Organic and inorganic concepts in the sociohistorical formation of Brazil according to Caio Prado Jr/ Setores organico e inorganico na formacao social brasileira em Caio Prado Jr.

AutorPereira, Evelyne Medeiros

Introducao

Caio Prado foi um dos primeiros autores brasileiros a sistematizar o pensamento critico sobre o Brasil a partir da analise do desenvolvimento do modo de producao capitalista. Este desenvolvimento promoveu, desde a colonizacao, a insercao particular do pais na divisao internacional do trabalho, mesmo que de forma germinal.

E, pois, em busca do "sentido da colonizacao" brasileira que o autor encontra o caminho para grande parte de sua reflexao e continua a nos provocar ate o tempo presente. Isto porque muitos dos aspectos historicos apresentados por ele persistem, com outros contornos e novas dimensoes, como uma expressao do Brasil contemporaneo. Conhecer tais aspectos com maior profundidade torna-se central para analisar a particularidade das classes sociais, com um evidente recorte etnico-racial, regional e de genero/sexo, sob uma determinada formacao social que se constitui como economia dependente, com intensas e profundas contradicoes sociais, conformando o padrao capitalista de acumulacao.

Tal formacao e tambem atravessada por processos politicos autoritarios, de conservacao da ordem e de democracia restrita (FERNANDES, 2006). Sobre isso, Prado Jr. (2012) chama a atencao para o Periodo Imperial, de 1837 a 1849, como sendo aquele mais reacionario de nossa historia, em que os movimentos populares sao rigidamente reprimidos, a violencia do Estado se torna pratica comum e a inseguranca se faz sentir na vida de grande parte da populacao. A partir de entao, diversos eventos marcarao a presenca do autoritarismo na historia politica republicana do Brasil, sob o respaldo de leis e instituicoes dominantes, em suma, do Estado, o que faz do pais nao uma excecao, tendo em vista que essa, dentre tantas, e uma marca comum nas relacoes sociais capitalistas. Porem, tera uma maior tonica na realidade priorizada por nos. (1)

Nessa direcao, conquistas historicas no ambito dos direitos sociais as classes populares sao continuamente atacadas por setores conservadores, representantes da "burguesia associada" (IANNI, 2004), (re)pondo temas na opiniao publica que nos fazem inevitavelmente lembrar o quanto ainda esta viva a nossa "heranca colonial". Um exemplo disso foi a reacao conservadora, civil e militar, frente a proposta em prol das reformas sociais de base, anunciadas nos anos 1960, pelo entao presidente Joao Goulart, demonstrando o quanto os setores dominantes e hegemonicos no pais podem ser reacionarios. No periodo mais recente, e possivel identificar uma ameaca ainda maior a tao parca democracia brasileira com o fortalecimento de concepcoes fundamentalistas e fascistas, forjadas de um "novo verde-amarelismo", contrarias aos ganhos, mesmo que minimos, dos segmentos mais subalternizados da sociedade.

Tais concepcoes ganham expressividade, por exemplo, no Congresso Nacional, atraves de pautas travestidas de "combate a corrupcao" ou de "enfrentamento a crise economica e politica", tais como: o incentivo as terceirizacoes; a flexibilizacao nas relacoes de trabalho; mais privatizacao do setor publico; o retrocesso na area dos direitos sociais (especialmente saude e educacao), sexuais e reprodutivos; as restricoes nos processos de demarcacao de terras indigenas e quilombolas; a criminalizacao aos movimentos sociais, isto para citarmos alguns. Ainda, contrariando a ideia do Brasil como um pais da "democracia racial", apresentam-se, nas instancias oficiais de poder e fora dela, manifestacoes de homofobia, racismo, sexismo e xenofobia, que reforcam o estigma ao pobre e as politicas sociais. Isso sem falar dos anseios pro-ditadura, que demostram o termometro da atual correlacao de forcas sociais no Brasil e ratificam a tendencia autoritaria da sociedade brasileira, tal como analisou Caio Prado Jr. (2012).

A historia do Brasil sinaliza, portanto, a permanente dialetica entre mudancas e continuidades, possuindo este segundo polo um maior peso. Contudo, e importante lembrar que a realidade brasileira nao e uma excepcionalidade, mas participe da dinamica de um desenvolvimento desigual e combinado, inerente ao modo de producao capitalista, aprofundando-se nos paises dependentes e/ou perifericos, em um cenario de mundializacao e crise estrutural do capital.

Cabe ressaltar que a tese do desenvolvimento desigual e combinado (que aparece indiretamente na obra pradiana ao considerar o passado tambem como presente, atraves das herancas do escravismo, da questao indigena e agraria) trata-se de uma das maiores contribuicoes de Trotsky (1977) a teoria marxista. Refere-se a ocorrencia concomitante de aspectos considerados "avancados" e "atrasados" no modo de producao capitalista. Essa tese tambem pode ser estudada de forma articulada com a concepcao desenvolvida por Lenin (1982) de formacao economico-social, mediacao fundamental entre as categorias de "modo de producao" e "desenvolvimento desigual e combinado", necessaria para o entendimento das particularidades existentes em determinadas formacoes sociais, a exemplo da propria Russia ou mesmo de paises dependentes como o Brasil.

Isso nos leva a entender que, do ponto de vista da totalidade social, existem tendencias contemporaneas que, de forma particular, trazem consequencias para a realidade do pais, (re)criando desigualdades atraves da articulacao entre a acumulacao capitalista, o Estado e a burguesia local.

Diante desse cenario e do desafio que ele poe aqueles que buscam analisa-lo sob uma perspectiva historico-critica, revisitar obras de importantes pensadores que, por sua atualidade, sao classicos, foi o caminho que tomamos. Assim, priorizamos, neste artigo, tracar um dialogo breve e introdutorio com Caio Prado Jr., ja que sua obra e reconhecida por apanhar a historia em seu movimento, "como um caleidoscopio de ciclos", diversidades e desigualdades sociais, regionais, economicas, politicas e culturais.

Para tanto, nos apoiaremos, em especial, na obra Formacao do Brasil contemporaneo, de 1942, que, de antemao, nos diz ser o Brasil uma nacao que, assim como outras, possui um "sentido" em sua formacao enraizado por aquele carater inicial da colonizacao, peca-chave da explicacao dos elementos fundamentais. Ao tentar encontrar o sentido da colonizacao brasileira no contexto de expansao capitalista, Prado Jr. nos aponta pistas importantes para pensarmos o pais a partir do movimento da historia, de rupturas e permanencias, de avancos e retrocessos, em que o velho se reatualiza no novo e este tambem se faz velho. Nesse caminho, o autor alude aos aspectos que configuram os setores organico e inorganico na sociedade brasileira como mediacoes para entender a configuracao da economia e das classes sociais, o que sera o fio condutor do texto que aqui se apresenta.

Certamente nao seria possivel contemplar, neste artigo, a grandiosidade do conjunto da obra de Caio Prado Jr., que, ja na decada de 1930, mediante a dificuldade encontrada no acesso a dados, estatisticas e demais edicoes, inclusive de classicos da tradicao marxista, conseguiu construir uma analise profunda, que foge do dogmatismo, e inovadora e, por que nao dizer, contemporanea da realidade brasileira, abrindo caminho para outras tantas importantes contribuicoes. Por outro lado, nota-se tambem que Caio Prado foi um homem do seu tempo, sofrendo influencias, mesmo que com resistencias, de interpretacoes e perspectivas vigentes em sua epoca, por exemplo, nas Ciencias Sociais da primeira metade do seculo XX, perceptivel no trato de alguns temas como o da questao racial. Porem, esse aspecto nao reduz a relevancia de sua obra e a necessidade de atualiza-la a partir do dialogo com outros pensadores, classicos e contemporaneos, e com a propria realidade brasileira.

A construcao da vida material sob a heranca do Brasil colonial

A formacao social do Brasil e atrelada substancialmente ao carater agrario, as relacoes politicas conservadoras e autoritarias e a dependencia economica. A agricultura foi a base do avanco do capitalismo no pais desde o periodo da colonizacao, viabilizando historicamente a acumulacao de capital. Sobre isso, conforme ja explicita Iamamoto (2007, p. 136), a questao agraria no Brasil, em interface com a questao social, e decisiva para a compreensao das formas historicas assumidas pelo Estado "mediante os interesses de classes vinculados a propriedade territorial na composicao politica do poder interferindo nas grandes transformacoes operadas na vida da nacao". Tais condicoes revelam o carater (hibrido) do padrao de acumulacao no pais, tendo como principal expressao o pauperismo no campo e nas cidades. Nesse contexto, as classes sociais vao se conformando sob um conjunto de fatores, dentre estes, um acentuado cunho colonial caracteristico de um passado longinquo, mas que ainda nos cerca de todos os lados (PRADO JR., 2008).

Para nosso interprete, o processo de colonizacao particularizou o carater do capitalismo no pais, revelando como o moderno se articula permanentemente com o arcaico, fundado no periodo colonial, mediante dinamica realizada por meio de mecanismos ainda nao essencialmente capitalistas, a exemplo do proprio trabalho escravo, nao tendo como "meio ambiente original" o feudalismo. Dessa forma, para o autor, o Brasil contemporaneo define-se como

o passado colonial que se balanceia e encerra com o seculo XVIII, mais as transformacoes que se sucederam no decorrer do centenio anterior a este e no atual. Naquele passado se constituiram os fundamentos da nacionalidade: povoou-se um territorio semideserto, organizou-se nele uma vida humana que diverge tanto daquela que havia aqui, dos indigenas e suas nacoes, como tambem, embora em menor escala, da dos portugueses que empreenderam a ocupacao do territorio. Criou-se no plano das realizacoes humanas algo de novo [...] uma populacao bem diferenciada e caracterizada, ate etnicamente, e habitando um determinado territorio; uma estrutura material particular, constituida na base de elementos proprios; uma organizacao social definida por relacoes...

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