O Papel do Estado na Era Digital sob a Perspectiva dos Direitos Fundamentais: Em Busca de um Determinismo Tecnológico 'Soft

AutorLeonardo Netto
Ocupação do AutorProcurador do Estado de São Paulo. Mestrando na linha de Direito Público da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Páginas217-241
217
O Papel do Estado na Era Digital sob a Perspectiva dos Direitos Fundamentais:
Em Busca de um Determinismo Tecnológico “Soft”
O Papel do Estado na Era Digital sob a
Perspectiva dos Direitos Fundamentais: Em
Busca de um Determinismo Tecnológico “Soft”
Leonardo Netto373
Resumo
Este trabalho propõe uma releitura do papel do Estado diante das
inovações promovidas pela era digital, à luz dos direitos funda-
mentais. Entre o determinismo tecnológico e o social construtivis-
mo, o presente artigo sustenta a necessidade de um determinismo
“soft”, que promova a conjugação de esforços entre agentes pú-
blicos e privados na realização de direitos fundamentais de defesa
e prestacionais, observados os novos paradigmas do direito admi-
nistrativo brasileiro.
Palavras-chave: Estado; direitos fundamentais; novas tecnologias;
determinismo “soft”; hipossuficiência epistêmica; escassez de re-
cursos; assimetria informacional.
Também no diálogo público sobre o revigoramento
das instituições da democracia na era digital, a dis-
cussão se circunscreve aos políticos, aos juristas, aos
politólogos, à militância mais engajada. Ela se faz sob
o falso véu de conhecimentos técnicos e jurídicos
inalcançáveis pelos cidadãos. Na verdade, estão dan-
do voltas em torno do modelo analógico de demo-
cracia, que emite fortes sinais de ter chegado a seu
limite de funcionalidade (ABRANCHES, Sergio. A era
do imprevisto: a grande transição do século XXI. São
Paulo: Companhia das Letras, 2017. p. 58-59).
O desafio do Estado está em como acomodar a ino-
vação com os mercados preexistentes e penso que
a proibição da atividade na tentativa de contenção
do processo de mudança evidentemente não é o ca-
minho, até porque seria como tentar aparar o vento
com as mãos (Luis Roberto Barroso, voto no Recurso
Extraordinário nº 1.054.110).
373 Procurador do Estado de São Paulo. Mestrando na linha de Direito Público da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro
Transformações do Direito Administrativo: Liberdades Econômicas e Regulação
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1. Introdução
O surgimento de tecnologias disruptivas e seu avanço sobre
espaços sociais e econômicos tradicionais provocam debate acerca
do eventual enfraquecimento – ou ao menos ressignificação – do
papel do Estado na atualidade. Nesse contexto de abruptas mudan-
ças, parece lugar comum o diagnóstico de esvaziamento do aparato
estatal, classificado como mero entrave burocrático à Revolução
Digital que se desenrola no início de século. Essa perspectiva, cada
vez mais influente, reflete crença em suposto processo de erosão
de dois pilares centrais das democracias contemporâneas: o Estado
moderno e o Direito.
O Estado moderno, concebido como instrumento de centra-
lização e de uniformização da ordem jurídica374, convive com a
expansão de feudos cibernéticos, dotados de regras comunitárias
e ética próprias, que desafiam, em certa medida, a autoridade de
leis e constituições. O Direito, e sua pretensão de universalidade
e de completude, já apresenta sinais claros de descompasso com
a velocidade das transformações sociais e as novas demandas
da coletividade. Diante de tal cenário, em que se discute possível
desatualização da teoria constitucional à luz da realidade imposta
pelos fatos, é questionada a capacidade das instituições democrá-
ticas tradicionais de responderem de forma adequada aos anseios
dos novos tempos.
Se tanto é certo que o Estado moderno decorreu do esfor-
ço de centralização jurídica, e da necessidade de afirmação de
direitos fundamentais que lhe pudessem ser exigidos, também é
certo que o mundo contemporâneo assiste a acelerado processo
de transformação, impondo novos desafios às instituições clássi-
cas do regime democrático. As grandes empresas de dados, que
substituem atores econômicos tradicionais, impactam de forma
singular na vida privada e na intimidade de seus usuários. Ainda,
os pequenos feudos tecnológicos abraçam as mais diversas causas
– do terraplanismo ao mito do aquecimento global –, ocasionando
374 Para análise histórica do desenvolvimento do Estado moderno e seu impacto no surgimento
dos direitos fundamentais: PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregorio. Curso de derechos
fundamentales: teoría general. Madrid: Universidad Carlos III, 1995. p. 113-144.

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