Organização dos poderes

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas585-668
11
ORGANIZAÇÃO DOS PODERES
11.1 A DENOMINADA “SEPARAÇÃO DE PODERES”
Como já tivemos a oportunidade de mencionar em outras oportunidades, a constituição
escrita foi concebida com o objetivo precípuo de f‌ixar mecanismos de limitação do Poder do
Estado, para proteção dos cidadãos contra eventuais arbitrariedades estatais. Dentre aqueles
mecanismos de limitação do poder do Estado, sobressaem-se as normas que dispõem sobre
os direitos e garantias fundamentais.
Contudo, existem outros mecanismos igualmente importantes, e que também cumprem
aquela missão. É o caso, por exemplo, das regras que f‌ixam o modo de exercício do poder
estatal. E no que se respeita a este último mecanismo, a Constituição Federal de 1988, em
seu artigo 2º, abraçou a tradicional divisão funcional do poder estatal, dispondo que “são
Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
A Constituição de 1988 adotou, portanto, a tradicional separação de poderes, também
conhecida por divisão de poderes, ou seja, a repartição do poder estatal (que, na verdade, é
uno) em 3 (três) funções distintas, todas com independência, prerrogativas e imunidades
próprias, indispensáveis ao bom cumprimento de seus misteres.
Em outras palavras, conferiu àquelas funções do Estado, exercidas por 3 (três) Poderes
distintos, os conhecidos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, parcelas da soberania
estatal, garantindo considerável independência, a cada um deles, em relação aos demais,
como mecanismo assecuratório do respeito aos direitos e garantias fundamentais, e, sobre-
tudo, da garantia da manutenção do Estado Democrático de Direito.
A chamada separação de poderes está fundamentada em 2 (dois) elementos essenciais:
o primeiro é a especialização funcional, signif‌icando que cada órgão é especializado em uma
função estatal específ‌ica; o segundo, a independência orgânica, que exige que cada um daque-
les órgãos possa exercer sua função especializada de forma verdadeiramente independente,
sem subordinação aos demais.
Com efeito, por força da especialização funcional que lhe é peculiar, o ordenamento
jurídico do Estado, cujas normas principais estão na própria Carta Magna, confere a cada
um daqueles poderes estatais uma função precípua, que a doutrina costuma denominar
de função típica. Assim, caberá ao Poder Executivo, precipuamente, a função executiva;
ao Poder Legislativo, a função legislativa e também a função de f‌iscalizar o Executivo; e ao
Poder Judiciário, a função jurisdicional.
Já em razão da independência orgânica, cada um daqueles poderes do Estado deverá
exercer sua função estatal sem qualquer subordinação aos demais poderes constituídos,
não havendo necessidade, como regra geral, de consultar ou solicitar autorização dos
outros poderes para realizar suas atribuições típicas, cujas balizas são f‌ixadas apenas pelo
ordenamento jurídico.
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
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É por força da independência orgânica, por exemplo, que os membros do Poder Legisla-
tivo gozam das chamadas imunidades parlamentares, ou seja, de um conjunto de prerrogativas
que lhes permite atuar com liberdade e independência, podendo, por exemplo, exercer a
função típica de f‌iscalizar os atos do Poder Executivo sem receios de sofrerem ameaças ou
efetivos abusos por parte dos membros deste poder.
Da mesma forma, os membros do Poder Judiciário gozam de algumas garantias cons-
titucionais, tais como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios,
as quais têm por escopo justamente assegurar o livre desempenho de suas funções jurisdi-
cionais, sem risco de sofrer quaisquer arbitrariedades praticadas por outrem, que possam
comprometer sua indispensável imparcialidade.
É importante ressaltarmos, contudo, que tanto a especialização funcional, quanto a
independência orgânica, típicas da separação ou divisão de poderes, não podem ser enca-
radas como absolutas. Com efeito, conforme ressalta o próprio artigo 2º da Carta Magna,
muito embora independentes, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são também
harmônicos entre si.
Por harmonia entre si (entre os poderes) devemos entender não só a exigência de que
haja tratamento cortês entre os três Poderes, bem como que sejam reciprocamente respeitadas
as prerrogativas que lhe são atribuídas, como também a necessidade de que cada um daqueles
poderes possa exercer algum controle sobre os demais. Esse mecanismo é conhecido como
sistema de freios e contrapesos, também denominado checks e balances.
Com efeito, no tocante à chamada especialização funcional, a verdade é que não há,
como possa parecer a princípio, exercício exclusivo de cada uma daquelas funções estatais,
pelos diferentes poderes. Além das funções predominantes, denominadas de funções típicas
(justamente em razão deste caráter de predominância), o próprio texto constitucional confere
àqueles poderes outras funções, não predominantes, denominadas funções atípicas.
É nesse diapasão, por exemplo, que, ao mesmo tempo em que cabe ao Poder Executivo
as funções típicas de instituir as políticas públicas de governo, com base no texto consti-
tucional, e de atender aos comandos legais (na seara administrativa), ele pode (ou mesmo
deve) também praticar funções atípicas, como, por exemplo, a de editar medidas provisórias
(função legislativa) e julgar os processos administrativos instaurados (função julgadora).
Igual raciocínio vale para o Poder Legislativo. Além de suas funções típicas de legislar
e f‌iscalizar o Poder Executivo, cabem àquele poder as funções atípicas de administrar (de
maneira semelhante ao que mencionamos sobre o Poder Executivo) e também de julgar,
como se dá, por exemplo, na hipótese de crime de responsabilidade praticado pelo presidente
da República (artigo 52, inciso I, da Carta Magna).
O mesmo se aplica ao Poder Judiciário. De fato, ao mesmo tempo em que este exerce
sua função típica prestando a atividade jurisdicional, solucionando as lides que lhe são pro-
postas, necessita também exercer a função atípica de editar atos administrativos, destinados
aos seus servidores, com vistas ao adequado e célere cumprimento de sua função típica. O
Poder Judiciário detém, ademais, o poder de iniciativa nos projetos de lei para criação de
seus cargos subordinados, bem como para aumento da remuneração destes.
Por f‌im, no tocante à independência orgânica, o ordenamento jurídico também prevê di-
versos mecanismos de interferência de um poder em outro, de maneira que a atuação conjunta
daí resultante possa assegurar não só a observância dos direitos e garantias fundamentais,
como também a manutenção do Estado Democrático de Direito, sem que um poder possa
hipertrof‌iar-se, mitigando ou mesmo excluindo a importância das demais funções estatais.
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É por essa razão, por exemplo, que a Constituição de 1988 confere ao Poder Legislativo
a função de editar a maioria das espécies normativas previstas em seu artigo 59, tais como
as emendas constitucionais, as leis complementares e as leis ordinárias. Contudo, a mesma
Lei Maior prevê importantíssima atuação do Poder Executivo no processo legislativo, seja
conferindo-lhe poder de iniciativa de leis (em alguns casos, até mesmo de forma exclusiva),
seja dotando-o de poder de veto, quando considerar o projeto de lei inconstitucional ou
contrário ao interesse público.
Por outro lado, a mesma Constituição Federal prevê a possibilidade de o Congresso
Nacional, por quaisquer de suas Casas, não só modif‌icar os projetos de lei de iniciativa do
presidente da República, através da apresentação de emendas, como também de rejeitá-lo
por completo. Prevê, ademais, a possibilidade de o Poder Legislativo derrubar o veto presi-
dencial, por maioria absoluta de seus membros.
A Constituição Federal também prevê que o Poder Judiciário deva examinar a consti-
tucionalidade das leis e atos normativos votados pelo Poder Legislativo e sancionados pelo
Poder Executivo, afastando sua aplicação quando os considerar incompatíveis com o texto
constitucional vigente. Contudo, quando referido controle for realizado apenas de maneira
incidental, no chamado controle difuso, a ef‌icácia erga omnes daquela decisão f‌icará condi-
cionada à decisão do Senado Federal, ou seja, à decisão do Poder Legislativo.
A DENOMINADA “SEPARAÇÃO DE PODERES”
– A Constituição de 1988 adotou a tradicional separação de poderes, também conhecida por divisão de poderes, ou seja, a
repartição do poder estatal (que, na verdade, é uno) em 3 (três) funções distintas, todas com independência, prerrogativas e
imunidades próprias, indispensáveis ao bom cumprimento de seus misteres.
– A Carta Magna conferiu aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário considerável independência em relação aos demais,
como mecanismo assecuratório do respeito aos direitos e garantias fundamentais, e, sobretudo, da garantia da manutenção do
Estado Democrático de Direito.
– A separação de poderes está fundamentada em 2 (dois) elementos essenciais: a especialização funcional (o Estado confere a
cada um daqueles poderes uma função típica) e a independência orgânica (cada um dos poderes deverá exercer sua função
sem subordinação aos demais).
– Por harmonia entre os poderes devemos entender não só a exigência de que haja tratamento cortês entre os três poderes, bem
como que sejam reciprocamente respeitadas as prerrogativas que lhes são atribuídas, como também a necessidade de que cada
um daqueles Poderes possa exercer algum controle sobre os demais (sistema de freios e contrapesos).
11.2 PODER LEGISLATIVO: NOTAS INTRODUTÓRIAS
Como já mencionado supra, as funções típicas do Poder Legislativo são as de legislar e
de f‌iscalizar o Poder Executivo. Com efeito, como vimos anteriormente, a Constituição de
1988 confere ao Poder Legislativo a função típica de editar a maioria das espécies normativas
previstas em seu artigo 59, tais como as emendas constitucionais, as leis complementares,
as leis ordinárias, os decretos legislativos e as resoluções.
Na mesma toada, o Poder Legislativo também exerce a função típica de f‌iscalização
externa sobre o Poder Executivo, que poderá ser de 2 (dois) tipos: (a) político-administrativa,
através de um conjunto de mecanismos que possibilitem ao Parlamento controlar a gestão
da coisa pública, como, por exemplo, através da criação de Comissões Parlamentares de
Inquérito (CPIs) e de convocação de Ministros para prestar informações sobre o cumpri-
mento de suas funções; e (b) contábil, f‌inanceira e orçamentária.
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