A organização do estado brasileiro e a competência tributária dos entes políticos

AutorLuísa Cristina Miranda Carneiro
Ocupação do AutorMestre em Direito Tributário pela PUC-SP
Páginas41-100
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A ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
E A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DOS ENTES
POLÍTICOS
Consolidadas as premissas informadoras do raciocínio
aqui desenvolvido, mostra-se importante identificar as no-
ções fundantes da organização do estado brasileiro, que de-
vem orientar o trabalho do intérprete na construção de senti-
do dos textos jurídicos.
A compreensão da estrutura constitucional do sistema ju-
rídico-tributário brasileiro e da repartição das competências
tributárias é fundamental para a análise normas jurídicas re-
lativas ao IPVA. Isso porque, como visto, as regras não exis-
tem e nem podem ser interpretadas isoladamente, mas, sem-
pre no contexto sistêmico em que se encontram integradas.
2.1 Os princípios constitucionais como diretrizes do
sistema jurídico
Como fixado nos itens precedentes, o ordenamento jurí-
dico é formado por um conjunto de normas, dispostas em re-
lações de coordenação e subordinação.
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LUÍSA CRISTINA MIRANDA CARNEIRO
A pirâmide jurídica, trazida inicialmente por Kelsen, re-
presenta que as normas inferiores buscam fundamento nas
normas superiores e assim sucessivamente, até as normas
constitucionais, para que haja harmonia no sistema jurídico.
A Constituição Federal ocupa o patamar mais elevado
nessa hierarquia, exercendo papel fundamental na dinâmica
do sistema, pois nela são traçados os princípios unificadores,
que conferem harmonia a toda legislação. O texto constitucio-
nal é o espaço, por excelência, das linhas gerais informadoras
da organização do Estado e onde são traçadas as característi-
cas dominantes das diversas instituições que o compõem.
Cumpre ressaltar que a Constituição Federal brasileira
caracteriza-se pela imperatividade de seus comandos, ou seja,
não abrange meras recomendações, mas, pelo contrário, um
conjunto de normas imperativas, que devem ser incondicio-
nalmente observadas.68
Quando há o descompasso entre a norma inferior e a
Constituição Federal, ocorre a inconstitucionalidade, que
pode ser material (intrínseca), quando o conteúdo da norma
inferior é incompatível com o mandamento constitucional, ou
formal (extrínseca), quando a norma inferior é editada por au-
toridade, órgão ou pessoa incompetente, ou sem observância
dos procedimentos adequados.
Na Constituição Federal estão estatuídos diversos princí-
pios que se situam no topo da hierarquia do sistema jurídico.
Etimologicamente, o vocábulo princípio (do latim principium,
principii) refere-se à ideia de começo, origem, base.
68. Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho ressalta a imperatividade dos coman-
dos constitucionais, destacando, inclusive, a prescritividade do Preâmbulo da Cons-
tituição Federal: “No subdomínio das significações dos enunciados, cumprem as
cláusulas do Preâmbulo papel prescritivo da mais elevada importância, impregnan-
do, em função de sua hierarquia e pelo próprio efeito da derivação lógica que de-
sencadeiam, todas as unidades normativas do direito infraconstitucional.” (CAR-
VALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos... cit., p. 83).
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IPVA
TEORIA, PRÁTICA E QUESTÕES POLÊMICAS
Cumpre ressaltar o caráter normativo dos princípios. A
esse respeito, encampamos a posição de que os princípios
integram o ordenamento jurídico, sendo, portanto, normas,
como tudo mais que compõe o sistema.
Riccardo Guastini ressalta:
(…) é óbvio que também os princípios são normas, ou seja,
enunciados do discurso prescritivo, dirigidos à orientação do
comportamento (em algumas circunstâncias, a tese contrária
foi sustentada com o único objetivo de negar que certos prin-
cípios expressos tivessem valor vinculante para os órgãos da
aplicação).
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Porém, o próprio autor afirma que não é fácil individuali-
zar, com precisão, tais unidades do direito positivo. Para apon-
tar quais propriedades uma “norma” precisa ter para receber
o nome de “princípio”, o citado jurista propõe:
Em síntese, são princípios as normas que, aos olhos de quem
fala, se revestem de uma especial ‘importância’, ou aparecem
como normas ‘caracterizantes’ do ordenamento ou de uma sua
parte. Por esta razão e neste sentido costuma-se acompanhar o
substantivo ‘princípio’ do adjetivo ‘fundamental’.
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Com efeito, pode-se afirmar que os princípios são normas
jurídicas (em sentido amplo) de elevada carga valorativa, que
exercem função importantíssima no ordenamento jurídico,
pois constituem sua base e norteiam a interpretação e a inte-
gração das demais normas, ou seja, conferem ao ordenamento
jurídico estrutura e coesão.
Paulo de Barros Carvalho ressalta que as normas jurídi-
cas estão sempre impregnadas de valor, componente axiológi-
co invariavelmente presente na comunicação normativa, com
maior ou menor intensidade.71
69. GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Tradução de Edson Bini. São Pau-
lo: Quartier Latin, 2005, p. 186.
70. GUASTINI, Riccardo. Op. cit., p. 187.
71. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário... cit., p. 190.
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