A organização internacional do trabalho, a globalização e o trabalho decente

AutorSayonara Grillo Coutinho Leona da Silva
Ocupação do AutorOrganizadora
Páginas201-208

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1. Introdução

A Organização Internacional do Trabalho, que mantém seu escritório no Brasil desde a década de 1950, tem se apresentado como uma importante instituição no cenário laboral brasileiro principalmente por incentivar o debate em torno de temas centrais para o chamado mundo do trabalho. Entretanto, partimos da premissa de que sua atuação não se limita ao campo ideário, mas que possui uma atuação de modo a tentar influenciar a vida pública e social. O conceito trabalho decente, formalizado em 1999, tem se constituído como um grande sintetizador de ações da OIT-Brasil, mas o mesmo tem sido utilizado como uma espécie de balizador de iniciativas de outras instituições. Nesta obra faremos um panorama de como este conceito tem sido apresentado, em um contexto de globalização, e também apresentaremos alguns resultados de nossa pesquisa referente ao conceito trabalho decente e juventude no Brasil. A pesquisa como um todo ainda está em andamento e aqui apenas sinalizaremos alguns resultados iniciais. Em especial, veremos como o conceito trabalho decente tem crescido em importância no cenário laboral brasileiro e o que isso poderia representar em nível de incentivo na formulação de agendas públicas.

2. A organização internacional do trabalho e sua importância no cenário laboral

A Organização Internacional do Trabalho foi criada em 1919 no processo de pacificação após a Primeira Guerra mundial, juntamente com a Liga das Nações. Um mundo conturbado com o lastro de destruição da primeira guerra procurava recompor as suas bases diplomáticas e nesse sentido a organização da própria atividade produtiva se constituiu como uma atividade emergente. Com a Conferência de Paz, em Versalhes, decidiu-se pela organização de uma “Comissão de Legislação Internacional” (cujo desdobramento fora a criação da OIT), visando uma ação conjunta nos assuntos relativos à organização da esfera produtiva. Nos documentos de época, como muito bem nos aponta Arnaldo Süssekind, as justificativas em torno da sua criação gravitavam em torno de três eixos: o da política, tendo em vista a questão da paz universal; humanitária, visando criar condições de trabalho mais justas; e econômica, propondo fornecer elementos que atenuem a questão da concorrência internacional e suas consequências nas condições sociais (SÜSSEKIND, 1987, p. 100).

Nesse sentido, a partir da criação da OIT, ocorre uma renovação do Direito Internacional do Trabalho. A partir do sistema de Convenções e de Recomendações tentou-se criar padrões de uniformização da regulação das relações de trabalho entre os Estados-membros. Antes mesmo da criação da ONU e de outros organismos internacionais, a OIT acabou por, paulatinamente, fortalecer o seu modelo, cabendo aos escritórios nacionais a função de cooperação técnica nas diversas iniciativas geradas a partir da temática do trabalho.

Outro fator que acabou por manter o seu prestígio ao longo desses noventa e quatro anos de existência foi o fato da organização ter uma composição tripartite, com representantes do governo, dos trabalhadores e dos empregadores. Esse tripartismo esteve presente desde a sua fundação e permanece como um elemento que fornece legitimidade, dando-lhe um diferencial em seu caráter representativo. A promoção do diálogo social tem sido uma grande bandeira no campo ideário dessa instituição. Para além da questão da legitimi-dade, a OIT também cresceu em importância principalmente por conta do âmbito jurídico, por meio das suas Conven-

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ções. Uma vez ratificadas, se constituem como fonte formal de direito, gerando direitos subjetivos individuais. Portanto, se compõem como instrumentos normativos de grande monta, especialmente por tratarem de assuntos de interesse internacional. As Convenções são tratados multilaterais que precisam ter a ratificação dos Estados-membros para terem valor normativo. Uma vez ratificada, a Convenção integra a respectiva legislação nacional (SÜSSEKIND, 1987, p. 174).

A grande “força” desse sistema acaba por se tornar também a sua maior “fraqueza”. muitas críticas têm sido feitas a esse processo principalmente em função das especificidades das legislações nacionais. Pode-se ratificar uma Convenção que foi pensada em termos mais gerais, e que pode não atender às demandas de uma dada localidade. Outra questão colocada refere-se aos instrumentos de controle da aplicação desse instrumento normativo. Arturo Bronstein, em seu livro Derecho Internacional y Comparado del Trabajo (2010) propõe uma solução por meio do fortalecimento de Tribunais Inter-nacionais. Embora seja uma solução possível de ser efetivada, ainda estamos longe de ver a sua difusão.

Dessa forma, ao longo de todo o século xx, a OIT foi crescendo em importância no cenário laboral internacional e, com a sua estrutura tripartite, tem conseguido manter um caráter diplomático de grandes proporções. No processo de remodelação institucional, principalmente no pós-segunda guerra mundial, com a criação da ONU e de outros organismos internacionais, a OIT se viu diante de um questionamento sobre o seu papel nesse novo cenário. Nesse período, as organizações internacionais estão voltadas para temas como a manutenção da paz e a resolução de conflitos. A OIT nesse contexto de grande reflexão, em sua Conferência Geral, realizada em 1944, na Filadélfia, retoma os valores já declarados em sua constituição inicial reforçando a sua atualidade: a promoção da justiça social. E bem mais do que isso, a partir desse momento a OIT acabou por ampliar sua competência estendendo a sua pauta para além das condições de trabalho e dos direitos previdenciários do trabalhador. Essa ampliação instaura um direito internacional do trabalho que se aproxima de novas temáticas, como a pauta dos então denominados direitos humanos. Gênero, reforma agrária, populações indígenas, políticas de desemprego, educação e saúde do trabalhador, meio ambiente, enfim, progressivamente toda uma gama de novas demandas passou a ser incorporadas à pauta de atuação da OIT fornecendo novos parâmetros normativos e ideários aos Países-membros.

Com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, cujo objetivo era substituir a Liga das Nações, a

OIT passou a ser integrada ao seu sistema, tornando-se uma agência especializada. Atualmente a OIT possui sua sede em Genebra e conta com a atuação de 185 Estados-membros.

Com o processo de globalização e de atuais transformações no mundo do trabalho, a OIT se vê diante de novos desafios a serem enfrentados. Oscar Ermida Uriarte (1999) ao refletir sobre a inter-relação entre os processos de globalização e as relações laborais (1999)1, comenta que o sistema tradicional do Direito do Trabalho tem passado por significativas mudanças, principalmente em virtude das transformações que tem passado a própria organização produtiva.
Nesse sentido, destaca a emergência do que ele chamou de “re-regulação internacional”, por intermédio de convênios internacionais do trabalho, os grandes Pactos e Declarações de Direitos humanos e as Cartas Sociais como exemplos dessa “re-regulação”. E a OIT, por gerar uma rede normativa universal, tem proeminência nesse processo. Entretanto comenta que, se por um lado, tem-se um salto qualitativo por meio da universalização de certos princípios, por outro, para atender uma demanda da própria organização do trabalho, e garantir condições mínimas de proteção social, poderia colaborar, de certa forma, para a expansão do processo de flexibilização das relações laborais.

Nas décadas de 1980 e 1990, o grande desafio se dava no sentido da OIT ser capaz de apresentar uma nova visão de mundo que fosse capaz de conciliar um programa social internacional frente aos interesses econômicos dessa época.
Nesse contexto emergiu o debate sobre a introdução de cláusulas sociais no comércio internacional. Estas seriam obrigações que deveriam satisfazer requisitos sociais específicos.
Em uma economia globalizada, pontos de tensão faziam com que as organizações internacionais refletissem sobre suas atuações, principalmente entre o segmento empresarial e as organizações sindicais. Se por um lado, a corrente dominante da esfera econômica exigia uma liberalização do mercado, por outro, representantes sindicais pressionavam alertando para os efeitos nocivos que tal política econômica poderia acarretar, principalmente no que se refere à proteção social e à garantia de empregos.

Um grande debate se instaurou, portanto, na década de 1990 sobre a questão do dumping social2 e as cláusulas sociais, especialmente para saber qual instituição se encarregaria de efetivá-las. Particularmente esse debate se acirrou após a criação oficial da Organização mundial do Comércio (OmC) em 1995, que anteriormente recebia a nomenclatura de Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT)3. Uma corrente defendeu que as cláusulas sociais eram de responsabi-

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lidade da OmC. O principal argumento desta posição foi que a OmC seria capaz estabelecer mecanismos de sanção aos países que não as respeitassem, atribuição essa impossível de se concretizar com a OIT devido ao caráter de adesão e ratificação voluntária dos Países-membros e pela ausência de formas de controles internacionais.

O tema é bastante controverso e essa discussão não será aprofundada neste trabalho. De qualquer forma ele representa um questionamento da própria atuação da OIT e da sua eficácia enquanto instituição capaz de manter padrões normativos em uma sociedade cada...

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