A organização internacional do trabalho

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro da Academia Paulista de Direito, Membro da Comunidade de Juristas da Língua Portuguesa
Páginas294-306

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1. Gênese da instituição Objetivo

Na Encíclica Rerum Novarum, Leão XIII alerta: "(...) Não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital. A concordância traz consigo a ordem e a beleza, ao contrário um conflito perpétuo de que só podem resultar confusão e lutas selvagens. Ora, para dirimir este conflito e cortar o mal na sua raiz, as Instituições possuem uma virtude admirável e múltipla".199

Parece-nos correto assim pensar, não só em matéria de capital e trabalho, mas em todo e qualquer campo da atividade humana que adquire importância para a sociedade.

No caso do trabalho, dada a complexidade de suas realizações que envolvem os setores da sociedade, provocando equilíbrios e desequilíbrios, influenciando a política e movendo-se a par com a economia, o Estado somente pode controlá-lo por meio de órgãos próprios voltados para sua fiscalização e estudo; o mesmo ocorrendo em escala maior na sociedade internacional.

Sem um organismo, uma instituição, um controle coordenando os Estados, a sociedade internacional torna-se mais desequilibrada, mais pobre, influenciando a saúde, a educação, o nível de vida em geral, desestabilizando, enfim, a ordem econômica e social e a sensível balança política.

Onde falta o trabalho, ou onde a sua retribuição não é adequada, a vida social fica abalada em todas as suas manifestações.

Perdoe-nos a citação de outra Encíclica, a Populorum Progressio, é que nela Paulo VI, com felicidade, pronunciou: "Toda criação é para o Homem, com a condição de ele aplicar o seu esforço inteligente em valorizá-la, pelo seu trabalho, por assim dizer, completá-la pelo seu serviço (...). Deus destinou a Terra e tudo o que nela existe ao uso de todos os Homens e de

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todos os povos de modo que os bens da criação afluam com equidade à mão de todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade".200

Belas e verdadeiras palavras, que só fazem recordar o mandamento divino: "Enchei a Terra e dominai-a". É preciso que o ser humano se organize para dominar a Terra, e isso ele faz por intermédio do trabalho. A Organização Internacional do Trabalho há décadas vem-se dedicando, involuntariamente, a cumprir a ordem eterna.

As figuras acima utilizadas não pretendem melindrar os estudiosos do Direito que professam ou não uma religião, uma vez que têm mera finalidade didática e de qualquer forma representam a realidade sobre o Homem e a sua sobrevivência.

A doutrina social da Igreja tem-nos legado páginas e páginas preciosas sobre a matéria, que bem cabem nesta introdução.

Uma reflexão histórica se faz necessária para chegarmos à OIT. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) levou milhares de trabalhadores à luta, lado a lado com outras classes sociais, fazendo-os compreender que, se os Homens eram iguais na guerra, em que a morte estava presente, também o eram na vida, obrigando os governos a fazer concessões aos operários. Lloyd George, na Inglaterra, dizia: "O Governo pode perder a guerra sem o vosso auxílio, mas sem ele não a pode ganhar".

Compreendiam todos que os trabalhadores, que haviam caído nos campos de batalha, lutaram não somente para a defesa das riquezas dos detentores do capital, os maiores responsáveis pela guerra; tinham, também, preparado o campo para uma nova aurora social, em que os operários gozassem dos mesmos direitos de que usufruíam todos os cidadãos, em que o trabalho fosse colocado no mesmo plano que o capital.201

Foram os trabalhadores chamados para a paz. Concitava-se o proletariado internacional (CGT-1915) para assentar suas bases. Também foi convocada uma conferência sindical dos aliados para um mínimo de garantia do trabalho, de regras de duração, de higiene, de segurança e seguro social.

Enfim, embora cada Estado estabeleça suas próprias normas sobre o trabalho, o Direito que o sustenta tem vocação internacional, universalista, independente de fronteiras e ideologias.

Deixemos de lado as iniciativas históricas que redundaram na criação da OIT, pois teríamos de escrever sobre a própria história da Humanidade. Basta dizer que a Parte XIII do Tratado de Versalhes, de 28.6.1919, instituía

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uma Organização Internacional do Trabalho, como parte da Sociedade das Nações. Após a Segunda Guerra, com a Carta das Nações Unidas, a OIT viu-se vinculada à ONU, sem integrá-la (arts. 57 e 63 da Carta), tendo total independência de ação.

É, pois, a OIT um organismo à parte, com papel prevalente, respeitado por todas as nações.

O art. 40, § 1º, de sua Constituição estabelece que: "Gozará, no território de cada um dos seus membros, dos privilégios e imunidades que sejam necessários para a consecução de seus fins". Entre tais fins encontram-se a proteção ao trabalho, a luta contra o desemprego, previdência social, posição do trabalhador estrangeiro, liberdade sindical, etc.

Explica Süssekind a filosofia da OIT:

A) O objetivo da OIT não se restringe a melhorar as condições de trabalho, mas a melhorar a condição humana no seu conjunto.

B) A OIT não procura unicamente a melhora das condições materiais de existência. Ela dá ênfase tanto à luta contra a necessidade, visando ao progresso material e à segurança econômica, como à defesa dos valores da liberdade - notadamente da liberdade de expressão e de associação -, de dignidade e igualdade - em particular da igualdade de oportunidades, independentemente da raça, da crença ou do sexo.

C) A ação da Organização não se limita à proteção dos trabalhadores propriamente ditos, porquanto alcança o conjunto de seres humanos nas suas relações de trabalho.

D) Os textos fundamentais da OIT insistem na necessidade de um esforço concentrado, internacional e nacional, para promover o bem comum, isto é, para assegurar o bem-estar material e espiritual da Humanidade.

E) Esses princípios de base da OIT sublinham que a ação para melhorar as condições sociais da Humanidade, no sentido mais amplo do termo, não deve constituir um setor distinto das políticas nacionais ou da ação internacional, pois representa o próprio objeto dos programas econômicos e financeiros e estes devem ser julgados sob este prisma. Afirma-se a primazia do social em toda planificação econômica e a finalidade social do desenvolvimento econômico.202

Sendo a OIT uma associação de caráter federativo - no dizer de Plá Rodriguez -, que implica, naturalmente, certa restrição à soberania de cada membro, bem se vê que sua atuação não leva em conta as fronteiras do Estado, ainda que em suas disposições consagre o respeito à soberania estatal.

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É que o sistema de convenções internacionais do trabalho, como já se disse alhures, constituiu uma inovação no Direito Internacional. A Conferência Geral da OIT, realizada em Filadélfia, em 5.4.1944, a partir desta passou a regular não somente as questões entre Estados, mas também as concernentes ao bem-estar dos indivíduos e à justiça no seio das sociedades. Qualquer outro organismo internacional não age dessa forma; porém, a OIT tem uma tradição de regrar matéria de competência exclusiva interna dos Estados.

2. Estrutura

A estrutura básica da OIT constitui-se de três órgãos: a Conferência Internacional do Trabalho, o Conselho de Administração e a Repartição Internacional do Trabalho.

O primeiro é a Assembleia Geral de todos os Estados-membros, que, como órgão supremo da Organização, traça as diretrizes gerais da política social a ser observada, elaborando-as por meio das convenções e recomendações, além de outros afazeres consagrados no seu diploma, como a regulamentação internacional do trabalho e das questões que são conexas. Adota resoluções sobre problemas que concernem direta ou indiretamente às suas finalidades e...

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