O panorama na fase codificada do direito brasileiro

AutorRafael Calmon
Páginas27-39
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O PANORAMA NA FASE CODIFICADA
DO DIREITO BRASILEIRO
3.1 O PROCESSO CIVIL NO PARADIGMA DO ESTADO SOCIAL: OS CÓDIGOS
DE PROCESSO CIVIL DE 1939 E 1973
O excessivo prestígio à liberdade que marcou o Estado Liberal não poderia se
sustentar por muito mais tempo. A partir do Século XIX, o ideário liberal começa a se
fragmentar, vindo a ser completamente superado ao longo do Século XX.
A extrema liberdade concedida à burguesia, aliada à modesta intervenção estatal
sobre as relações privadas foram os principais elementos desencadeadores da ruína do
Liberalismo. O capital estava se sobrepondo demasiadamente ao trabalho e aos limites
naturais da mão de obra humana, levando a quadros desumanos. Sem que o Estado
pudesse intervir sequer na relação entre patrão e empregado, cenas de abuso de poder
e de intensa desigualdade social se tornaram habituais.
Não tardou para que movimentos trabalhistas e sociais começassem a eclodir em
diversos países, culminando em protestos e greves que acenariam para a necessidade
de haver uma ingerência estatal mais destacada sobre o seio social. Eventualmente, a
primeira Grande Guerra abalaria tão fortemente o ideário liberal, que sua transformação
para um modelo de viés marcadamente assistencialista seria questão de tempo.1
Com o f‌im da segunda Guerra Mundial, o modelo de Estado Liberal é def‌initiva-
mente superado, levando à derrocada da neutralidade, da excessiva liberdade e do indi-
vidualismo que o permeavam. Nasce, então, o Estado Social2 com o desaf‌io de atender
às necessidades econômicas e sociais do pós-guerra e apaziguar as tensões existentes
entre a burguesia e as massas, porém, não mais sob o antigo paradigma burguês, mas
sim em conformidade com um novo esquema, centrado na promoção da democracia e
no desenvolvimento social.
Instala-se, então, o constitucionalismo social, em que as Constituições abandonam
seu papel meramente f‌igurativo para assumir o ápice do ordenamento jurídico do país.
1. Vale registrar que, mesmo no século XVIII, antes, portanto, da efetiva desestruturação do liberalismo, já era
possível detectar algumas medidas de cunho assistencialista na Áustria, na Alemanha, na Espanha, na Rússia
e na Inglaterra, por exemplo. Porém, não se tratavam de políticas públicas voltadas ao bem-estar da população
menos favorecida, mas sim um meio de a elite dominante distrair a atenção dela, para conter o desenvolvimento
dos movimentos socialistas. Como diria Harold Laski, os liberais “às exigências de justiça responderam com a
oferta de caridade” (LASKI, Harold J. O liberalismo europeu. São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 186).
2. O qualif‌icativo “social”, embora seja semanticamente aberto, serve para deixar clara a “correção do individualismo
clássico liberal pela af‌irmação dos chamados direitos sociais e realização de objetivos de justiça social” (SILVA,
José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 119).

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