Origem e desenvolvimento das sociedades empresárias

AutorFernando Schwarz Gaggini
Ocupação do AutorAdvogado e professor universitário. Pós-graduado/especialista em Direito Mobiliário (Mercado de Capitais) e Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas15-32

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A ideia de associação entre pessoas como forma de viabilizar ou otimizar o exercício de uma atividade acompanha a humanidade há séculos. Suas origens mais rudimentares, aponta a doutrina, podem ser encontradas na antiguidade. Os Romanos as reconheciam (as chamadas societas), ainda que lhes dessem tratamento civil (inexistindo, à época, a concepção de sociedade comercial).

Nessas origens, a reunião de pessoas se dava em torno de um objeto comum, por vezes envolvendo a exploração de um negócio por membros de uma mesma família, herdeiros de uma mesma herança. Eram as sociedades familiares em que os sócios, em comum, exerciam as atividades decorrentes do negócio, se colocando à frente da administração.

As sociedades passaram a ter um perfil mercantil, criando a base do direito societário atual, somente na Idade Média, época em que as condições sociais e políticas se mostraram propícias para a mercancia e para a associação como forma de exploração do comércio1. De fato, como mencionam Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, os séculos XI e XII permitiram o desenvolvimen-

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to do comércio na Europa, tendo em vista se tratar de época de relativa paz, com rotas mercantis mais seguras e a criação de novas cidades, elementos que permitiram o surgimento do comerciante profissional, das corporações de ofício2(entidades criadoras de regras comerciais) e, por consequência das sociedades comerciais, destinadas a reunir pessoas e recursos visando empreendimentos e lucros3.

A partir desse quadro criou-se as condições para o surgimento dos diferentes tipos societários, destinados ao comércio, permitin-

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do também o desenvolvimento da noção de separação patrimonial entre a sociedade e seus sócios, o que levou Vivante a afirmar que o conceito de personalidade jurídica da sociedade seria uma conquista do direito medieval italiano4(visto que as sociedades comerciais tiveram origem nas cidades italianas medievais e, a partir daí, se disseminaram para as demais regiões europeias e, posteriormente, do mundo).

Nesse contexto, o primeiro tipo de sociedade que surgiu5, por volta do século XII, à semelhança das antigas sociedades familiares, foram as sociedades em nome coletivo, pelas quais todos os sócios comerciantes podiam exercer a mercancia de forma coletiva, por meio de uma razão social, ficando os sócios responsáveis, integral-mente, pelas obrigações sociais. Tratou-se, assim, de fenômeno decorrente da natural reunião de pessoas em torno de uma finalidade comercial comum6. Configurou-se como a estrutura básica da ideia societária, pela qual todos os sócios envolvem-se e responsabilizam-se pelos negócios sociais.

Não obstante a sociedade em nome coletivo tenha por perfil uma estrutura básica de sociedade, decorrente do natural desejo de associação, observou-se que sua forma não atendia, à plenitude, o

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interesse dos comerciantes, de modo que passaram a verificar-se inovações destinadas a atender às necessidades do tráfico comercial.

No mesmo período da Idade Média, a expansão do comércio passou a demandar mecanismos societários que permitissem criar parâmetros de segurança patrimonial e formas de ocultação de sócios. Surgem, assim, as ideias da limitação da responsabilidade dos sócios e do sócio oculto, que não se envolve diretamente com o exercício da atividade social. Tais demandas permitiriam, por um lado, a participação de sócios investidores, detentores de capital, mas sem interesse de participar diretamente do exercício da ativi-dade e, por outro lado, a participação (oculta) dos então impedidos de exercer o comércio, ou daqueles que evitavam se expor e infringir as rígidas regras éticas e canônicas então vigentes, que vedavam o comércio a uma série de pessoas.

Atendendo a essas necessidades, se configurou a ideia da chamada sociedade em comandita, que tinha por principal traço distintivo, para com a sociedade coletiva, a divisão dos sócios em classes, sendo que na comandita existiriam os sócios publicamente conhecidos, que exerciam as atividades sociais, e os sócios ocultos, que colaboravam financeiramente para o empreendimento, mas não se revelavam para terceiros.

Parte relevante da doutrina aponta que o surgimento da comandita derivou dos chamados "contratos de commenda". Tais contratos possuíam várias modalidades, tal como sua versão marítima, em que o proprietário de um navio tomava dinheiro de investidores para realizar negócios além mar. Sendo assim, o proprietário do navio exercia a atividade diretamente, responsabilizando-se perante terceiros, mas que, na realidade, tinha sido custeado por investidores ocultos, que assumiam o risco de perder os capitais investidos em caso de insucesso ou de obter remuneração sobre eles em caso de êxito no empreendimento comum. Assim, configurava-se a ideia da ocultação dos investidores aliada a uma preservação

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de seu patrimônio, cujo risco se limitava aos capitais destinados ao empreendimento específico.

A partir dessa ideia se moldou, então, a sociedade em comandita, em que um investidor, desejoso de rentabilizar seus recursos, entregava-os a um comerciante para o exercício de um empreendimento comum, ainda que, se expondo perante terceiros, somente o comerciante. Do resultado, parte seria destinada ao sócio investidor que, assim, encontrava uma forma de aumentar seu patrimônio sem se expor publicamente, limitando seu risco ao montante empregado.

Essa sociedade, a princípio, era negociada diretamente entre os sócios, sob o manto de um vínculo exclusivamente contratual, independentemente de quaisquer formalidades ou burocracia. Para terceiros, portanto, era desconhecida sua existência, como se estivessem negociando com um comerciante individual.

A evolução histórica e, em especial, as fraudes observadas no uso de tais contratos, fizeram com que as corporações de mercadores italianos, no século XV, passassem a exigir um regime de publicidade desses contratos, determinando o seu registro. Assim, as até então informais sociedades passaram a ser objeto de publicidade, tornando de conhecimento público os integrantes de seu quadro societário, revelando-se, então, a distinção entre a sociedade e as pessoas dos sócios.

Desta exigência observou-se a divisão daquele tipo de sociedade em duas modalidades, a sociedade em comandita e a sociedade em conta de participação, até então indistintas por terem uma finalidade comum e não possuírem regulamentação específica.

Mas, a partir daquele momento histórico, as comanditas passaram a ser sociedades regulares e sujeitas a registro de conhecimento público, enquanto os demais contratos de sociedade, com semelhante perfil, mas não registrados, se caracterizaram como sociedade em conta de participação, de conhecimento e efeitos restri-

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tos aos sócios, onde somente o comerciante se apresentava perante terceiros.

Nesse quadro, as comanditas encontraram grande desenvolvimento, na medida em que, concorrendo com as sociedades em nome coletivo, ofereciam a grande vantagem de limitar a responsabilidade dos sócios investidores (não mais ocultos, mas ainda assim com responsabilidade limitada).

Para as situações que demandavam o sigilo em relação à pessoa do sócio, ou seja, pessoas que desejavam participar de negócios mercantis, mas não poderiam fazê-lo oficial e publicamente, seja por possuírem impedimento ou por questão de valores morais, religiosos, bem como pela vedação ao empréstimo a juros, prestou-se a sociedade em conta de participação, que mantinha sua característica de "oculta e não regulamentada", de conhecimento exclusivo dos sócios. À época, a finalidade de tal sociedade era acomodar, na qualidade de sócio oculto, pessoas que não poderiam figurar oficialmente em negócios mercantis, tais como nobres que exerciam poder político (a quem não era adequada a prática de negócios visando lucro) e religiosos (porque a eles era vedada a participação em negócios econômicos). Logo, essa estrutura viabilizava a participação em negócios de pessoas que, por alguma razão, não poderiam se expor nesse sentido. Para o empreendedor, por outro lado, era uma forma de obtenção de recursos para o desenvolvimento de seus negócios, ao mesmo tempo preservando a imagem de seus sócios, visto que perante terceiros era como se o comerciante ostensivo atuasse de forma individual.

Consolidado esse cenário, tinha-se um quadro em que as sociedades, consideradas como entidades distintas de seus sócios, adotavam as formas de sociedade em nome coletivo ou sociedade em comandita simples (não se incluindo nesse rol a sociedade em conta de participação, por não se prestar a exercer atividades em nome próprio e de forma direta). Tais espécies, contudo, caracterizavam-se como tipos societários com perfil de pequenos negócios,

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destinados a associar poucas pessoas e montantes relativamente pequenos de capital.

Frente a isso, o novo quadro econômico observado no século XVII, com uma política colonialista e expansiva, ensejou a criação de um novo instrumento jurídico, que se prestasse a reunir elevados montantes de recursos, destinados a projetos bem mais ambiciosos. Para suprir tal função, surgiram as sociedades por ações.

Boa parte da doutrina aponta o surgimento definitivo das sociedades por ações nas companhias holandesas, criadas por volta de 16007, destinadas à exploração do comércio marítimo, não obstante diversos autores comentem a existência de indícios dessas sociedades em tempos mais antigos, como é o caso do Banco de San Giorgio, fundado em Gênova em 1407, e que possuía os traços característicos das futuras sociedades por ações, tal como a existência de estatutos reguladores de direitos e obrigações sociais, administração e sistema de eleição de administradores, e títulos que tinham o perfil semelhante às ações, em que seus detentores adquiriam direito a lucros nas operações do banco, sendo a responsabilidade dos sócios limitada à importância com que entravam para o capital8.

Quando da...

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