Ordem social

AutorEduardo dos Santos
Páginas773-830
CAPÍTULO XXIII
ORDEM SOCIAL
1. INTRODUÇÃO
Nos termos constitucionais, a ordem social tem como base o primado do trabalho, e
como objetivo o bem-estar e a justiça sociais, devendo o Estado exercer a função de plane-
jamento das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos
processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas.
O Título VIII, da CF/88, que dispõe sobre a ordem social abrange os seguintes direitos:
i) seguridade social (que compreende a saúde, a previdência social e a assistência social);
ii) educação; iii) cultura; iv) desporto; v) ciência, tecnologia e inovação; vi) comunicação
social; vii) meio ambiente; viii) direitos da família, criança, adolescente, jovem e idoso; ix)
direitos dos índios.
2. SEGURIDADE SOCIAL
A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à pre-
vidência e à assistência social.
2.1 Objetivos
A seguridade social, nos termos constitucionais, deve ser organizada a partir de certos
objetivos, também chamados de princípios constitucionais do sistema de seguridade social.
Assim, segundo o art. 194, da CF/88, compete ao poder público, nos termos da lei, organizar
a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
1) universalidade da cobertura e do atendimento: a universalidade da cobertura refere-se
aos acontecimentos e riscos sociais cobertos pela seguridade social (doenças, enfermidades,
morte, pobreza, fome, velhice, desemprego etc.), bem como as ações (preventivas e repres-
sivas) necessárias à cobertura dessas contingências. Já a universalidade do atendimento
refere-se aos sujeitos cobertos pela seguridade social, isto é, às pessoas protegidas e ampa-
radas pelo sistema de seguridade social, que, por ser universal, abrange todas as pessoas
(físicas) nacionais ou estrangeiras, residentes ou não no país.1 Obviamente, as pessoas não
residentes só terão acesso aos atendimentos que sejam compatíveis com sua condição, como,
por exemplo, o atendimento de um turista acidentado pelo SUS. Da mesma maneira, as
pessoas que não contribuem com a previdência social, não terão acesso aos seus benefícios,
1. AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2020.
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não f‌icando de todo desamparadas, pois, a depender das circunstancias, podem contar com
benefícios da assistência social.
2) uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais:
a prestação dos serviços e o gozo dos benefícios da seguridade social deve ser, no máximo
possível, uniforme e equivalente entre as populações urbanas e rurais. Por óbvio, há dife-
renças nessas prestações em razão das diferenças existentes entre essas populações. Assim,
por exemplo, dif‌icilmente teremos um hospital na zona rural, pois seria de difícil acesso,
entretanto é assegurado o aceso aos hospitais público urbanos tanto às populações urbanas
quanto às rurais. Do mesmo modo, em razão das diferenças das condições de trabalho exis-
tentes entre essas populações, a Constituição prevê um regime previdenciário privilegiado
aos trabalhadores rurais, reduzindo sua idade de aposentadoria (art. 201, §7º, II, da CF/88).
3) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços: a seletividade
é o meio que baliza o legislador na escolha dos riscos sociais que devem ser cobertos pela
seguridade social, def‌inindo os benefícios e serviços que deverão ser prestados à população.
A distributividade refere-se à repartição desses benefícios e serviços entre os titulares do
direito à seguridade social, sendo característica importante desse princípio distribuir os
benefícios e serviços às pessoas mais necessitadas, em face das exigências do bem comum,
do ideal da justiça distributiva e da igualdade material.
4) irredutibilidade do valor dos benefícios: de modo geral, refere-se à impossibilidade
de redução do valor nominal dos benefícios da seguridade social e não à manutenção do seu
valor real (poder aquisitivo). Já especif‌icamente em relação aos benefícios previdenciários,
refere-se à manutenção do valor real dos benefícios, nos termos do art. 201, §4º, da CF/88,
5) equidade na forma de participação no custeio: embora o termo equidade seja de difícil
def‌inição, por tratar-se de um termo polissêmico e de grande divergência na doutrina e na
jurisprudência, mais usualmente ele refere-se à justiça do caso concreto, ao equilíbrio nas
relações e à igualdade material, havendo, ainda, quem o relacione à proporcionalidade ou à
razoabilidade. Aqui, com base nas lições de Kant, parece-nos referir-se à proporcionalidade,
enquanto divisão proporcional e não enquanto regra (ou princípio) hermenêutica, bem como
ao equilíbrio e à justa distribuição do custeio da seguridade social entre os diversos atores
econômicos (Estado, empregadores e trabalhadores), de forma que quem tem condições de
pagar mais deve (pelo menos deveria!) contribuir mais.2
6) diversidade da base de f‌inanciamento, identif‌icando-se, em rubricas contábeis es-
pecíf‌icas para cada área, as receitas e as despesas vinculadas a ações de saúde, previdência
e assistência social, preservado o caráter contributivo da previdência social: liga-se direta-
mente à forma de custeio da seguridade social elegida pelo constituinte, sendo referido pela
doutrina que o f‌inanciamento da seguridade social é tripartite, estando distribuído entre os
trabalhadores, os empregadores e o Estado.
7) caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão qua-
dripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do
Governo nos órgãos colegiados: o caráter democrático revela-se com a participação efetiva
dos trabalhadores, empregadores e aposentados nos colegiados dos órgãos públicos que
administram a seguridade social, que, junto ao Governo, realizam uma gestão quadripartite
da seguridade social. Já o caráter descentralizado impõe que a administração da seguridade
2. KANT, Immanuel. Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 38-40.
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social esteja distribuída de forma a estar próxima aos atendidos, assistidos e benef‌iciados pela
seguridade social, observando as peculiaridades locais na tomada de decisões, facilitando
o acesso à seguridade social àqueles que dela necessitem.
2.2 Financiamento e orçamento
A seguridade social será f‌inanciada por toda a sociedade, de forma direta e indireta,
nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
i) do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes
sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qual-
quer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;
ii) do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contri-
buição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência
social de que trata o art. 201, da CF/88;
iii) sobre a receita de concursos de prognósticos.
iv) do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade
social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.
A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos
órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as
metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área
a gestão de seus recursos.
A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em
lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos
f‌iscais ou creditícios.
A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da
seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I, da CF/88.
Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou
estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
As contribuições sociais supracitadas só poderão ser exigidas após decorridos noventa
dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modif‌icado, não se lhes apli-
cando o disposto no art. 150, III, “b”, da CF/88.
São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades benef‌icentes de as-
sistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem
como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar,
sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação
de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios
nos termos da lei.
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