Do pagamento indevido e do enriquecimento sem causa

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37. 1 Enriquecimento sem causa

O nosso Código Civil não tem dispositivo genérico que proíba o enriquecimento sem causa. É preciso prever as várias hipóteses, pois, no entendimento dos codificadores, - avisa Clóvis Beviláqua337- seria impossível uma regra para todos os casos de enriquecimento à custa de outrem. "Efetivado balanço especial em sociedade limitada para apuração de haveres de sócio falecido, quando da abertura do inventário e ocorrendo o depósito do valor apurado em favor dos herdeiros anos após, acrescido apenas de juros, sem a devida correção monetária, caracteriza-se o enriquecimento sem causa, justificador da recusa ao recebimento do valor oferecido" (in RT 623/70). Portanto, a inflação é considerada uma fonte de enriquecimento à custa alheia.

A propósito, escreve Agostinho Alvim: "Os Códigos que seguem o sistema tradicional procuram coibir o enriquecimento sem causa, onde quer que se apresente. Donde se poder dizer que tal proibição informa todo o sistema".338Ou como diz Diogo Leite de Campos: "Impedir o enriquecimento constitui uma das

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finalidades gerais do Direito das Obrigações, que, no seu conjunto, tende a obter uma equilibrada distribuição dos bens jurídicos nas relações inter-sociais".339

"Toda vez - ensina Lacerda de Almeida - que, por indevida, ou porque, devida a princípio, deixou de ser devida depois, uma coisa de qualquer natureza está em poder de alguém, esse alguém está no dever de restituí-la como alheia, e, se a não restituir, é a isso coagido pela condictio adaptada ou pela condictio gené-rica - sine causa".340Por conseguinte, toda as vezes que alguém se apropria de algum bem que não lhe pertence, está a se enriquecer à custa do alheio e tem o dever de restituir exatamente aquilo do qual se apropriou. Ou como escreve o Des. Salles Penteado, do Tribunal de Justiça de São Paulo, autor da ementa acima transcrita: "O que se presume é que toda utilidade retirável de um bem jurídico pertence a seu titular". E continua: "Por isso, não é nem sequer necessário que haja empobrecimento do titular do direito para que se configure a obrigação de restituir" (in RT 623/72).

Facilmente se pode chegar à conclusão de que o pagamento indevido é uma das causas de enriquecimento sem causa. "Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido - dispõe o art. 876 do CC - fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição".

"Contrapõe-se a dualidade de matérias no título deste capítulo - escreve Sílvio Venosa - por serem, o enriquecimento sem causa e o pagamento indevido, tronco da mesma cepa, ou melhor, o pagamento indevido pertence ao grande manancial de obrigação que surge sob a égide do enriquecimento ilícito".341Enfim, o pagamento indevido faz parte do enriquecimento sem causa, ambos espécies do gênero "enriquecimento ilícito". Veja o que escreve sob o assunto Sílvio Venosa: "O que queremos enfatizar é que há obrigações que nascem de fatos ou atos que não se amoldam às fontes clássicas dos vários sistemas jurídicos. Entre tais obrigações incluem-se o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa, o primeiro como parte integrante do segundo".342

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37. 2 Pagamento indevido

Escreve Orlando Gomes: "O pagamento indevido é o que se faz voluntariamente, por erro. Convencido de que deve, o solvens paga. Uma vez que o accipiens verdadeiramente não é credor, terá recebido indevidamente, ainda que de boa-fé. É claro, pois, que não deve ficar com o que lhe não pertence. Mas se não devolve espontaneamente, pode ser compelido a fazê-lo. Para obrigá-lo à restituição, aquele que indevidamente pagou tem a ação de repetição".343 e 344

De fato, não são poucas as vezes em que uma pessoa é levada a efetuar o pagamento de uma dívida que não existe ou que já pagou. Como ninguém pode enriquecer-se à custa alheia sem causa jurídica, esse pagamento deverá ser restituído. É o que se chama repetição do indébito, usando-se a palavra repetição, não no seu sentido vulgar de "fazer novamente alguma coisa", mas sob o ponto de vista jurídico de "pedir de volta".

Trata-se do princípio jurídico, que é universal, proibindo alguém a locupletar-se345à custa alheia. Esse princípio está expresso no art. 876 do CC, in verbis:

"Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir".

Concluindo, tanto o enriquecimento sem causa, como o pagamento indevido são espécies do gênero: "enriquecimento ilícito".

37. 3 Ao que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro

A lição de Carvalho Santos é muito oportuna: "A todo direito corresponde uma ação que o assegura. A ação que assegura o direito à repetição nos casos permitidos em lei, é a de repetição do indevido". E continua: "Pode ser intentada:

  1. pelo próprio devedor, que pagou o indevido; b) pelo seu mandatário; c) por um terceiro interessado; d) pelo terceiro não interessado, nas hipóteses previstas no art. 930 (art. 304346) e seu parágrafo único"347.

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O pagamento não devido gera para o solvens uma ação de repetição e a ele cabe a prova de ter pago por erro. "Aquele que voluntariamente pagou o indevido - diz o art. 877 do CC - incumbe a prova de tê-lo feito por erro".

A inexistência da dívida e o erro de quem voluntariamente pagou são, portanto, os requisitos para possibilitar a repetição:

a) prova do pagamento não devido;

b) pagamento voluntário feito por erro.

Eis uma ementa de acórdão que cai como luva para demonstrar a impossibilidade da restituição: "O locatário que em ação de despejo por falta de pagamento prefere purgar a mora, pagando novamente aluguéis já saldados regularmente no vencimento, a fim de evitar os riscos naturais de tal demanda, não tem direito à restituição do indébito348diante da voluntariedade de sua conduta e inexistência de erro a justificar a restituição" (in RT 689/179). Transcrevo o acórdão para melhor entendimento: "Em primeiro lugar, pagamento em duplicata ocorreu na ação de despejo por falta de pagamento. Se houvesse direito à restituição, diria respeito aos alugueres depositados em Juízo, e não àqueles pagos regularmente no vencimento. Se houve pagamento indevido, ocorreu na purgação da mora e não antes.

Em segundo lugar, a pretensão do apelante não tem amparo jurídico. O fundamento legal da pretensão do autor só pode estar no art. 964 (novo, art. 876) do CC: "Todo aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir". Essa obrigação, todavia, depende da existência de erro de quem pagou, como decorre do disposto no artigo seguinte: "Aquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro".

O autor pagou voluntariamente nas duas ocasiões. Mesmo em Juízo não foi compelido a purgar a mora. Se tivesse provado que...

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