Transcrição da palestra do Prof. Gustavo Sampaio no Seminário 20 Anos de Constituição

AutorAndreia Marinho Igayara Ziotto
Páginas135-153

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Professor Wanir, professora Maria Arair... Vamos começar1 fazendo um registro da presença de duas pessoas externas ao nosso corpo docente. Em primeiro lugar apresento o Dr. Luiz Antonio Gomes, com quem aprendi o ofício da advocacia, notável advogado no campo do Direito Tributário, um dos melhores advogados em potencial de nosso Estado do Rio de Janeiro, em que tenho a honra de sua presença (aplausos).

Drª. Maria de Fátima Campos, que se destaca hoje no campo do Direito da Saúde, ramo novo no direito brasileiro, inexplorado, que demanda muito dedicação e esforço de conhecimento (aplausos).

Motivo especial de honra falar sobre controle de constitucionalidade no direito brasileiro, sobretudo pela presença da professora Maria Arair. Logo quando cheguei na Universidade Federal Fluminense, a algum tempo – meu concurso foi em 2006 e eu ingressei em 2007 – tive a oportunidade de conhecer a professora Maria Arair, professa renomada em Direito Constitucional e, desde então, eu iniciava o magistério dessa disciplina.

Durante um tempo, devido a lotação de alguns professores nessa disciplina de Direito Constitucional, eu iniciei ministrando a disciplina de Direito Administrativo, quando conheci a professora Maria Arair e, às boas coincidências da vida nos trazem sempre surpresas muito agradáveis, em conversa com a professora é que descobrimos a origem em comum da terra cearense. O pai da professora Maria Arair, notável parlamentar daquele Estado conhecera meu avô, deputado federal, portanto as famílias já se conheciam de longa data. Professora, saiba a senhora que foi motivo de muita honra, por ocasião de sua aposentadoria, assumir a turma de Direito Constitucional. Motivo de honra e também razão dePage 136 muita responsabilidade minha, por seguir o magistério deixado pela senhora. Portanto se tra ta de uma oportunidade de vida falar ao seu lado.

O tema da palestra de hoje, em continuação ao que foi dito anteriormente, revelado pela professora Arair, é o controle de constitucionalidade no Brasil.

Entendi ser que esse seria um tema fundamental pela mudança que ele representa na ordem jurídica com o advento da Carta Magna.

A professora tratou do tema do controle externo da administração. Esse controle externo da administração não vê dissociado do controle de constitucionalidade da lei, muito pelo contrário, na solidificação dos axiomas do constitucionalismo moderno firmou-se que o poder freia o poder, expressão que veio da doutrina francesa dizendo que le pouvoir arrêt le pouvoir, o poder contém o poder. O poder sem controle é um poder tendente a arbitrariedade, porque ele se divorcia da sua destinação genuína, que é a proteção do bem comum.

Evidente que para os brasileiros, por determinação das históricas situações de estado de exceção, o Brasil vivenciou que o controle do poder pelo poder não é uma necessidade, é mais do que isso, é uma premência fundamental. Nós não podemos conceber um sistema constitucional democrático que se veja divorciado de uma eficaz e bem planejado sistema de controle entre os poderes. Essa herança que nós trouxemos do direito norteamericano do rompimento do Império para a República na adoção do modelo constitucional de freios e contrapesos, da adoção da doutrina dos checks and balances do sistema norteamericano, trazendo para o Brasil a possibilidade de controle, essa herança talvez tenha sido um pilar de sustentação das poucas décadas de democracia no Brasil. Se não fosse isso talvez nem essas poucas décadas tivéssemos obtido.

Mas o controle externo da Administração, a que se referiu a nossa professora titular, é um o controle no Brasil consolidado há mais tempo que o controle de constitucionalidade. No painel de hoje de manhã, no painel sobre a história constitucional, quando os professore se referiam ao controle de constitucionalidade no advento da República indagando que esse controle já era um controle dogmaticamente estabelecido, porém ineficaz. É a isso que me refiro. O controle externo da Administração em certa medida é ineficaz aPage 137 mais tempo do que o controle de constitucionalidade. Que o controle de constitucionalidade, vivo nos debates da Assembléia Nacional Constituinte de 1987 e 1988 tornou-se uma realidade na nova República.

Portanto a justificar estruturação do nosso seminário sobre os 20 anos da Constituição, eu destaco esse como um dos temas mais importantes da nova ordem constitucional, talvez até, depois da emissão do título dos direitos fundamentais, o tema mais importante.

No Império Brasileiro, ainda sob a atmosfera da Carta Magna de 1824, da chamada Constituição Política do Império Brasileiro, outorgada depois da dura circunstância do fechamento dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, esta Constituição fixava um modelo muito mais próximo do modelo adotado nas primeiras cartas constitucionais francesas no período pós-revolucionário, eu estou me referindo ainda às constituições de 1791, 1793, 1795 às primeiras cartas do século XIX na França. Constituições que depositavam a crença da chamada separação rígida dos poderes, o que o francês chamou de séparation rigide des pouvoirs.

Falar de uma separação de poderes sem controle, sem nenhuma modalidade de controle entre eles, passa impressão de se tratar de um grande equívoco. Pode ser, eu creio até que é. Mas temos que compreender as concessões da época, no final do século XVIII, início do século XIX, ainda sem a devida experimentação no direito constitucional, a promessa que se fazia nessa separação régia de poderes, é a promessa e baseada na crença de que permitir controle entre poderes seria potencialmente voltar ao modelo do Ancien Régime, ao modelo do absolutismo monárquico e a crença até hoje se conserva na França em boa parte.

Do outro lado do Atlântico, o modelo norte-americano a partir dos precedentes firmados pela Suprema Corte no início do século XIX, sobretudo no clássico precedente Marbury versus Madison de 1803. A Corte Suprema norte-americana firmava em definitivo na sua jurisprudência que a única forma de preservar a independência dos poderes a serviço do interesse da coletividade, seria a de fixar a autorização para que esses poderes se controlassem. E assim através dos freios e contrapesos se consolidava.

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Quando nós atravessarmos a monarquia constitucional, o Primeiro Reinado, o Período das Regências, o Segundo Reinado, em que chegamos a derrubada do edifício monárquico e a ascensão da República, a proclamação da República em novembro de 1889, o ódio às hostes imperiais, o movimento republicano, a repulsa a tudo que vinha do poder imperial reclamava a adoção de mecanismos, não importando a sua eficácia, que pusessem a terra todas aquelas influências européias continentais desenvolvidas na carta de 1824

E assim, o projeto que levou a edição da Constituição de 1891, o projeto da primeira constituição republicana tornara-se um projeto firmado no ódio à monarquia, no ódio à influência europeu-continental e uma crença idolátrica a tudo que vinha do direito norteamericano e ai ganhamos a forma federativa, convertemos o regime de governo, convertemos o sistema parlamentarista em sistema presidencialista, convertemos a forma de governo, adotamos, portanto, uma fora republicana e tudo mudou. Sempre digo nas aulas que a expectativa da adoção do modelo norte-americano era tanta, que o Brasil passou a adotar o nome oficial de Estados Unidos do Brasil. Devido às circunstâncias, chega a ser patético, mas verossímil à realidade da República que acreditava na mudança do poder.

Quando a Constituição de 1891 importou o pacote inteiro deixado pela Carta Magna de 1787, editada a época da Convenção da Filadélfia, e à jurisprudência da Suprema Corte assentada ao logo do século XIX, mesmo com o modelo do controle difuso, o modelo da judicial review of legislation, que a Corte Suprema se envolvera no ousado precedente de 1803. O Brasil adotou naquele momento histórico, na Carta Magna de 1891, estabeleceu-se o controle difuso. E essa tradição do Brasil de confiar em modelos externos, de confiar a esses modelos alienígenas como de salvação da pátria, tem sido tanto uma marca na nossa história que, em certa medida, a adoção da judicial review pela carta de 1891 representou a incorporação do modelo de controle judicial de constitucionalidade muito antes disto ter acontecido na própria Europa continental.

Vejam que a primeira constituição européia a adotar o modelo de controle de constitucionalidade, qualquer que fosse, mas o modelo de controle judicial, eu não estou aqui, evidentemente, mencionando o controle parlamentar, porque esse sempre existiu, mas a primeira carta constitucional européia a adotar o modelo de controle judicial, já sob a influência do positivismo-normativista da Escola de Viena, liderada por Kelsen, foi a Constituição Austríaca em 1920. E aquilo ficou de forma um pouco experimental. Com efeito,Page 139 a Europa continental só vivenciou o controle judicial de constitucionalidade somente a partir do Holocausto da Segunda Guerra Mundial, no advento das novas constituições européias no pós-guerra e a adoção do controle concentrado e difuso. Ora o Brasil, já em 1891, décadas antes, muito antes da Europa, já autorizara na sua carta republicana a judicial review.

Eu não posso deixar de considerar que tem absoluta razão os professores do painel histórico do Brasil de hoje de manhã sublinharam a ineficácia total na época. Eu estou apenas, como forma de dar metodologia à exposição, a dizer que a experiência chegou antes no Brasil, precedemos a Europa. Nós tínhamos um modelo de controle judicial ligado aos mais diversos órgãos do Poder Judiciário porque assim se fizera o modelo norte-americano interpretado pela Suprema Corte a partir de 1803.

O tempo passou, a Velha República passou, embora o sistema de direito positivo se houvesse modificado na íntegra, as práticas eram as mesmas, a cultura era mesma, pois o direito, resultado do fato social, não muda o fato social da noite...

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