Organização da Justiça do Trabalho Brasileira

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas191-211

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1. Referências históricas e evolução da Justiça do Trabalho brasileira

A Justiça do Trabalho surgiu em razão do próprio surgimento do Direito do Trabalho e do grande número de conflitos trabalhistas.

Conforme Wagner D. Giglio1:

“A Revolução Industrial determinou profundas mudanças nas condições de trabalho. A utilização de máquinas que faziam, como o tear, o serviço de vários trabalhadores causou o desemprego em massa. O aumento da oferta de mão de obra, diante da pequena procura por trabalhadores, acarretou o aviltamento dos salários. O grande lucro propiciado pelas máquinas trouxe como consequência a concentração de riqueza nas mãos dos poucos empresários e o empobrecimento generalizado da população. Aglomerados em pequenas áreas industrializadas, os trabalhadores tomaram consciência da identidade de seus interesses. Insatisfeitos, uniram-se reagindo contra tal situação em movimentos reivindicatórios violentos, frequentemente sangrentos, as greves. Para forçar os donos das máquinas a lhes pagar melhores salários, a reduzir a jornada e a fornecer ambiente de trabalho menos insalubre, os operários se recusavam a desempenhar suas tarefas.” Não há consenso sobre quando surgiram os primeiros órgãos da Justiça do Trabalho, mas os primeiros órgãos destinados à solução dos conflitos trabalhistas foram, eminentemente, de conciliação.

Segundo Amauri Mascaro Nascimento2, os primeiros órgãos da Justiça do

Trabalho foram os Conseils de Prud’hommes (França)3 e os probiviri (Itália)4.

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Na Itália, Francesco Carnelutti afirma que a conciliação precedeu a jurisdição nos conflitos coletivos, e esta, neste tipo de conflito, representa, historicamente, o último escalão de uma lenta evolução que tem na conciliação a sua forma intermediária, facultativa e obrigatória, e a arbitragem facultativa, para liberar a formação do regulamento coletivo da crise, violenta e perigosa da greve e do locaute5.

Como destaca Amauri Mascaro Nascimento6:

“É possível dizer que nos primórdios das estruturas decisórias sobre questões trabalhistas combinaram-se técnicas autodefensivas, auto-compositivas e órgãos de conciliação, de que se valiam empregados e empregadores na época em que o Estado se omitia diante da questão trabalhista: o início da história do direito processual trabalhista identifica-se, de algum modo, com o período no qual o Estado corporativo instituiu uma magistratura trabalhista: desvinculou-se, em outros países, dessas origens, tendo motivações próprias.”

No Brasil, a resolução das questões trabalhistas passou por diversas fases. Primeiramente, eram os Juízes de Direito que apreciavam as questões trabalhistas. Conforme Júlio Assumpção Malhadas7, as leis de 13 de setembro de 1830 e de 11 de outubro de 1837 estabeleceram rito sumaríssimo para as causas derivadas dos contratos de locação de serviços nos casos nelas previstos (e o trabalho subordinado, ao tempo, era regido pelas normas relativas à locação de serviços), continuando, porém, seu julgamento afeto à Justiça comum. O Regulamento n. 737, de 15 de novembro de 1850, determinou o rito sumário para as ações resultantes do contrato de trabalho seguindo as normas comuns da organização judiciária.

Os primeiros órgãos da Justiça do Trabalho brasileira foram os Tribunais Rurais em 1922, destinados à apreciação das demandas trabalhistas.

Nesse sentido, assevera Amauri Mascaro Nascimento8:

“No Brasil, a primeira experiência de instituição de um órgão especializado para dirimir litígios trabalhistas surgiu no Estado de São Paulo, em 1922, com a constituição de tribunais rurais compostos pelo Juiz de Direito da Comarca, um representante dos trabalhadores e outro, dos fazendeiros.”

Por que Tribunal Rural e não Tribunal Industrial? Porque à época a economia do Estado de São Paulo era preponderantemente rural; o Estado vivia, praticamente, do café; a indústria e o comércio utilizavam pouca mão de obra; portanto, era o trabalho

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rural, daí a criação dos Tribunais Rurais. O Tribunal examinaria a reclamação, a defesa, ouviria testemunhas e julgaria9.

A experiência dos Tribunais Rurais fracassou. Como relata Waldemar Martins Ferreira10, a razão do fracasso da ideia foi que praticamente a decisão seria do Juiz de Direito, uma vez que cada um dos árbitros iria, naturalmente, decidir em prol de quem o indicara, receando ser tido por traidor.

Após a Revolução de 1930 e o início da industrialização brasileira, ocorreram várias mudanças nas relações de trabalho; em 1932, foram criadas as Juntas de Conciliação e Julgamento e as Comissões Mistas de Conciliação, sendo órgãos administrativos vinculados ao poder executivo.

Conforme Amauri Mascaro Nascimento11, como as atribuições das comissões mistas de conciliação restringiam-se aos conflitos coletivos do trabalho, foram instituídos órgãos destinados a dirimir os dissídios individuais: as Juntas de Conciliação e Julgamento (1932). Somente os empregados sindicalizados tinham direito de ação. Constituíam as Juntas instância única de julgamento, e suas decisões valiam como título de dívida líquida e certa para execução judicial.

As Constituições de 1934 e de 1937 referiram-se à instituição de uma Justiça do Trabalho, mas não a estruturaram, embora, desde logo, a excluíssem expressamente do Poder Judiciário e a Carta Magna de 1934 já mencionasse a formação da Justiça por meio de Tribunais do Trabalho e Comissões de Conciliação, com a eleição de seus membros, metade pelas associações representativas dos empregados e metade pelas dos empregadores, sendo o presidente de livre nomeação do Governo12.

Dispunha o art. 139 da CF de 1946:

“Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça Comum.”

Segundo Ives Gandra Martins Filho13, diante do referido dispositivo legal, acirrada polêmica se travou, então, sobre se o dispositivo constitucional retirava, ou não, o caráter jurisdicional da instituição. Os que defenderam a função judicante da Justiça do Trabalho argumentaram que as garantias poderiam ser outorgadas por lei, ainda que distintas da magistratura comum, já que constituiria uma Justiça

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Especializada, com suas características próprias, dentre as quais não deixaria de ser a menor o fato de dirimir controvérsias, aplicando o direito ao caso concreto.

Ives Gandra14 destaca acórdão oriundo do Supremo Tribunal Federal, datado de 30.9.43 (STF-RE n. 6.310), reconhecendo o caráter jurisdicional das cortes trabalhistas, assim ementado:

“A natureza da atividade dos Tribunais do Trabalho não é administrativa, mas sim, e essencialmente jurisdicional. O Juiz do Trabalho, embora sem as prerrogativas do magistrado comum, é juiz, proferindo verdadeiros julgamentos na solução de determinados litígios” (Revista LTr de dezembro de 1943, p. 475-480).

Foi somente com a Constituição Federal de 1946 que a Justiça do Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário. Dispunha o art. 123 da CF de 1946:

“Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial.”

Conforme o referido dispositivo, foi mantida a tradição conciliatória da Justiça do Trabalho e a competência para as controvérsias entre empregados e empregadores e demais relações de trabalho, cuja lei infraconstitucional disciplinasse a competência da Justiça do Trabalho.

Na Constituição de 1967, dizia o art. 142:

“Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas da relação de trabalho.”

O art. 114 da CF de 1988, antes da EC n. 45/04, tinha a seguinte redação:

“Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.”

Desde o seu nascimento, a Justiça do Trabalho contou com a representação paritária em todos os seus órgãos, vale dizer: com a presença de juízes classistas leigos, também denominados “vogais” recrutados nos Sindicatos, ao lado de um juiz com formação jurídica. Os juízes classistas atuavam majoritariamente na fase de conciliação e votavam nos julgamentos, uma vez que conheciam a fundo a realidade das categorias profissional e econômica que representavam. Havia um representante classista dos empregados e outro dos empregadores nas Juntas de Conciliação e Julgamento. Nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho, os classistas compunham as turmas, sendo em igualdade os representantes dos empregados e dos empregadores.

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Todo o Processo do Trabalho previsto na CLT, na fase de conhecimento, foi idealizado para o funcionamento dos órgãos da Justiça do Trabalho com a presença dos Juízes Classistas.

Waldemar Ferreira defendia a presença dos juízes leigos na Justiça do Trabalho15, com os seguintes argumentos:

“Juízes leigos, embora jejunos em ciência jurídica, recrutados...

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