Pactos sucessórios: possibilidades e instrumentalização

AutorDaniel Bucar
Páginas347-363
PACTOS SUCESSÓRIOS:
POSSIBILIDADES E INSTRUMENTALIZAÇÃO
Daniel Bucar
Doutor e Mestre em Direito Civil pela UERJ, Especialista em Direito Civil pela Scuola
di Specializzazione in Diritto Civile pela Università degli Studi di Camerino – Itália.
Pesquisador visitante do Max Planck Institut für Ausländisches und Internationales
Privatrecht – Alemanha. Professor Adjunto de Direito Civil da UERJ e Titular de Direito
Civil do IBMEC/RJ. Procurador do Município do Rio de Janeiro. Advogado. O autor
agradece a relevante contribuição de Caio Ribeiro Pires para a pesquisa, sugestões e
revisão do presente trabalho.
Sumário: 1. Nota introdutória – 2. Pactos Sucessórios: uma proibição, três fundamentações –
3. Autonomia Privada e Direito das Sucessões: uma análise funcional do “interdito aos
pactos” – 4. O planejamento sucessório na instrumentalização dos pactos: entre o negócio
direto e indireto; 4.1. Utilização de pactos para o m de planejamento sucessório horizontal;
4.2. Diculdades na utilização de pactos para o m de planejamento sucessório vertical –
5. Considerações Finais – 6. Referências bibliográcas.
1. NOTA INTRODUTÓRIA
É sabido que o Direito, frente às atuais mudanças sociais, apresenta dif‌iculdade
para se adaptar à realidade, cujo desaf‌io é ref‌letido na atividade dos atores envolvidos
em sua elaboração e interpretação. Tal descompasso, ocasiona paradoxos frente à pro-
fundidade das mudanças necessárias, que também é reclamada no direito sucessório.
Com efeito, se há um tempo a morte constituía um verdadeiro tabu na sociedade
brasileira, ref‌letido na baixíssima utilização do testamento,1 representa, na atualidade,
momento de ref‌lexão jurídica quanto à destinação do patrimônio, cuja preocupação
é resultado da acumulação de riqueza e novos arranjos familiares.2
Assim, encontra-se em ascendência a utilização do planejamento sucessório por
sua potencialidade funcional com o objetivo permitir, no campo das sucessões, maior
autonomia privada. No entanto, permanecem rígidas as estruturas provenientes da
pseudoneutralidade sucessória, fruto de uma segurança jurídica abstrata e formal,
que dentre seus pilares encontra a proibição dos pactos sucessórios proveniente do
art. 426, CC.
1. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes e CAHALI, Francisco José. Direito das Sucessões. 5. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 263-264
2. TEIXEIRA, Daniele Chaves. Planejamento sucessório: pressupostos e limites. Belo Horizonte: Fórum, 2017,
p. 35/46.
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Ciente de que não comporta o direito sucessório digressões retóricas a noções
imprecisas, o presente estudo busca apresentar, nos espaços concedidos pelo orde-
namento, a instrumentalização, pela disciplina dos negócios jurídicos e contratos,
da liberdade merecedora de tutela no Direito das Sucessões. De igual modo, também
busca esboçar um limite (restritivo, como sabidamente desenham-se as proibições)
aos pactos na seara enunciada.
2. PACTOS SUCESSÓRIOS: UMA PROIBIÇÃO, TRÊS FUNDAMENTAÇÕES
Os pactos sucessórios, segundo conceito doutrinário “(...) são aqueles em que o
objeto do acordo convencional é a sucessão de um dos pactuantes ou terceiro. Podem ser
aquisitivos (de sucedendo) ou renunciativos (de non sucedendo)”.3 A doutrina contem-
porânea dedicada ao tema faz divisão do pacto aquisitivo entre as espécies institutivo
e dispositivo: o primeiro constitui-se quando uma das partes, o disponente, institui
a outra, o benef‌iciário, como seu herdeiro ou lhe atribui um legado, enquanto o se-
gundo ocorre na disposição entre duas pessoas sobre a sucessão de um terceiro, não
participante da avença.4
Embora presentes na doutrina tais conceituações, o instituto é refutado sob o
argumento de proibição severa, geral e abstrata por majoritária doutrina .5 Funda-
menta-se a certeza desta proibição no art.426, CC (repetição do disposto no art.1.089
da lei civil de 1916) que dispõe: “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa
viva” 6-7.
3. BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Sucessões. Campinas: Red Livros, 2000, p. 317.
4. SILVA, Rafael Cândido da. Pactos sucessórios: ensaio sobre a perspectiva funcional da autonomia privada na
sucessão causa mortis. Dissertação (mestrado em direito). Faculdade de Direito da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017, p. 80.
5. WALD, Arnoldo. Direito das Sucessões, volume 6. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 46; VENOSA, Silvio.
Direito civil: direito das sucessões. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 49-50; TARTUCE, Flávio. Manual de
direito civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 232; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições
de direito civil, vol.VI, Direito das Sucessões. Atualizado por Carlos Roberto Barbosa Moreira. 21. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2014, p. 169; MIRANDA, Pontes de. Direito das Sucessões: sucessão em geral, sucessão
legítima. Atualizado por Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Paulo Luiz Netto Lôbo. Tomo LV. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 154; GOMES, Orlando, atualizado por Mario Roberto Carvalho de
Faria. Sucessões. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 90; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil
Brasileiro, volume 7: direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012; BEVILÁQUA, Clóvis. Direito
das Sucessões. Campinas: Red Livros, 2000, p. 319-321.
6. Excepcionando a proibição do pacto, Silvio Venosa advoga a possibilidade de doação post mortem estipu-
lada entre cônjuges no pacto antenupcial, a qual, embora suprimida do atual diploma e presente no art.
314, CC 16, não encontraria óbice no atual ordenamento jurídico por ser a morte mera consequência, já
subordinada a doação apenas ao casamento (VENOSA, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. 13. ed. São
Paulo: Atlas, 2013, p. 50). Já Clóvis Bevilaqua entendia pela exclusão de direitos sucessórios entre cônjuges
no pacto antenupcial (BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Sucessões. Campinas: Red Livros, 2000,p. 321), no
que foi seguido em recente tese sobre o assunto (FRANK, Felipe. Autonomia Sucessória e Pacto Antenupcial:
problematizações sobre o conceito de sucessão legítima e sobre o conteúdo e os efeitos sucessórios das disposições
pré-nupciais. Tese (Doutorado na Universidade Federal do Paraná). Curitiba, 2017p. 138).
7. A única exceção, importante lembrar, é a disposição dos bens integrantes do patrimônio em vida, cuja
possibilidade é expressamente prevista no art. 2.018, CC.
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