O papel da impressa na reforma do Judiciario brasileiro/The press's role in the Brazilian Judiciary Reform.

AutorAlbuquerque, Grazielle

1. Introducao

Ao analisarmos a Reforma do Judiciario, em 2015, exatamente dez anos apos a sua promulgacao, este artigo se volta para os anos 2000, periodo representativo de mudancas no Estado e na sociedade brasileira. Ocorrida entre o inicio da decada de 1990 e a metade dos anos 2000, a tramitacao da Emenda Constitucional no 45 serve de esteio para pensar nao apenas as alteracoes no Sistema de Justica causadas pela lei, mas tambem as transformacoes de um pais que caminhava rumo a solidificacao da democracia. Portanto, e preciso compreender a Reforma em dois planos - no tramite legislativo e no processo politico mais amplo - o jogo de forcas e o papel de instituicoes e personagens na formatacao das alteracoes no Sistema de Justica. Neste caminho, a imprensa tem um papel fundamental colocando a Emenda 45 em pauta e tornando o assunto mais proximo da sociedade civil, o que contribuiu fortemente para a aprovacao da alteracao constitucional.

Em um contexto mais amplo, a Reforma pode ser considerada um processo cujo objetivo e modernizar o Sistema de Justica. Porem, no que concerne a este trabalho, ela foi pontuada como sendo aquela instituida pela Emenda Constitucional no 45. Neste artigo, a Reforma do Judiciario foi investigada sob a otica dos profissionais do Direito e tambem daqueles que produzem o discurso da imprensa. Foram delimitados dois grupos de fontes, observadores privilegiados deste processo: os operadores do Sistema de Justica (magistrados, defensores, membros do Ministerio Publico e advogados) e os jornalistas especializados na cobertura do Judiciario. Assim, tendo como base em uma analise de cunho qualitativo, amparada em entrevistas feitas por um questionario semi-aberto com os dois grupos de fontes, observou-se o jogo de forcas (instituicoes, personagens, Poderes da Republica) em torno da Reforma e, sobretudo, o papel da imprensa neste contexto.

1.1. A Trajetoria da PEC 96 a Emenda 45

Houve um longo caminho legislativo e de discussao politica para que o plano de se reformar a Justica brasileira ganhasse o escopo final promulgado sob o titulo de Emenda Constitucional no 45, no final de 2004. O projeto inicial da Reforma chegou ao Congresso Nacional em marco de 1992, por iniciativa do entao deputado pelo PT de Sao Paulo, Helio Bicudo. Apos ingressar no tramite legislativo, o projeto passa a chamar-se PEC no 96, que pretendia introduzir diversas modificacoes na estrutura do Poder Judiciario como, dentre outras, a criacao de criterios especificos para a promocao na magistratura, a estipulacao de mandatos e a alteracao na forma de escolha dos ministros do STJ e do STF. A proposta instituia que ambos os Tribunais tivessem um terco de sua composicao escolhida por meio de lista triplice e fixava o tempo maximo de permanencia para cada um dos ministros em 18 anos, organizados em mandatos de 9 anos com direito a uma reconducao por igual periodo. Como se pode ver, a Reforma proposta em 1992 nao tocava em questoes celebres elencadas na Emenda no 45, como a criacao de um orgao de controle do Judiciario, o Conselho Nacional de Justica (CNJ), ou mecanismos de natureza processual como a sumula vinculante. Em junho de 1999, a PEC no 96/92 foram apensadas varias outras propostas e, dentre elas, havia a de acabar com o poder normativo da Justica do Trabalho. Na pratica, isto significava a extincao desse ramo do Poder Judiciario cujas funcoes, de forma reduzida, passariam a ser exercidas pela Justica Federal. No entanto, os reveses nao param ai. Uma nova mudanca pode ser vista na Emenda no 45, cuja redacao final vai de encontro ao proposto em 1999 e termina por ampliar as atribuicoes da Justica do Trabalho. Estes exemplos possibilitam perceber que a Reforma nao seguiu um trajeto linear, ao contrario esteve repleta de sinuosidades.

Vamos a um breve retrospecto: Apos sua tramitacao inicial a PEC 96/92 foi convertida, em dezembro de 1993, em Proposta de Emenda Revisional. Depois de passar oito anos tramitando internamente, nas comissoes, finalmente, em janeiro de 2000, o texto segue para o Plenario da Camara, onde e modificado e aprovado em primeiro turno. Nesse interim, se destaca o ano de 1999 quando o senador Antonio Carlos Magalhaes deu novo folego a tramitacao do projeto por conta da Comissao Parlamentar de Inquerito (CPI) do Poder Judiciario. Em junho de 2000, o projeto e aprovado em segundo turno na Camara e segue para o Senado com a nova nomenclatura de PEC no29/2000. Dentre os varios pontos elencados pela Camara ao enviar o projeto ao Senado, destacam-se alguns que constam da Emenda no 45, a saber: criacao do Conselho Nacional de Justica (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministerio Publico (CNMP); a dita quarentena para os membros da Magistratura e do Ministerio Publico; a figura da sumula impeditiva de recursos para os tribunais superiores e da sumula vinculante para o STF; a proibicao de nomear parentes; federalizacao dos crimes contra os direitos humanos; a autonomia para as Defensorias Publicas estaduais e a possibilidade de os tratados e convencoes internacionais sobre direitos humanos serem recepcionados como equivalentes as emendas constitucionais.

Ha aqui uma questao peculiar do processo legislativo no tocante a materia constitucional que deve ser observada. Para que uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) seja valida, ela deve ser aprovada em dois turnos por ambas as Casas Legislativas. Na pratica isto equivale a dizer que so podem compor uma Emenda Constitucional (EC) os mesmos itens que foram aprovados na Camara e no Senado. Ou seja, para garantir uma aprovacao rapida, o trajeto de uma PEC, apos sair da Camara, deveria ser muito mais no sentido de designar os pontos de concordancia do que altera-los. As modificacoes feitas no Senado implicariam no retorno destes pontos a Camara para nova votacao em dois turnos. Desta maneira, a movimentacao politica em torno da PEC no29/2000 concentrava-se em pincar, dentre itens elencados, aqueles que teriam a anuencia dos senadores.

Enviada ao Senado em junho de 2000, a agora intitulada PEC no29/2000 so foi aprovada pela Comissao de Constituicao e Justica (CCJ) do Senado, de acordo com os pareceres no 538 e no 1035, em 28 de novembro de 2001, mais de um ano depois da sua chegada ao Senado. O relator da proposta era o entao senador Bernardo Cabral, do PMDB do Amazonas. Em novembro de 2002, a materia entrou em pauta na votacao do Senado Federal. Apos a aprovacao da Emenda no 45, em dezembro de 2004, as propostas que sofreram alteracao pelo Senado retornaram a Camara num bloco chamado de PEC no 358/2005. Ou seja, a Reforma do Judiciario foi separada em duas partes. A que foi aprovada em 2004 e relativa aos pontos conscienciosos que passaram pelas duas Casas. Ha outra Reforma que ainda tramita no Congresso sem, contudo, ter o andamento veloz que a Emenda 45 teve em seus ultimos anos. Prova disso e que a ultima movimentacao da PEC no 358/2005 e de marco de 2010.

Pelo exposto, demonstra-se que no lapso temporal de 12 anos a proposta foi rebatizada algumas vezes, ganhando nao apenas novas siglas como tambem formatos diversos ate chegar aos pontos promulgados na Emenda no 45. Nao existiram apenas dois momentos estanques, o inicio e o fim, mas uma serie de fases em que a proposta foi moldada. Distante de um trajeto linear, nao se pode observar a tramitacao da Reforma do Judiciario apenas sob os parametros legislativos. Ao lado do processo de formatacao da lei, acontece pari passu, uma dinamica politica, influenciada pela opiniao publica e pela pressao de grupos de interesse e pela posicao dos Poderes da Republica. E no amalgama dessas relacoes que se formam as condicoes para que uma determinada lei seja criada. E nessas relacoes a imprensa teve um papel fundamental pautando o assunto e ajudando a criar as condicoes necessarias para que a Emenda 45 fosse aprovada.

2. Contexto historico e o jogo de forcas

Nao e demais lembrar que a Reforma passou oito anos na Camara e quatro anos no Senado, sendo que neste ultimo periodo, de 2000 a 2004, o primeiro bienio, as movimentacoes relativas a Reforma foram meramente burocraticas. O entao relator Bernardo Cabral ate tentou colocar a materia em votacao, mas seus esforcos nao surtiram efeito e ele nao se reelegeu em 2002. Com as eleicoes daquele ano, nao apenas o Senado teve uma renovacao de 2/3 de sua composicao como findaram os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em outubro de 2002, Luiz Inacio Lula da Silva foi eleito presidente da Republica. Um mes depois, a Reforma entra em votacao no Senado Federal, ou seja, e a partir de 2003, diante de uma nova conjuntura de fatores, que a Reforma do Judiciario, na epoca intitulada PEC no29/2000, passa por periodo decisivo. Dos 12 anos de tramitacao da proposta, 2003 e 2004 foram cruciais para a aprovacao da Reforma.

Desta maneira, observa-se as peculiaridades do contexto historico da promulgacao da Emenda no 45 (2003/2004) em relacao ao inicio de sua tramitacao, em 1992. Que condicoes estavam presentes em um momento e no outro? Como essas condicoes influenciaram o andamento da Reforma? Para responder estas questoes, deve perceber que a Reforma aconteceu inserida em um contexto de reestruturacao do Estado, o que ainda nao havia se estabelecido plenamente em meados da decada de 1990. Por outro lado, o Poder Judiciario guardava consigo problemas historicos oriundos do seu formalismo e de sua estrutura hermetica. Soma-se a este contexto macro, uma conjuntura politica extremamente favoravel entre os anos de 2003 e 2004, com o inicio do Governo Lula, a criacao da Secretaria da Reforma do Judiciario e a mudanca na cupula do Poder Judiciario. Neste quadro, ressaltamos nao apenas a questao institucional, mas a presenca marcante de personagens como: Marcio Thomaz Bastos no Executivo, Aloisio Mercadante no Legislativo e Nelson Jobim no Judiciario. Mesmo com pontos conflitantes, todos estavam de acordo com a necessidade de se executar a Reforma do Judiciario e foi...

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