Outros princípios externos aplicáveis ao Direito do Trabalho

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas196-209

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I Introdução

O núcleo basilar de princípios de origem externa ao direito do Trabalho, mas influentes no interior deste ramo jurídico especializado, foi debatido no capítulo Vi deste livro. Trata-se, como visto, de um espectro de diretrizes jurídicas sumamente importantes, quer no plano geral do direito, quer no contexto de seu ramo máximo, o direito constitucional, quer até mesmo em diversos outros campos especializados do fenômeno jurídico.

Há, porém, outros princípios oriundos de searas distintas do direito que preservam significativa influência no segmento juslaborativo. um deles, a merecer estudo específico, é o da prévia tipificação legal de ilícitos e penas, próprio ao direito Penal.

Existem também princípios de outras esferas jurídicas que passaram, apenas recentemente, a ter certa relevância nos estudos trabalhistas, em decorrência do surgimento de fenômenos novos a eles vinculados. É o que se verifica com o cooperativismo e seus desdobramentos no mercado de trabalho do país, em especial a contar de meados da década de 1990. dois princípios aqui merecem análise própria: o da dupla qualidade e o da retribuição pessoal diferenciada.

O presente capítulo Vii será dedicado ao estudo dessas demais diretrizes externas à área trabalhista, porém nela influentes.

De par com isso, este capítulo será encerrado com uma reflexão sobre figura próxima à dos princípios, embora inconfundível com estes. Trata-se das máximas e aforismos jurídicos, externos ao segmento juslaboral, mas que nele também podem cumprir papel de interesse.

II Princípio da prévia tipificação de ilícitos e penas

A diretriz da prévia tipificação legal de ilícitos e penas tem consistente importância no direito do Trabalho brasileiro. de origem penalista, o princípio

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é adotado no Brasil fundamentalmente na fixação das infrações obreiras e empresariais (ilustrativamente, arts. 482 e 483, clT).

Há, como se sabe, dois critérios principais de caracterização de infra-ções trabalhistas: o genérico e o taxativo (ou de tipificidade estrita). no plano concreto das ordens jurídicas podem ocorrer formas de combinação dos dois critérios (ilustrativamente, a lei tipifica algumas infrações, embora admitindo outras condutas não tipificadas como ensejadoras de apenação trabalhista).

O critério taxativo (ou de tipicidade estrita) leva a que a legislação preveja, de modo expresso, as figuras de infrações trabalhistas. Por tal critério, a ordem jurídica realiza previsão exaustiva e formalística dos ilícitos, fiel ao princípio pelo qual inexistiriam infrações laborais além daquelas expressamente fixadas em lei. Por esse critério, o direito do Trabalho incorporaria o princípio penal clássico de que não há infração sem previsão legal anterior expressa.

Observe-se, contudo, que a tipificação trabalhista — mesmo à luz do critério taxativo — não chega a ser, em todas as hipóteses legais, tão rigorosa quanto a característica do direito Penal. a infração laborativa corresponde a um tipo legal prefixado, mas esse tipo legal não tem sempre seus traços e contornos rigidamente estabelecidos pela lei. a tipificação trabalhista pode ser, desse modo, significativamente mais flexível e plástica do que a prevalecente no direito Penal. um exemplo dessa plasticidade é dado pela justa causa prevista no art. 482, b, clT: mau procedimento. ora, a plasticidade e imprecisão desse tipo legal trabalhista o deixa muito distante do rigor exigido por um tipo legal penalístico216.

O critério genérico leva a que a legislação não preveja, de modo expresso, as figuras de infrações trabalhistas. Por tal critério, a ordem jurídica não realiza previsão exaustiva e formalística dos ilícitos. ao contrário, apenas menciona como infração trabalhista aquela conduta que, por sua natureza ou características próprias ou mesmo circunstanciais, venha a romper com a confiança essencial à preservação do vínculo empregatício. Por esse critério, portanto, é mais larga a margem de aferição de ocorrência de ilícito no contexto da relação de emprego217.

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Reconheça-se que não se pode sustentar, de modo cabal, a existência de efetiva superioridade teórica e empírica de um critério de política norma-tiva sobre outro. ambos, na verdade, são compatíveis com uma apreensão democrática do tema do poder disciplinar. contudo, o critério genérico — se não associado a um sistema intraempresarial de controle do exercício do poder disciplinar, com comissões obreiras e sindicais de acompanhamento e avaliação constantes — talvez conduza, com maior frequência, à geração de situações de incerteza e arbitrariedade. de todo modo, é critério que está distante da ordem justrabalhista do Brasil.

A ordem jurídica brasileira inspira-se, inequivocamente, no critério taxativo. nessa linha, a consolidação das leis do Trabalho prevê, de modo expresso, as figuras de infrações trabalhistas. realiza previsão exaustiva, fiel ao princípio de que inexistiriam infrações além daquelas formalmente fixadas em lei.

O princípio da prévia fixação legal de ilícitos e penas é também adotado, em certa medida, quanto ao estabelecimento das penalidades trabalhistas. É o que se verifica, em especial, quanto à suspensão punitiva e dispensa por justa causa (se não se quiser mencionar também, neste rol, a resolução contratual por culpa do empregador — rescisão indireta — que é regulada por lei).

Contudo, a aplicabilidade do princípio, neste caso, não é também completa. isso porque, ilustrativamente, a penalidade de advertência (ou admoestação) não se encontra prevista na clT. Trata-se de figura essencialmente criada pelo costume trabalhista e não pela legislação heterônoma estatal. de fato, poucos diplomas legais referem-se à advertência ou admoestação verbal ou escrita: como exceções houve, por exemplo, a antiga lei de Greve (n.
4.330, de 1964 — hoje revogada) e há a mais recente lei n. 8.630, de 1993, que trata do trabalho em portos e capatazias218.

Apesar de não se submeter ao princípio da prévia tipificação legal, a punição por advertência é, sem dúvida, acolhida pela jurisprudência brasileira. registre-se, contudo, que esta penalidade criada pelo costume mostra-se, regra geral, sumamente mais favorável ao empregado do que o rol limitado da clT (suspensão e dispensa por justa causa). isso quer dizer

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que a atenuação do princípio penalista, neste caso, fez-se em direção ampliativa da tutela inerente ao ramo juslaborativo, e não em sentido contrário.

III O utros princípios externos influentes no Direito do Trabalho - O problema das cooperativas

Há inúmeros princípios especiais de outras searas do direito que não atuam no interior do ramo justrabalhista especializado; não influem, portanto, na estrutura e na dinâmica do direito do Trabalho. alguns poucos desses princípios, entretanto, têm de ser melhor examinados pelo operador juslaboral, à medida que possuem uma relação indireta com este campo específico do direito.

Trata-se do que acontece com certos princípios relacionados ao cooperativismo. eles não têm influência na área trabalhista, não sendo, por isso, importados pelo direito do Trabalho. Mas devem ser estudados pelos operadores desta área jurídica, uma vez que a relação cooperativista pode surgir como um contraponto à relação de emprego. Se há concorrência circunstancial entre as duas relações sociojurídicas, passa a ser necessário compreender-se o funcionamento dos vínculos cooperativistas, para se aferir qual enquadramento jurídico há de prevalecer: o de natureza cooperativa ou o de natureza empregatícia?

Este estudo somente se tornou, de fato, importante no Brasil contemporâneo a partir de meados da década de 1990, quando o legislador introduziu texto normativo na clT que ensejou larga controvérsia nos tribunais do trabalho: trata-se do parágrafo único do art. 442 da consolidação, inserido pela lei n. 8.949, de 9.12.1994.

Em 2012, por sua vez, despontou novo diploma legal sobre o assunto: lei n. 12.690, de 19.7.2012 (diário oficial de 20.7.2012).

1. Cooperativas — princípios convergentes

O tema e a realidade das Cooperativas de Mão de Obra (denominação que se tornou comum a partir da vigência da lei n. 8.949, de 1994) ou das Cooperativas de Trabalho (nova denominação fixada pela lei n. 12.690, de 2012) suscitam o estudo e a pesquisa sobre três princípios jurídicos: o da valorização do trabalho e do emprego, diretriz com sede na constituição da república e esteada na mais clássica tradição histórica e jurídica do direito do Trabalho; e as diretrizes próprias ao cooperativismo, quais sejam da dupla qualidade e da retribuição pessoal diferenciada.

O direito do Trabalho, conforme se sabe, construiu-se em torno da relação de emprego, por ser esta relação socioeconômica a mais importante e

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generalizada forma de conexão ao sistema capitalista das pessoas humanas prestadoras de trabalho. na verdade, consideradas as entidades de nítido intuito econômico (como as empresas), mas também as demais entidades não econômicas existentes na vida contemporânea, o fato é que a relação de emprego tornou-se, de maneira geral, o mais importante mecanismo de conexão do trabalhador à estrutura e à dinâmica da grande maioria das entidades e organizações da vida social.

A partir do direito do Trabalho estruturou-se, pela primeira vez na história, mecanismo sólido, eficiente e generalizado de proteção à pessoa humana prestadora de serviços a um tomador, assegurando-se a este um...

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