Organização do estado brasileiro

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas509-583
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ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
10.1 ESCLARECIMENTOS INICIAIS
No Capítulo 1, vimos que a constituição pode ser def‌inida como a norma jurídica
fundamental que disciplina a organização fundamental do Estado, quer esteja ela consubs-
tanciada em um documento único, formal e solene (chamada constituição escrita), quer seja
formada pela reunião de leis esparsas e também pelos costumes e decisões jurisprudenciais
(dita constituição não escrita).
Em outras palavras, vimos que uma constituição, em seu sentido jurídico, tem por
conteúdo o conjunto de normas (princípios e regras) que fornece a organização fundamental
do Estado, notadamente as relativas à sua estrutura, forma de Estado e de governo, regime
político, modo de aquisição e exercício do poder, estabelecimento de seus órgãos e f‌ixação
de suas competências, além de relacionar os direitos e garantias fundamentais.
E nossa Constituição de 1988, seguindo aquele modelo, contém um título específ‌ico
(Título III) destinado à organização do Estado brasileiro. É justamente sobre este tema que
nos debruçaremos neste Capítulo, buscando analisar, em caráter precípuo, a forma como
se dá a chamada divisão espacial do poder, ou, em outras palavras, a maneira como a Carta
Magna estabeleceu a divisão territorial do poder do Estado entre as diversas entidades po-
lítico-administrativas que compõem a República Federativa do Brasil.1
Trataremos, dentre outros temas, do conceito de Estado e de seus elementos constitu-
tivos. Estudaremos, ainda, o denominado Estado Federal, explicitando as suas principais
características, bem como as suas diferenças em relação a outros modelos de Estado. Cuida-
remos, em seguida, da Federação brasileira, evidenciando, inclusive, as características que
a distinguem de outros modelos de Estado Federal, como, por exemplo, a expressa opção
do legislador constituinte em incluir os Municípios entre as unidades que fazem parte de
nossa Federação.
Trataremos também, de maneira um pouco mais detida, daqueles diferentes entes que
compõem a Federação brasileira: União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.
Na sequência, respeitando a ordem em que aparecem na Constituição Federal, estudaremos
também a denominada intervenção, além de analisar as principais normas constitucionais
que tratam da Administração Pública e dos servidores públicos, encerrando o Capítulo com
um breve estudo sobre as chamadas regiões, que também foram incluídas no Título III, da
Carta Magna, pelo Poder Constituinte de 1988.
1. Levando em conta essa circunstância, muitos doutrinadores, ao tratarem do assunto, preferem usar a expressão “divisão
espacial do poder”, ao invés de “organização do Estado”. Ambas as denominações, a nosso entender, são perfeitamente
aceitáveis, sendo certo que preferimos utilizar a segunda expressão apenas em respeito à vontade do próprio constituinte,
que preferiu dar ao seu Título III justamente este título: “Da organização do Estado”.
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
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10.2 ESTADO: CONCEITO E SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
Como vimos na seção anterior, este Capítulo tem por objeto precípuo estudar a forma
como a Constituição de 1988 f‌ixou a divisão espacial do poder estatal, ou seja, a maneira
como estabeleceu a descentralização do poder entre as diversas entidades territoriais que
compõem a Federação brasileira. Dito em outras palavras, tem por objetivo principal o estudo
da organização do Estado brasileiro. E se assim é, não há dúvida de que o primeiro tema que
devemos enfrentar é justamente a def‌inição do que vem a ser Estado.
O termo Estado, para o nosso estudo, tem 2 (duas) acepções importantes, e que pre-
cisam ser bem compreendidas, para que possam ser adequadamente diferenciadas. Em um
primeiro sentido, é pessoa jurídica de direito público externo, dotada de soberania frente aos
demais Estados estrangeiros. Juntamente com os organismos internacionais e também com
a Santa Sé, possui personalidade jurídica que lhe permite celebrar acordos com os demais
entes internacionais.
N’outra acepção, conforme def‌inido pelo artigo 18, da Constituição Federal, Estado
pode também ser compreendido como uma das espécies de unidades que compõe a Federação
brasileira. Trata-se de uma pessoa jurídica de direito público interno, ao lado da União, dos
demais Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e que é dotada apenas de autonomia
(e não de soberania) em relação aos demais entes da Federação brasileira.
Nesta seção, é importante esclarecer, estamos fazendo menção ao Estado brasileiro,
ou à República Federativa do Brasil, conforme nome conferido ao nosso País pelo próprio
constituinte.2 Estamos nos referindo, portanto, àquela primeira acepção acima descrita, ou
seja, a uma pessoa jurídica de direito público externo (com personalidade de direito interna-
cional público, portanto), dotada de soberania em relação aos demais Estados estrangeiros
(incluindo a Santa Sé) e organismos internacionais, e que lhe permite, inclusive, celebrar
tratados e convenções internacionais.3
Ao Estado, encarado como pessoa jurídica de direito internacional, nos moldes do
conceito fornecido no parágrafo anterior, são tradicionalmente atribuídos 3 (três) elemen-
tos constitutivos, a saber: povo, território e soberania. Povo é o conjunto de pessoas ligadas
ao Estado por um vínculo jurídico-político, e que pode ser def‌inido como o agrupamento
de nacionais daquele ente estatal. É importante mencionarmos, ademais, que povo não se
confunde com os conceitos de população e nação.
Com efeito, população é um conceito mais amplo que o de povo, uma vez que implica
em soma dos nacionais (povo) aos estrangeiros encontrados no território de um Estado,
num determinado momento. Trata-se, portanto, de um conceito de natureza demográf‌ica,
que pode sofrer variações até mesmo por fatores sazonais. Como exemplo, podemos citar
o próprio caso brasileiro, que experimenta considerável incremento populacional em suas
praias, no verão, em razão do grande aporte de turistas estrangeiros.
Nação, ao seu turno, é o conjunto de pessoas unidas por laços históricos, culturais e
linguísticos, e que não precisa, necessariamente, viver sob um mesmo território, ou estar
2. Conforme disposto no artigo 1º da Constituição Federal.
3. Como veremos melhor no Capítulo 12, os tratados só podem ser celebrados entre pessoas jurídicas com personalidade
de direito internacional público, o que quer dizer, em outras palavras, que os signatários dos tratados internacionais
devem obrigatoriamente ser Estados soberanos ou organizações internacionais, não podendo ser signatários, por exem-
plo, Estados-membros de uma Federação ou pessoas jurídicas de direito privado, mesmo que sejam multinacionais de
grande porte, com atividade em muitos países.
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vinculado a um Estado constituído. Exemplo sempre citado é o da nação palestina, que de-
monstra inequívoca identidade nacional, mas que está fracionada em diversos territórios,
sem que haja sequer um Estado formalmente constituído.
Território é o espaço no qual o Estado exerce, com exclusividade, sua soberania. Estão
aqui incluídos não só os espaços terrestres (solo e subsolo), como também o espaço aéreo e
o aquático. A caracterização e a amplitude dos bens que compõem o território nacional, nós
podemos encontrá-los no artigo 20, da Constituição Federal, que trata dos chamados bens
da União. Por força daquele artigo, compõem o território brasileiro, por exemplo, as ilhas
f‌luviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países, as ilhas oceânicas e as costeiras
e o mar territorial.
Soberania, em apertada síntese, é o poder estatal dotado de supremacia na ordem in-
terna, não podendo sofrer qualquer limitação por outros poderes daquele mesmo Estado, e
de independência na ordem externa, não estando sujeito a imposições de quaisquer outros
Estados estrangeiros ou organismos internacionais. Muitos doutrinadores costumam deno-
minar este terceiro elemento constitutivo do Estado de governo. Não nos parece, contudo,
a melhor nomenclatura, uma vez que todas as unidades que compõem uma Federação
possuem capacidade de governarem a si próprias (em consequência da autonomia que lhes
é peculiar), sem, contudo, serem dotadas de soberania.
ESTADO E SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
– Estado: pessoa jurídica de direito público externo, dotada de soberania em relação aos demais Estados estrangeiros (incluindo
a Santa Sé) e aos organismos internacionais, e, portanto, com personalidade jurídica de direito internacional público que lhe
permite, inclusive, celebrar tratados e convenções internacionais.
– Elementos constitutivos do Estado: (a) povo – conjunto de pessoas ligadas ao Estado por um vínculo jurídico-político, e que
pode ser denido como o agrupamento de nacionais daquele ente estatal; (b) território – espaço no qual o Estado exerce, com
exclusividade, sua soberania; (c) soberania – poder estatal dotado de supremacia na ordem interna e de independência na ordem
externa, não estando sujeito a imposições de quaisquer outros Estados estrangeiros ou organismos internacionais.
10.3 ESTADO FEDERAL: CONCEITO E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
Nos expressos termos do artigo 18, da Constituição Federal, “a organização políti-
co-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. Este
dispositivo constitucional, somado ao artigo 1º, caput, de nossa Lei Maior, que dispõe que a
República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios
e do Distrito Federal, deixam claro que o Brasil é um Estado do tipo Federal. E o que vem
a ser Estado Federal?
O modelo de Estado Federal é criação norte-americana, tendo surgido quando as antigas
Colônias que se libertaram do jugo inglês, e que, inicialmente, formaram uma Confederação
de Estados independentes, decidiram então abrir mão de suas soberanias (mas não de suas
autonomias) para formarem um único Estado, de tipo Federal, formalizado pela Constituição
dos Estados Unidos da América, promulgada em 1787.
O Estado Federal, também denominado simplesmente Federação, é um modelo de Estado
formado pela união permanente4 de 2 (dois) ou mais entes estatais que, abrindo mão da soberania
em favor de um ente central, que corporif‌ica e responde pela Federação, conservam, porém,
4. Sob pena de intervenção federal, caso um ou mais daqueles entes parciais tente separar-se da União.
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