Outorga conjugal e aval no casamento

AutorAna Carla Harmatiuk Matos e Jacqueline Lopes Pereira
Páginas211-228
OUTORGA CONJUGAL
E AVAL NO CASAMENTO
Ana Carla Harmatiuk Matos
Mestre e Doutora pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Derecho Humano
pela Universidad Internacional de Andalucía. Tutora Diritto na Universidade di Pisa
- Itália. Professora na Graduação, Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade
Federal do Paraná. Vice-Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Paraná. Professora de Direito Civil e de Direitos Humanos.
Advogada. Diretora da Região Sul do IBDFam. Vice-Presidente do IBDCivil.
Jacqueline Lopes Pereira
Mestre em Direito das Relações Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Direito
da Universidade Federal do Paraná. Especialista em Direito das Famílias e Sucessões
pela ABDConst. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Direito Civil Constitucional
– Virada de Copérnico (UFPR). Pesquisadora Visitante do Instituto Max-Planck de
Direito Comparado e Direito Internacional Privado em Hamburgo, na Alemanha.
Servidora Pública do TJPR.
Sumário: 1. Introdução – 2. Outorga conjugal e a esfera patrimonial da relação familiar – 3. A
necessidade de autorização judicial para a prestação de aval – 4. Anulatória do aval prestado
e julgados do Superior Tribunal de Justiça – 5. Conclusão – 6. Referências bibliográcas
1. INTRODUÇÃO
A outorga conjugal é instituto jurídico com origem no direito de família clás-
sico e tem por finalidade proteger o patrimônio comum nos casos em que um dos
cônjuges pratica um ato jurídico que repercutir nessa esfera. Essa proteção deve ser
compreendida em leitura unitária do sistema jurídico e tendo como ponto nodal os
valores constitucionais, dentre eles, a igualdade substancial.
A exigência de outorga conjugal na hipótese de prestação do aval por um dos
cônjuges é o objeto principal do presente estudo e, desde logo, se anuncia como tema
que desperta discussões na literatura jurídica especializada e nos tribunais brasileiros.
Essa questão se notabilizou a partir da vigência do Código Civil de 2002, pois o
diploma passou a exigir a outorga uxória ao cônjuge que avalizar obrigação prevista
em título de crédito no mesmo dispositivo em que prevê a autorização relativa à
garantia por fiança (art. 1.647, inciso III).
A inclusão do aval nesse contexto não foi bem recepcionada por parte da
doutrina, que compreende que a dinâmica e circularidade dos títulos de crédito se
descaracterizaria se exigida a autorização do cônjuge como elemento de validade
EBOOK CONTRATOS FAMILIA E SUCESSOES.indb 203EBOOK CONTRATOS FAMILIA E SUCESSOES.indb 203 22/03/2021 09:02:4322/03/2021 09:02:43
ANA CARLA HARMATIUK MATOS E JACQUELINE LOPES PEREIRA
204
do ato jurídico. Além disso, a previsão confronta legislação especial que enaltece a
informalidade do aval em títulos de crédito nominados, a exemplo da Lei Uniforme
de Genebra (Decreto n. 57.663/1966).
A hipótese explorada no presente estudo parte, em primeiro momento, do
exame da função da outorga conjugal como instituto jurídico justificado na família
matrimonializada do Código Civil de 1916 e investiga quais são seus sentidos a partir
de previsão contida no artigo 3º do Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/1962)
e, principalmente, na ordem civil constitucional atual.
Em segundo ponto, a pesquisa aprofunda a dicotomia instaurada pelo Código
Civil de 2002 ao prever a necessidade da outorga uxória para o aval firmado pelo
cônjuge ao lado da obrigação constituída pela fiança.
Problematiza-se em terceiro item o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça
sobre o tema. Em momento inaugural da vigência da norma, a referida Corte aplicava
irrestritamente a exigência legal, no entanto, a partir de recentes decisões proferidas por
suas Terceira e Quarta Turmas, admitiu mudança de posicionamento e adotou interpre-
tação alinhada à Lei Uniforme de Genebra e demais legislações especiais, dispensando
a necessidade de outorga uxória em aval embasado em título de crédito nominado.
2. OUTORGA CONJUGAL E A ESFERA PATRIMONIAL DA RELAÇÃO FAMILIAR
O propósito de construção do instituto da outorga conjugal tem origem na prote-
ção patrimonial do cônjuge que não participa de ato jurídico que pode vir a repercutir
nos bens amealhados pelo casal. Há quem entenda que o termo “autorização conjugal”
seja mais preciso atualmente para tal definição, já que se trata da “manifestação de
consentimento de um dos cônjuges ao outro, para a prática de determinados atos,
sob pena de invalidade”.1 O presente estudo, porém, adotará os referidos termos sem
distinção e também os sinônimos “outorga uxória” e “outorga marital”.
No contexto do Código Civil de 1916, a outorga uxória era prevista no artigo 235
e condicionava a prática de alguns atos pelo “marido” ao “consentimento da mulher”,
independentemente do regime de bens.2 Dentre esses atos, sublinha-se a previsão do
inciso III quanto à exigência de autorização da esposa na hipótese do marido prestar
fiança, porém, o diploma civil foi silente à época quanto à garantia por aval.
Tal dispositivo se direcionava exclusivamente ao homem, revelando o perfil pa-
triarcal da família de então, cujo “chefe” era o marido, por expressa previsão normativa
1. GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 286.
2. Art. 235. O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens: I. Alienar,
hipotecar ou gravar de ônus real os bens imóveis, ou seus direitos reais sobre imóveis alheios (arts. 178, §
9º, nº I, a, 237, 276 e 293). II. Pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens e direitos. III. Prestar fiança
(arts. 178, § 9º, nº I, b, e 263, nº X). IV. Fazer doação, não sendo remuneratória ou de pequeno valor, com
os bens ou rendimentos comuns (arts. 178, § 9º, nº I, b).
EBOOK CONTRATOS FAMILIA E SUCESSOES.indb 204EBOOK CONTRATOS FAMILIA E SUCESSOES.indb 204 22/03/2021 09:02:4322/03/2021 09:02:43

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT