Sobre o papel do poder judiciário na análise da constitucionalidade da extrafiscalidade

AutorDiego Bomfim
Ocupação do AutorDoutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo/USP
Páginas305-352
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QUARTA PARTE – CONTROLE DA
EXTRAFISCALIDADE
CAPÍTULO IX – SOBRE O PAPEL DO PODER
JUDICIÁRIO NA ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE
DA EXTRAFISCALIDADE
9.1. Introdução
Neste ponto do discurso, não há espaço para dúvida
acerca da existência, de um lado, de específicos fundamentos
constitucionais que legitimam a extrafiscalidade e, de outro,
de limitações também constitucionais ao seu exercício. O tex-
to constitucional permitiu, e até estimulou, a extrafiscalidade,
mas o seu uso é limitado.
Fixada a existência de limitações constitucionais à ex-
trafiscalidade, o Poder Judiciário não poderá se furtar de sua
análise e ponderação no caso concreto, sob pena de desvir-
tuamento de sua função institucional. Por outro lado, esse
controle jurisdicional terá de ser realizado de maneira mui-
to minuciosa para que não restem ofendidas regras constitu-
cionais fundamentais ao Estado de Direito, a começar pela
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EXTRAFISCALIDADE
necessidade de manutenção da tripartição dos poderes e do
regime democrático, baseado na premissa de que os represen-
tantes do povo, democraticamente eleitos, e não o Judiciário,
é que possuem legitimidade para editar leis. A análise de me-
didas extrafiscais pelo Poder Judiciário não pode se transfor-
mar em pretexto para que haja o que se convencionou chamar
de ativismo judicial.
Encontrar este equilíbrio não é tarefa fácil, o que não
legitima a atitude pouco atenta do STF sobre a matéria. O
Tribunal, quando instado a analisar a constitucionalidade de
medidas tributárias extrafiscais, optou por afastar a possi-
bilidade de seu controle judicial, afirmando que estas equi-
valeriam a uma espécie de “ato discricionário que escapa ao
controle do Poder Judiciário e envolve juízo de conveniência e
oportunidade do Poder Executivo”544.
Em verdade, é preciso reconhecer que a tributação extra-
fiscal se submete ao regime jurídico tributário e, como tal, tem
de respeitar este regramento, cabendo ao Judiciário verificar
eventuais inconstitucionalidades.
9.2. Traçando premissas para a construção da decidi-
bilidade de conflitos normativos que envolvem a
extrafiscalidade
A eleição da extrafiscalidade, como objeto de especula-
ção, impõe, ao estudioso, uma preocupação específica quanto
à eleição de premissas epistemológicas rígidas545. Prova disso
544. STF, AI nº 137.380, Rel. Min. Paulo Brossard, Segunda Turma, julgado em
24/5/1994, DJ de 2/12/1994. Analisando a mesma matéria, a Primeira Turma do Tri-
bunal repetiu o fundamento. Cf. STF, RE nº 159.026, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pri-
meira Turma, julgado em 30/8/1994, DJ de 12/5/1995.
545. Nesse exato sentido, afirma com correção Marciano Seabra de Godoi: “es
imposible al jurista ubicarse frente al tema de la extrafiscalidad sin que se pongan
de manifiesto sus más íntimos convencimientos sobre graves interrogantes tales
como ‘¿qué es el Derecho?’, ‘¿qué es la Justicia?’, ‘¿qué papel deven jugar el legisla-
dor y el juez constitucional en la actual forma de Estado de Derecho?’” (GODOI,
Marciano Seabra de. Extrafiscalidad y sus límites constitucionales. Revista
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DIEGO BOMFIM
é que, em reflexo à concepção teórica adotada, é possível en-
contrar posicionamentos que nem mesmo reconhecem a ex-
trafiscalidade como relevante para fins de interpretação do
direito posto.
Seguindo esta trilha, toma-se o direito como um conjun-
to de normas voltadas à regulação de condutas humanas, de-
vendo este ser apreendido como linguagem. Daí já se extrai o
relevantíssimo papel que a interpretação assume em sua con-
formação. É a interpretação dos dispositivos normativos que
define, em certos parâmetros, o conteúdo das normas jurídi-
cas, não havendo que se falar em “correspondência biunívoca
entre disposições e normas”546. Essa linha de raciocínio que,
em um primeiro momento, pode parecer apenas uma cons-
trução teórica, tem, em verdade, influência marcante na juris-
prudência do STF547.
A identificação, portanto, das limitações que o próprio
ordenamento jurídico impõe ao intérprete deve ser encara-
da com relevância máxima, retirando-se daí um dos pilares
da manutenção do próprio Estado de Direito. Como afirma
OSCAR VILHENA VIEIRA548, “a ideia de estado de Direito,
portanto, demanda não só uma teoria da norma, como também
uma teoria da interpretação da norma”.
É que de nada adiantaria um Estado de Direito baseado
na separação dos poderes e na edição de leis por representan-
tes do povo, se os dispositivos (ou disposições) normativos pu-
dessem ser livremente interpretados, sem limites extraídos do
próprio conjunto normativo. Se assim fosse, delineada estaria
internacional de direito tributário. Belo Horizonte, v. 1, n° 1, p. 219-262 (220), jan./
jun. 2004).
546. GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 34.
547. Sobre o assunto, cf. o seguinte julgado: STF, RE nº 258.088, Rel. Min. Celso de
Mello, Segunda Turma, julgado em 18/4/2000, DJ de 30/6/2000.
548. VIEIRA, Oscar Vilhena. Interpretação e política judicial. In: Cadernos Direi-
to GV – Seminário 29 – Interpretação, desenvolvimento e instituições. São Paulo, v.
6, n° 3, p. 101-113 (101), maio 2009.
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