O papel dos avós na convivência familiar e na formação da personalidade dos netos

AutorGustavo Tepedino e Danielle Tavares Peçanha
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Civil e ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Mestranda em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas175-190
O PAPEL DOS AVÓS NA CONVIVÊNCIA
FAMILIAR E NA FORMAÇÃO DA
PERSONALIDADE DOS NETOS
Gustavo Te pedino
Professor Titular de Direito Civil e ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Danielle Tavares Peçanha
Mestranda em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Advogada.
Sumário. 1. Introdução: evolução da família, convivência familiar e dignidade da pessoa
humana. 2. Direito de visita dos avós e formação da personalidade dos netos. 3. Participação
dos avós na educação dos netos e limites da interferência. 4. Assistência material dos avós em
prol dos netos. 5. Notas conclusivas.
1. INTRODUÇÃO: EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA, CONVIVÊNCIA FAMILIAR E
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
As profundas alterações por que passaram as relações familiares têm sido objeto
de extensa bibliograf‌ia. Especialmente nessa seara, em que a evolução extraordinária
dos fatos parece ter surpreendido o legislador, é de se avaliar cuidadosamente o impacto
e a força vinculante da tábua axiológica constitucional sobre a disciplina das diversas
relações familiares.1 A família, embora tenha ampliado seu prestígio constitucional com
a Constituição da República, deixa de ter valor intrínseco, como instituição capaz de
merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir, passando a ser valorada de forma
instrumental, e tutelada à medida que se constitua em núcleo intermediário de promoção
da dignidade de seus integrantes e de desenvolvimento da personalidade dos f‌ilhos.2
Com efeito, a incidência direta dos princípios constitucionais no direito de família,
especialmente a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CR), a solidariedade social
(art. 3º, I, CR) e a igualdade substancial (art. 3º, III) leva o intérprete a separar dogma-
ticamente as situações jurídicas patrimoniais daquelas existenciais, aqui associadas à
1. Cfr. TEPEDINO, Gustavo. Dilemas do afeto. Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões. v. 14, 2016, p. 11-27; FACHIN,
Luiz Edson. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários ao Novo Código Civil. v. XVIII. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 2003; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários
ao Novo Código Civil. v. XX. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
2. V. TEPEDINO, Gustavo Tepedino; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do Direito Civil. v. 6: Direito
de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
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vida comunitária familiar, destinada à formação e desenvolvimento da personalidade
de cada um de seus membros. Tais objetivos da República e princípios fundantes do
ordenamento informam, legitimam e dão maior densidade normativa aos princípios
inseridos nos artigos 226 e ss., que integram o Capítulo VII da própria Constituição, em
matéria de família.
A família torna-se, por força de tal contexto axiológico, pluralista, lócus privilegiado
para a comunhão de afeto e af‌irmação da dignidade humana, funcionalizada para a atu-
ação dos princípios constitucionais da igualdade, solidariedade, integridade psicofísica
e liberdade.3 A afetividade ganha especial atenção do intérprete, que desloca seu olhar
do tradicional núcleo familiar rígido, patriarcal e patrimonialista para noção ampla e
dinâmica, na qual conceitos como convivência, carinho e amor importam no reconhe-
cimento do merecimento de tutela de múltiplas relações estabelecidas entre as pessoas.4
O afeto converte-se, nessa medida, em elemento def‌inidor de situações jurídicas,
f‌lexibilizando-se, com benfazeja elasticidade, os requisitos para a constituição da famí-
lia.5 O direito de família passa a atribuir particular importância (não à afetividade como
declaração subjetiva ou obscura reserva mental de sentimentos não demonstrados, mas)
à percepção do sentimento do afeto na vida familiar e na alteridade estabelecida no seio
da vida comunitária. Em tal perspectiva, o art. 1.511 do Código Civil, que nem sempre
recebeu a merecida atenção por parte da doutrina, adquire nova dimensão valorativa,
com extraordinária força expansiva para as relações familiares: “O casamento estabelece
comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.
Vislumbra-se nessa mesma esteira a reconstrução de antigas categorias do direito
de família,6 renovadas pelos valores existenciais. Às relações que decorrem do vínculo
natural, próprias da dimensão genética, conjugam-se as relações afetivas, igualmente
dignas de salvaguarda.7 Da combinação de ambos elementos – genético e afetivo –, ganha
proeminência a participação dos avós no âmbito da convivência familiar e na formação
da personalidade dos netos.
Não apenas em termos materiais ou assistenciais – como no caso em que os avós
são chamados a f‌igurar subsidiariamente como alimentantes dos netos, em caso de im-
3. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana – Uma Leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais.
Rio de janeiro: Renovar, 2003.
4. TEPEDINO, Gustavo. Novas famílias entre autonomia existencial e tutela de vulnerabilidades. Editorial. Revista
Brasileira de Direito Civil (RBDCivil), v. 6 – out./dez. 2015, p. 6-8.
5. Assim entende Paulo Lôbo, que enfrenta a desatualizada ideia de que o afeto seria algo metajurídico e apartado do
Direito. Para o autor, não se deve perder de vista a afetividade jurídica, que resulta da “transef‌icácia do fato social
e psicológico para o fato jurídico como categoria distinta dos demais saberes, como categoria própria do Direito”.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A família enquanto estrutura de afeto, p. 254. In: Eliene Ferreira Bastos; Maria Berenice
Dias (coords.). A família além dos mitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 251-258.
6. Sobre a reconstrução dos institutos do direito de família, v. FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca da Família
do Novo Milênio – Uma Ref‌lexão Crítica sobre as Origens Históricas e as Perspectivas do Direito de Família Brasileiro
Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001; ZAMBERLAM, Cristina de Oliveira. Os Novos Paradigmas da Família
Contemporânea – Uma Perspectiva Interdisciplinar. Rio de janeiro: Renovar, 2001; ALMEIDA, Maria Christina de.
O DNA e Estado de Filiação à Luz da Dignidade Humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; CARBONERA,
Silvana Maria. Guarda de Filhos na Família Constitucionalizada. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2000.
7. “O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas
afetivas que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida”. PERLINGIERI, Pietro. Perf‌is do Direito Civil. 3.
ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 244.
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