Opinião consultiva do Arquipélago de Chagos: questões sobre a jurisdição da Corte e autodeterminação dos povos

AutorSofia Neto Oliveira
Ocupação do AutorAcadêmica de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. Membro pesquisador do Stylus Curiarum
Páginas328-343
Diálogos entre Cortes e Tribunais Internacionais
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OPINIÃO CONSULTIVA DO ARQUIPÉLAGO DE CHAGOS:
QUESTÕES SOBRE A JURISDIÇÃO DA CORTE E
AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS
Sofia Neto Oliveira*
Em 25 de fevereiro de 2019, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) proferiu sua
decisão na opinião consultiva sobre as Consequências Legais da Separação do
Arquipélago de Chagos das Ilhas Maurício em 1965.667 Em síntese, a CIJ decidiu que o
processo de descolonização das Ilhas Maurício não havia sido completado em
conformidade com o direito internacional, tendo em vista a separação do Arquipélago de
Chagos desse Estado antes de sua independência em 1968.
Contudo, a opinião consultiva da Corte não foi o primeiro pronunciamento de um
órgão internacional em algum aspecto envolvendo a longa disputa entre Ilhas Maurício e
o Reino Unido. Diversos outros tribunais internacionais e até nacionais emitiram
decisões para solucionar conflitos cujo início remonta à independência das Ilhas
Maurício, envolvendo questões de direitos humanos, marítimos, de soberania e
política.668
No presente trabalho, será feita, em primeiro lugar, uma exposição geral das
circunstâncias anteriores ao pedido da opinião consultiva, evidenciando a complexidade
da questão que foi levada perante a CIJ. Em seguida, dois aspectos da opinião consultiva
serão brevemente problematizados. O primeiro deles é a opção da CIJ por não exercer
* Acadêmica de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. Membro pesquisador do Stylus
Curiarum. Contato: sofianetoliveira@hotmail.com.
667 Legal Consequences Of The Separation Of The Chagos Archipelago From Mauritius In 1965 (Advisory
Opinion), I.C.J. Reports 2019. De agora em diante, referenciada como Cha gos Advisory Opinion.
668 Todos os temas serão melhor abordados a seguir, no tópico I.
Diálogos entre Cortes e Tribunais Internacionais
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seu poder discricionário669 e o argumento de que a presente disputa era, no fundo,
bilateral.670 Posteriormente, será feita uma análise da declaração de que havia, à época da
independência das Ilhas Maurício, um costume de autodeterminação dos povos671 e, como
corolário desse direito, o direito à integridade territorial.672
1. CIRCUNSTÂNCIAS ANTERIORES AO PEDIDO DA OPINIÃO
CONSULTIVA PELA ASSEMBLEIA GERAL
Conforme mencionado acima, a opinião consultiva da Corte Internacional de
Justiça não foi o primeiro pronunciamento internacional em algum aspecto envolvendo o
conflito histórico entre as Ilhas Maurício e o Reino Unido sobre o Arquipélago de Chagos.
Esse papel tampouco foi ocupado pela Resolução 71/292673 da Assembleia Geral, que
requisitou a opinião consultiva da CIJ. Portanto, para melhor compreender esses
julgamentos, é relevante fazer uma breve retomada histórica do processo de
independência das Ilhas Maurício,674 origem desses conflitos.
669 O conceito será melhor explicado no tópico II. Em termos gerais, ‘quando lidando com um pedido de
opinião consultiva, a Corte precisa considerar, primeiramente, se tem jurisdição para dar a opinião
requisitada e, em caso afirmativo, se há algum motivo pelo qual a Cor te, no exercício de seus poderes
discricionários, deveria declinar o exercício de sua jurisdição.’ Accordance with Inter national Law of the
Unilatera l Declara tion of Independence in Respect of Kosovo (Advisory Opinion), I.C.J. Reports 2010, p.
13, para. 17.
670 O argumento foi objeto da opinião dissidente da juíza Donoghue, bem como, p. ex., das declarações
escritas do Reino Unido (pp. 110 e seguintes) e dos Estados Unidos (pp. 04 e seguintes).
671 Chagos Advisory Opinion, p. 38, para. 161: ‘Na visão da Corte, o direito à autodeterminação constitui o
direito internacional aplicável durante o período sob consideração, nomeadamente entre 1965 e 196 8.’
672 Cha gos Advisory Opinion, p. 38, para. 160: ‘Tanto a prática estatal quanto a opinio juris no per íodo
relevante confirmam o caráter costumeiro do direito à integridade territorial de um território não
autogovernado como corolário ao direito da autodeterminação.’
673 A resolução 71/292, adotada pela Assembleia Geral em 22 de junho de 2017 , requisitou a opinião
consultiva da CIJ com base nos artigos 96 da Carta das Nações Unidas e 65 do Estatuto da Corte. Essa
resolução foi aprovada com 94 votos a favor, 15 contrários e 65 abstenções. Dezenove Estados não se
pronunciaram. Ver nota 38.
674 Para uma visão aprofundada, ver ALLEN, S. The Chagos Islan ders and Internationa l Law. Oxford:
Oxford University Press, 2014.

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