Organização do estado

AutorEduardo dos Santos
Páginas453-503
CAPÍTULO XIV
ORGANIZAÇÃO DO ESTADO
1. INTRODUÇÃO
A organização do Estado estuda a forma como o Estado se organiza, isto é, o modo
como ele distribui e exerce o poder político em razão de seu território. Trata-se, sem dú-
vidas, de matéria essencialmente constitucional, sendo conteúdo constitucional desde as
Constituições não escritas até as Constituições escritas, estando prevista no Título III, da
1.1 Conceito e elementos constitutivos do Estado
Embora o conceito de Estado encontre divergências doutrinárias entre os f‌ilósofos,
os cientistas políticos e os juristas, não podendo ser def‌inido de forma fechada, até porque
possui importantes variações temporais e espaciais, fruto da evolução da própria sociedade,
é possível, a partir dos referenciais modernos, especialmente após a importante contribuição
de Maquiavel1 e, posteriormente, dos f‌ilósofos iluministas, identif‌icar os seguintes elementos
(constitutivos) do Estado, comumente apontados pelos teóricos:
Povo: é o elemento subjetivo, demográf‌ico ou humano, que designa o conjunto de
pessoas de um determinado Estado que gozam de sua respectiva nacionalidade (ou
cidadania, em sentido amplo e não meramente político), isto é, o conjunto de pessoas
que possuem a nacionalidade (cidadania) de um Estado, compondo a dimensão pes-
soal desse Estado 2 Aqui, vale lembrar que povo não se confunde com população nem
com nação, pois população designa o conjunto de habitantes (nacionais e estrangei-
ros) de um determinado Estado, tratando-se de um conceito numérico-geográf‌ico,
enquanto nação designa um agrupamento humano homogêneo (ou com elementos
de homogeneidade) ligado por laços comuns de natureza histórica, étnica, racial,
religiosa, cultural, linguística, cujos indivíduos partilham uma consciência coletiva
comum e um sentimento de comunidade que independe da def‌inição territorial de
um Estado Nacional.3
Território: é o elemento geográf‌ico, que designa os limites espaciais (em regra, deli-
mitados pelo uso de fronteiras – visíveis ou não visíveis) do Estado.
Governo Soberano: é o elemento político-jurídico, que consolida o Estado, possibi-
litando a sua própria organização, bem como de seus poderes. Numa visão clássica, a
soberania designa um poder político supremo (por não ser limitada por nenhum outro
poder na ordem interna) e independente (por estar em pé de igualdade com os poderes
soberanos de outros povos e não se sujeitar a nenhuma norma internacional que não
seja voluntariamente aceita), dividindo-se em: i) soberania externa, que refere-se à
representação do Estado na ordem internacional, segundo a qual o Estado soberano
não se sujeita a nenhum outro Estado, nem a nenhum órgão internacional; e ii)
soberania interna, que refere-se à supremacia estatal em face dos cidadãos na ordem
1. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Jardim dos livros, 2007.
2. MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 77 e ss.
3. BONAVIDES, Paulo. Teoria Geral do Estado. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 125 e ss.
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interna. Numa visão contemporânea, a soberania é relativizada e sofre uma releitura,
especialmente, fundada nos princípios da democracia, da soberania popular, do
pluralismo político e dos direitos humanos, em face dos novos arranjos globais que
as pessoas e o Estado estão inseridos, abandonando a rigidez de outrora.4
Segundo a doutrina, esses elementos precisam “andar juntos” para a conf‌iguração
do Estado, pois são indissociáveis, não se podendo falar em Estado, modernamente, sem a
existência concomitante desses três elementos.
Insta destacar que vários autores identif‌icam outros elementos constitutivos do Estado,
as vezes até mesmo remodelando ou renomeando algum dos elementos clássicos. José Afonso
da Silva, por exemplo, acrescenta a f‌inalidade, como quarto elemento constitutivo do Estado,
enquanto elemento teleológico.5 Já Dalmo de Abreu Dallari sustenta que os elementos cons-
titutivos do Estado são: i) ordem jurídica soberana; ii) f‌inalidade (bem comum do povo); iii)
povo; e iv) território.6 Hans Kelsen, por sua vez, defende a existência de quatro elementos
formadores do Estado: i) território; ii) povo; iii) poder; e iv) tempo ou período de existência.7
Por f‌im, é importante registrar que a uniformidade linguística não é elemento constitu-
tivo dos Estados, embora contribua para a identidade de um povo e para a própria formação
do Estado.
2. ESPÉCIES (TIPOS OU FORMAS) DE ESTADO
Como vimos, a forma de Estado designa o modo como o poder político é distribuído
em razão de um determinado território. Vejamos as principais formas de Estado consagradas
ao longo da história (moderna).
2.1 Estado unitário
É a forma pela qual não há distribuição geográf‌ica do poder político do Estado em
razão do território. Há um polo central, que concentra o exercício do poder, criando e
implementando as normas, não existindo uma repartição do poder que f‌icará condensado
no polo central. Assim, o Estado Unitário, caracteriza-se pela concentração política e pela
concentração do poder nas mãos de um único órgão.
Em que pese não haja uma distribuição geográf‌ica do poder, há nesses Estados uma descen-
tralização administrativa, o que os torna governáveis, criando repartições que desempenharão
atribuições delegadas pelo poder central, mas que, contudo, não serão titulares do poder. Isso
ocorre porque é inviável administrar um Estado Unitário Puro. Essa forma foi adotada pelo
Brasil durante o período colonial e durante o período imperial, havendo meras descentraliza-
ções administrativas – as províncias – que eram totalmente subordinadas ao governo central.
2.2 Estado regional
É a forma de Estado na qual o órgão central distribui competências administrativas e
legislativas para as suas regiões. Assim, possui uma descentralização administrativa e le-
4. FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
5. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
6. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
7. KELSEN, Hans. Teoria do direito e do Estado. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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gislativa (que parte do órgão central), mas não possui descentralização política. Essa forma
é adotada pela Itália, por exemplo.
2.3 Estado autonômico
É a forma de Estado em que há descentralização administrativa e legislativa a partir de
iniciativa das próprias províncias, formando regiões autonômicas. Isto é, a descentralização
se dá por iniciativa das províncias e não do órgão central.
É típica da Espanha, onde as províncias formam regiões autonômicas, mediante um
Estatuto de Autonomia, pelo qual avocam competências da Constituição espanhola. Esse
estatuto deve ser submetido ao parlamento espanhol e, sendo aprovado, dará origem a uma
região autonômica e se transformará em uma lei especial que pode ser revista de 5 em 5 anos.
2.4 Estado federal
É a forma de Estado pela qual o poder político é distribuído geograf‌icamente em razão
do território, possuindo um ente central, dotado de soberania, e entes regionais, dotados
de autonomia, tendo como principais características:8
a) Indissolubilidade do pacto federativo, vedando-se a separação dos entes federados;
b) Coexistência de, no mínimo, duas ordens jurídicas, uma central e uma regional, fruto
de uma descentralização das vontades políticas;
c) Constituição rígida, com núcleo pétreo que não admita a secessão, como na Cons-
tituição brasileira de 1988, em que a forma federativa de Estado é cláusula pétrea,
nos termos do art. 60, § 4º, I;
d) Existência de órgão que represente os entes federativos regionais de forma igualitária,
como o Senado Federal, no caso da Constituição brasileira de 1988;
e) Autonomia f‌inanceira dos entes federativos reconhecida pela Constituição do ente
soberano;
f) Existência de um órgão de cúpula do Poder Judiciário que solucione os conf‌litos de
competência entre os entes federativos;
g) Auto-organização político-administrativa dos entes federativos autônomos, sendo-
-lhes atribuídos autonormatização (competência para produzirem suas próprias
leis), autogoverno (são detentores dos poderes estatais – Executivo, Legislativo e
Judiciário) e autoadministração (exercício das competências legislativas, adminis-
trativas e tributárias próprias).
2.5 Confederação
É formada pela união de Estados soberanos, na qual há uma distribuição geográf‌ica do
poder político entre os Estados que compõem a confederação, não sendo, portanto, uma
forma de Estado, vez que se caracteriza pela união de vários Estados com uma f‌inalidade
comum, podendo quaisquer deles, deixar a confederação quando quiser.
8. FERNANDES, Bernardo G. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 816.
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