento de dados pessoais – trata, na Seção I, do controlador e do ope-
rador (também considerados agentes de tratamento no artigo 5º, inciso IX, referente aos conceitos da Lei),
e, na Seção II, do encarregado, cujo conceito não está no enquadramento de agente de tratamento, já que
é considerado (artigo 5º, inciso VIII) como “pessoa indicada pelo controlador e operador para atuar como
canal de comunicação entre o controlador, os titulares dos dados e a Autoridade Nacional de Proteção de
Dados (ANPD)”. Todavia, é especif‌icamente referido na Seção II do Capítulo sob exame.
2. Art. 45. As hipóteses de violação do direito do titular no âmbito das relações de consumo permanecem
sujeitas às regras de responsabilidade previstas na legislação pertinente”.
3. “Utilização indevida dos dados pessoais do autor por terceiros. Código de Defesa do consumidor. Respon-
sabilidade objetiva. Defeito na prestação dos serviços. Dano moral conf‌igurado. Quantum indenizatório.
Redução. Restituição em dobro. Impossibilidade. A Instituição Financeira assume os riscos inerentes à
atividade que exerce, agindo com negligência quando não há a devida conferência das informações que
lhe são fornecidas, a f‌im de lastrear maior segurança à negociação levada a efeito. Para a regular efetivação
de empréstimos por telefone, é obrigação do Banco, antes de liberar o valor, identif‌icar, com prudente cer-
teza, a pessoa com que contrata. – Se a Instituição Financeira não percorre todas as cautelas condizentes
ao zelo e resguardo para com o direito de seus clientes, de forma a coibir possível fraude de terceiro, deve
responder pelos prejuízos causados. (Acórdão 347162, 20050710215448APC, Relator: Otávio Augusto,
Revisor: José Divino, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 04.03.2009, publicado no DJE: 18.03.2009. p.
120).
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4 • PRETENSÕES RESTITUTóRIAS E A RESPONSABIlIDADE CIvIl POR vIOlAÇÃO DE DADOS PESSOAIS
não estudada responsabilidade civil do Estado, tendo em vista que a Lei se refere ao
tratamento de dados pessoais também pelo Poder Público).
É prudente observar, também, que embora a Lei Geral mencione “no âmbito
das relações de consumo”, acreditamos na aplicação dela igualmente a situações
jurídicas de consumo. O sentido disso está na f‌igura do consumidor por equiparação,
prevista no CDC, como é o caso das vítimas de acidentes de consumo, que se dá por
falha de dever de segurança de fornecedores. Esse, pelo estatuído na LGPD, poderá
ser exatamente o caso de violação de dados pessoais, ou seja, a falha de segurança
ocasionará violação desses dados pessoais, ainda que não presente relação jurídica
de consumo estabelecida previamente ao dano.
Podemos asseverar, por conseguinte, que eventuais vazamentos de dados por
fornecedores poderão representar um acidente de consumo e, assim, ensejar a inci-
dência dialógica de diplomas legais, ainda que ausente relação de consumo, uma vez
que as vítimas do evento danoso equiparam-se a consumidor (artigo 17 do Código
de Defesa do Consumidor). Tal posição é reforçada pela previsão do artigo 64 da
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Sem fazer essas menções, todavia com a
mesma conclusão, tem-se o seguinte: quando o titular de dados for consumidor,
devem ser aplicadas as normas consumeristas de responsabilização do agente como
fornecedor (TEIXEIRA; ARMELIN, 2020, p. 132).
Igualmente, pode-se ver mais de um regime jurídico quando se atenta ao poten-
cial lesivo do encarregado (artigo 5º, inciso VIII). Mesmo atuando na comunicação,
não lhe foi atribuída responsabilidade civil pela Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais. “Com efeito, só podem ser obrigados a reparar esse dano dito ‘de violação
da privacidade’ dois protagonistas da lei: os controladores e os operadores, que
respondem solidariamente” (BODIN DE MORAES; QUINELATO, 2019, p. 126).
Quando o encarregado for o elo em uma relação de consumo, a situação estará
resolvida e será aplicado o Código de Defesa do Consumidor4. Entretanto, tratan-
do-se de uma relação não consumerista, não estaria o encarregado com a disciplina
da responsabilidade civil sobre seus ombros. Nesse caso, a aparente lacuna deverá
ser preenchida pelo Código Civil5.
Rememore-se que a Lei 13.709/2018 estabelece que as normas ali insertas não
excluem, mas convivem harmonicamente com outras disposições e, como já visto,
esse diálogo das fontes deve ser sempre orientado pela Constituição Federal. Além
dessas situações, a Lei estabeleceu responsabilidade civil nos artigos 42 a 44, em
semelhança com dispositivos do Código de Defesa do Consumidor6. Instalada a
4. Vale lembrar que o CDC estabelece solidariedade entre os ofensores, inclusive quando o dano é causado
por preposto ou representante autônomo, nos termos de seu artigo 34.
5. Reiteramos que o recorte deste estudo concentra-se nas relações que não aquelas tocantes ao tratamento
de dados pelo Poder Público.
6. Nesse sentido, posicionam-se Laura Schertel Mendes e Danilo Doneda (2018, p. 471).
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