O papel da mulher na agricultura familiar de Concórdia (SC): o tempo de trabalho entre atividades produtivas e reprodutivas
Autor | Jordan Brasil dos Santos - Liana Bohn - Helberte João França Almeida |
Cargo | Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Chapecó, Brasil - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil |
Páginas | 1-27 |
Artigo
Original
Textos de Economia, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 1-27, jan./jul.., 2020. Universidade Federal de Santa Catarina.
ISSN 2175-8085. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8085.2020.e71525 .
O PAPEL DA MULHER NA AGRICULTURA FAMILIAR DE
CONCÓRDIA (SC): O TEMPO DE TRABALHO ENTRE
ATIVIDADES PRODUTIVAS E REPRODUTIVAS
The women’s role in the family agriculture of Concórdia (SC): working time
between productive and reproductive activities.
Jordan Brasil dos SANTOS
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Chapecó, Brasil
diordaosanto@hotmail.com
Liana BOHN
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil
libohn@gmail.com
Helberte João França ALMEIDA
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil
helberte.almeida@ufsc.br
RESUMO
Objetivo: A pluratividade desempenhada pelas mulheres é ess encial nas pequenas unidades produtivas rurais, mas
economicamente seu trabalho não é percebido com a mesma importância dada às atividades tradicionalmente masculinas
da agricultura. Buscando evidenciar os esforços femininos em termos de trabalho remunerado e não-remunerado, o
presente e studo, a partir de entrevistas com agricultores e agricultoras familiares de Concórdia (SC), questiona se é
possível afirmar que o trabalho da mulher é invisibilizado na agricultura familiar por desconsiderar o tempo d e trabalho
reprodutivo. Ao utilizar um município catarinense como objeto de estudo, a pesquisa assume um caráter local, mostrando
que há trabalho fora do trabalho formal, e que, além do trabalho remunerado, existem diferentes atividades que devem
ser reconhecidas para a compreensão da posição da mulher na economia e, especialmente, na agricultura familiar.
Mediante as respostas da pesquisa de campo, é possível dizer que a dupla jornada entre as mulheres agricultoras justifica
a visão de que elas não têm participação ativa no trabalho produtivo, se rvindo apenas como uma ajuda. Além disso, há
uma percepção, por parte dos cônjuges, relativamente próxima do tempo que realmente é despendido na jornada de
trabalho do parceiro, o que não tem significado a ad oção de uma po stura mais colaborativa nos casais. Como há certa
reprodução da divisão do trabalho quando se analisa o tempo gasto nas atividades dos filhos, fica evidente que conhecer
a estrutura de gênero p or detrás das atividades rura is é uma forma de balizar políticas públicas voltadas ao
desenvolvimento da agricultura familiar e à promoção da equidade de gênero via empoderamento feminino.
PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Divisão do Trabalho. Afazeres Domésticos. Trabalho de Cuidado. Jornada de Trabalho.
ABSTRACT
Objetive: The pl uractivity performed by women is essential in small agricultural production units, but economically their
work is not perceived with the same importance given to traditionally male activities in agriculture. Seeking to highlight the
feminine efforts in terms of paid and unpaid work, the present study, based on interviews with family farmers in Concórdia
(SC), questions if it is possible to say that women's work is invisible in family farming because it disregards reproductive
working time. Using a municipality in Sant a Catarina as an object of study, the research takes a local character, showing
that there are work outside formal work and, besides the paid work, there are several activities that need to be recognized
to show the position of women in the economy, especially in family farming. Through the responses of the field research,
it is possible to say that the double journey among agricultural women justifies the view that they do not have an active
participation in productive work, only as a support. In addition, the partners have a relatively close perception regarding
the time that is actually spent in the counterpart’s workday, but that hasn’t led to the adoption of a more collaborative
position among couples. This division of work also occurs when analyzing the time spent on children's activities, making it
evident that knowing the gender structure behind the agricultural activities is a way of guiding public policies aimed at the
development of family farming and the promotion of gender equity via female empowerment.
KEYWORDS: Gender. Division of Labor. Housework. Care Work. Workday.
Classificação JEL: B5
Recebido em: 15-02-2020. Aceito em: 08-04-2020.
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Textos de Economia, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 1-27, jan./jul., 2020. Universidade Federal de Santa Catarina.
ISSN 2175-8085. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8085.2020.e71525
1 INTRODUÇÃO
O mercado de trabalho vem passando, especialmente nos últimos 50 anos, por
grandes modificações, em que a inserção das mulheres em cargos que antes eram
exclusivamente masculinos se tornou a principal face da transformação no que concerne
ao gênero. Até o século XIX, a sociedade foi marcada pela nítida divisão entre o público e
o privado, na qual os homens eram orientados a “pertencer” à esfera pública enquanto
provedores do lar, e as mulheres à esfera privada, sendo responsáveis pelos cuidados da
casa e da família. Essa cisão, que marca a formalização cultural da divisão sexual do
trabalho, legou às mulheres a esfera reprodutiva (e sem valor social), enquanto aos homens
coube a esfera produtiva (e de grande valor social), “(...) estabelecendo uma relação
assimétrica entre os sexos que cria e reproduz concomitantemente as desigualdades de
papéis e funções na sociedade” (SOUZA e GUEDES, 2016, .p. 3; ÁVILA e FERREIRA,
2014; HIRATA e KERGOAT, 2007; KERGOAT, 2009).
Na Ciência Econômica, a hierarquização das esferas se refletiu na construção do
conceito de homo economicus. Neste foram incorporadas as atividades masculinas que,
tendo por base a racionalidade, contrapuseram-se às atividades femininas, domésticas e
de cuidado, não remuneradas e, portanto, fora da lógica de mercado que pauta a disciplina
(BOHN e CATELA, 2017). Ainda que parte da diferença se dê porque homens e mulheres
são biologicamente distintos, o que apoiaria qualidades e habilidades díspares, a
reprodução cultural dessa visão acabou formalizando um status do papel de homens e
mulheres.
Assim, pode-se definir, de um modo tradicional, que a divisão sexual do trabalho
impõe os limites entre “os trabalhos produtivos, realizados fora de casa, remunerados e
socialmente visíveis, produtores de valor, voltados à esfera masculina” e “os trabalhos
destinados às mulheres, [que] são aqueles vinculados à reprodução social, no âmbito
doméstico, não remunerados e invisíveis como trabalho e como produtores de valor”
(BANDEIRA e PRETURLAN, 2016, p. 49; CARLOTO e GOMES, 2011). Embora
conceitualmente separados, as atividades produtivas não podem ser dissociadas
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De acordo com Pinheiro (2016, p .61), o trabalho reprodutivo compreende “(...) a realização de atividades
de cuidados com familiares, crianças, idosos, pessoas doentes ou com deficiência, bem como daquelas
atividades chamadas comumente de afazeres domésticos e que englobam tarefas como lavar e passar
roupas, cozinhar, limpar a casa, limpar o jardim, lavar louças, entre outras, realizadas no espaço da própria
residência e sem qualquer tipo de remuneração.”
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