A organização internacional do trabalho

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região - Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas284-296

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1. Gênese da instituição Objetivo

Na Encíclica Rerum Novarum, Leão XIII alerta: “(...) Não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital. A concordância traz consigo a ordem e a beleza, ao contrário um conlito perpétuo de que só podem resultar confusão e lutas selvagens. Ora, para dirimir este conlito e cortar o mal na sua raiz, as Instituições possuem uma virtude admirável e múltipla”.199

Parece-nos correto assim pensar, não só em matéria de capital e trabalho, mas em todo e qualquer campo da atividade humana que adquire importância para a sociedade.

No caso do trabalho, dada a complexidade de suas realizações que envolvem os setores da sociedade, provocando equilíbrios e desequilíbrios, inluenciando a política e movendo-se a par com a economia, o Estado somente pode controlá-lo por meio de órgãos próprios voltados para sua iscalização e estudo; o mesmo ocorrendo em escala maior na sociedade internacional.

Sem um organismo, uma instituição, um controle coordenando os Estados, a sociedade internacional torna-se mais desequilibrada, mais pobre, inluenciando a saúde, a educação, o nível de vida em geral, desestabilizando, enim, a ordem econômica e social e a sensível balança política.

Onde falta o trabalho, ou onde a sua retribuição não é adequada, a vida social ica abalada em todas as suas manifestações.

Perdoe-nos a citação de outra Encíclica, a Populorum Progressio, é que nela Paulo VI, com felicidade, pronunciou: “Toda criação é para o Homem, com a condição de ele aplicar o seu esforço inteligente em valorizá-la, pelo seu trabalho, por assim dizer, completá-la pelo seu serviço (...). Deus destinou a Terra e tudo o que nela existe ao uso de todos os Homens e de

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todos os povos de modo que os bens da criação aluam com equidade à mão de todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade”.200Belas e verdadeiras palavras, que só fazem recordar o mandamento divino: “Enchei a Terra e dominai-a”. É preciso que o ser humano se organize para dominar a Terra, e isso ele faz por intermédio do trabalho. A Organização Internacional do Trabalho há décadas vem-se dedicando, involuntariamente, a cumprir a ordem eterna.

As iguras acima utilizadas não pretendem melindrar os estudiosos do Direito que professam ou não uma religião, uma vez que têm mera inalidade didática e de qualquer forma representam a realidade sobre o Homem e a sua sobrevivência.

A doutrina social da Igreja tem-nos legado páginas e páginas preciosas sobre a matéria, que bem cabem nesta introdução.

Uma relexão histórica se faz necessária para chegarmos à OIT. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) levou milhares de trabalhadores à luta, lado a lado com outras classes sociais, fazendo-os compreender que, se os Homens eram iguais na guerra, em que a morte estava presente, também o eram na vida, obrigando os governos a fazer concessões aos operários. Lloyd George, na Inglaterra, dizia: “O Governo pode perder a guerra sem o vosso auxílio, mas sem ele não a pode ganhar”.

Compreendiam todos que os trabalhadores, que haviam caído nos campos de batalha, lutaram não somente para a defesa das riquezas dos detentores do capital, os maiores responsáveis pela guerra; tinham, também, preparado o campo para uma nova aurora social, em que os operários gozassem dos mesmos direitos de que usufruíam todos os cidadãos, em que o trabalho fosse colocado no mesmo plano que o capital.201Foram os trabalhadores chamados para a paz. Concitava-se o proletariado internacional (CGT-1915) para assentar suas bases. Também foi convocada uma conferência sindical dos aliados para um mínimo de garantia do trabalho, de regras de duração, de higiene, de segurança e seguro social.

Enim, embora cada Estado estabeleça suas próprias normas sobre o trabalho, o Direito que o sustenta tem vocação internacional, universalista, independente de fronteiras e ideologias.

Deixemos de lado as iniciativas históricas que redundaram na criação da OIT, pois teríamos de escrever sobre a própria história da Humanidade. Basta dizer que a Parte XIII do Tratado de Versalhes, de 28.6.1919, instituía

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uma Organização Internacional do Trabalho, como parte da Sociedade das Nações. Após a Segunda Guerra, com a Carta das Nações Unidas, a OIT viu-se vinculada à ONU, sem integrá-la (arts. 57 e 63 da Carta), tendo total independência de ação.

É, pois, a OIT um organismo à parte, com papel prevalente, respeitado por todas as nações.

O art. 40, § 1º, de sua Constituição estabelece que: “Gozará, no território de cada um dos seus membros, dos privilégios e imunidades que sejam necessários para a consecução de seus ins”. Entre tais ins encontram-se a proteção ao trabalho, a luta contra o desemprego, previdência social, posição do trabalhador estrangeiro, liberdade sindical, etc.

Explica Süssekind a ilosoia da OIT:

  1. O objetivo da OIT não se restringe a melhorar as condições de trabalho, mas a melhorar a condição humana no seu conjunto.

B) A OIT não procura unicamente a melhora das condições materiais de existência. Ela dá ênfase tanto à luta contra a necessidade, visando ao progresso material e à segurança econômica, como à defesa dos valores da liberdade — notadamente da liberdade de expressão e de associação —, de dignidade e igualdade — em particular da igualdade de oportunidades, independentemente da raça, da crença ou do sexo.

C) A ação da Organização não se limita à proteção dos trabalhadores propriamente ditos, porquanto alcança o conjunto de seres humanos nas suas relações de trabalho.

D) Os textos fundamentais da OIT insistem na necessidade de um esforço concentrado, internacional e nacional, para promover o bem comum, isto é, para assegurar o bem-estar material e espiritual da Humanidade.

E) Esses princípios de base da OIT sublinham que a ação para melhorar as condições sociais da Humanidade, no sentido mais amplo do termo, não deve constituir um setor distinto das políticas nacionais ou da ação internacional, pois representa o próprio objeto dos programas econômicos e inanceiros e estes devem ser julgados sob este prisma. Airma-se a primazia do social em toda planiicação econômica e a inalidade social do desenvolvimento econômico.202Sendo a OIT uma associação de caráter federativo — no dizer de Plá Rodriguez —, que implica, naturalmente, certa restrição à soberania de cada membro, bem se vê que sua atuação não leva em conta as fronteiras do Estado, ainda que em suas disposições consagre o respeito à soberania estatal.

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É que o sistema de convenções internacionais do trabalho, como já se disse alhures, constituiu uma inovação no Direito Internacional. A Conferên-cia Geral da OIT, realizada em Filadélia, em 5.4.1944, a partir desta passou a regular não somente as questões entre Estados, mas também as concernentes ao bem-estar dos indivíduos e à justiça no seio das sociedades. Qualquer outro organismo internacional não age dessa forma; porém, a OIT tem uma tradição de regrar matéria de competência exclusiva interna dos Estados.

2. Estrutura

A estrutura básica da OIT constitui-se de três órgãos: a Conferência Internacional do Trabalho, o Conselho de Administração e a Repartição Internacional do Trabalho.

O primeiro é a Assembleia Geral de todos os Estados-membros, que, como órgão supremo da Organização, traça as diretrizes gerais da política social a ser observada, elaborando-as por meio das convenções e recomendações, além de outros afazeres consagrados no seu diploma, como a regulamentação internacional do trabalho e das questões que são conexas. Adota resoluções sobre problemas que concernem direta ou indiretamente às suas inalidades e competência, decidindo, ainda, sobre pedidos de admissão de países não pertencentes à ONU e sobre o orçamento da Organização. Reúne-se anualmente203.

Já o Conselho de Administração administra em nível superior a OIT, ixando a data, o local e a ordem do dia das reuniões da Conferência...

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