Pandemia e teletrabalho: algumas questões

AutorProfa. Dra. Teresa Coelho Moreira
Páginas59-75
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PANDEMIA E TELETRABALHO: ALGUMAS QUESTÕES
PANDEMIC AND TELEWORKING: SOME ISSUES
Teresa Coelho Moreira
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RESUMO: O presente artigo trata da vida do trabalhador pós-vírus, principalmente no que se refere ao
teletrabalho em domicilio, em Portugal. O estudo salienta o controlo dos trabalhadores por meio da
conexão telemática, sobretudo quando é direta e constante, com a utilização de programas informáticos,
possibilitando a criação de uma telesubordinação de igual ou até superior intensidade do que o controlo
numa relação de trabalho presencial. Mostra, ainda, que com a pandemia, o teletrabalho passou a utilizar
o espaço familar do trabalhador sendo intrusivo e explorador.
PALAVRAS-CHAVE: Pandemia; Teletrabalho; Controle; Conexão telemática.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Teletrabalho. 3. Conclusão. Referências.
ABSTRACT: The present article deals with the life of the post-virus worker, mainly with regard to
telework at home, in Portugal. The study highlights the control of workers through telematic connection,
especially when it is direct and constant, with the use of computer programs, enabling the creation of a
telesubordination of equal or even greater intensity than the control in a face-to-face work relationship. It
also shows that with the pandemic, telework started to use the worker's family space, being intrusive and
exploitative.
KEYWORDS: Pandemic; Telework; Control; Telematics Connection.
SUMMARY: 1. Introduction. 2. Telework. 3. Conclusion. References.
1 INTRODUÇÃO
O mundo atualmente vive tempos únicos, de grande incerteza atravessando-se
períodos bastantes conturbados da história mundial. A pandemia caiu em cima de todos
nós com estrondo
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e o Estado viu-se obrigado a tomar medidas excecionais, sem
Artigo recebido em:24/11/2020
Artigo aprovado em:08/02/2021
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Doutora em Direito. Professora Auxiliar da Escola de Direito da Universidade do Minho. Membro
integrado do JusGov Centro de Investigação em Justiça e Governação e Coordenadora do Grupo de
Investigação em Direitos Humanos do mesmo. Vice-Presidente da Direção da APODIT Associação
Portuguesa de Direito do Trabalho.
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Conforme escreve o Papa Francisco na sua Encíclica Fratelli Tutti, sobre a Fraternidade e a Amizade
Social, de 3 de outubro de 2020, “O mundo avançava implacavelmente para uma economia que,
utilizando os progressos tecnológicos, procurava reduzir os custos humanos; e alguns pretendiam fazer-
nos crer que era suficiente a liberdade de mercado para garantir tudo. M as, o golpe duro e inesperado
desta pandemia fora de controle obrigou, por força, a pensar nos seres humanos, em todos, mais do que
nos benefícios de alguns. Hoje podemos reconhecer que alimentamo-nos com sonhos de esplendor e
grandeza, e acabamos por comer distração, fechamento e solidão; empanturramo-nos de conexões, e
perdemos o gosto da fraternidade. Buscamos o resultado rápido e seguro, e encontramo-nos oprimidos
pela impaciência e a ansiedade. Prisioneiros da virtualidade, perdemos o gosto e o sabor da realidade. A
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precedentes.
Assistimos a grandes mudanças a vários níveis que originaram o confinamento,
a quarentena, uma distância social, uma mudança de comportamentos e uma enorme
contração da atividade económica. Ninguém sabe o dia de amanhã e como a sociedade
vai ser no pós-vírus, pois este vírus, invisível a olho nu, conseguiu fazer-se mostrar de
uma forma sem precedentes. Talvez o mais avisado nesta altura seja não planear, não
fazer planos a longo prazo
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. Contudo, isso não significa que não se tomem medidas
para tentar diminuir os efeitos deste vírus, por forma a salvar vidas e empregos pois
mais uma vez ficou bem patente a centralidade do trabalho humano na vida das pessoas.
O trabalho não significa apenas a principal fonte de rendimento para a maior parte das
pessoas no mundo. O trabalho é também, para muitos, uma forma de estar em sociedade
e de dignidade e até de identidade, sendo a forma de participação na sociedade para
muitos. O trabalho não deve ser visto apenas como uma forma de remuneração
económica, mas também como uma forma de estar em sociedade. E a carência de
emprego ou a sua existência precária minam as possibilidades de integração, podendo
romper-se a coesão social e criarem-se situações de exclusão, fazendo perigar a
estabilidade social da sociedade.
E, por isso, o desemprego tem inúmeros custos económicos, sociais,
psicológicos que justificam a afirmação de Forrester
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quando diz que “para lá da
exploração do homem há algo pior: a ausência de qualquer exploração”.
Atendendo a esta situação os países tiveram de adotar medidas urgentes para
tentar conter a pandemia e Portugal não foi exceção, tendo adotado várias medidas em
diversos setores, acentuando-se, desde logo, o trabalho através das tecnologias digitais e
o aumento de trabalhadores nas plataformas digitais, sobretudo na vertente de
crowdwork offline ou work on demand via apps. As pessoas que perderam os empregos
viram-se quase obrigadas a procurar soluções alternativas e aumentou, e muito em
tribulação, a incerteza, o medo e a consciência dos próprios limites, que a pandemia despertou, fazem
ressoar o apelo a repensar os nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas
sociedades e sobretudo o sentido da nossa existência”, defendendo, aind a, p. 44, que A fr agilidade dos
sistemas mundiais perante a pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado e
que, além de reabilitar uma política saudável que não esteja sujeita aos ditames das finanças, devemos
voltar a pôr a dignidade humana no centro e sobre este pilar devem ser construídas as estruturas sociais
alternativas de que precisamos”.
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Como escreve AMADO, “Emergência, calamidade e despedimento: o empoderamento da ACT”, in
RMP, número especial Covid 19, “Veremos o que o futuro nos reserva, com a convicção de que, nisto
como em tudo, os planos e as previsões de pouco servem”.
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FORRESTER, Viviane. O Horror Económico. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Ed. UNESP, 1997,
p.18.

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