Mudança de paradigmas na organização industrial: Como reconhecer benefícios em mercados concentrados

AutorMaria Paula Bertran
Páginas146-154

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1. Introdução

Muitas gerações de estudos empíricos sobre estrutura industrial foram baseados nos apelos do modelo chamado de Estrutura-Conduta-Desempenho, originalmente formulado pelo clássico autor norte-ameri-cano Joe Bain.1 No paradigma de Bain supõe-se que uma única via de causalidade corre da estrutura (nível de concentração do mercado) para a conduta (grau de propensão ou viabilidade da colusão) e da conduta para o desempenho (lucratividade das empresas do setor correspondentes a padrões de mercado concorrencial ou monopolizado). O paradigma de Bain referenda a lógica econômica clássica de que dada qualquer configuração de mercado, a expansão no tamanho desse mercado (viabilizada pelo aumento da demanda de seus produtos), não acompanhada de maneira imediata pelo aumento da produção, gerará um crescimento nos lucros dos fabricantes do setor. O aumento dos lucros do setor, por sua vez, incitará novos entrantes a superarem eventuais barreiras econômicas de produção, para também participarem do mercado, objetivando seus bons retornos. Com a efetiva entrada de novos agentes e aumento da oferta de bens, os preços do mercado tendem a diminuir, atingindo seus padrões originais, de antes do aumento de demanda, em um patamar chamado de preço de equilíbrio.

Nesse clássico modelo, a análise das barreiras de mercado impostas aos novos possíveis entrantes tem papel fundamental. Se as barreiras aos novos entrantes forem excessivamente altas, o equilíbrio de longo prazo do mercado mostrar-se-á pouco provável, incitando outras medidas para manutenção do bem-estar econômico, tais como a intervenção estatal, por exemplo. O elemento mais comumente explorado

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quando se procura investigar barreiras à entrada em um setor econômico é o custo de instalação de plantas industriais minimamente eficientes. Os custos de instalação de plantas industriais não serão, porém, as únicas ou mesmo as mais significativas barreiras à entrada, em muitos ramos da indústria.

Este trabalho tem como objetivo principal apresentar um modelo teórico alternativo ao modelo de "Estrutura-Conduta-Desempenho" para explicação das estruturas de mercado em Organização Industrial. O modelo a ser explorado é chamado de Custos Irrecuperáveis, e foi modernamente elaborada pelo teórico inglês, atual professor da London School ofEconomics, John Sutton.2 Segundo o modelo de Custos Irrecuperáveis, as mais relevantes barreiras à entrada, em alguns mercados, não são correspondentes à instalação de plantas industriais, mas sim custos de diferenciação dos produtos. Desse modo, o modelo tem o mérito de alertar para a importância de análise de custos de entrada relacionados a gastos com publicidade e investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento, bem como outros processos de diferenciação vertical dos produtos.3

A relação entre tamanho do mercado e estrutura concorrencial do mercado está no centro das análises do paradigma de Sutton. O ponto fundamental de sua teoria aponta que a relação de causalidade entre grande tamanho de mercado (muita demanda) e baixa concentração (produção pulverizada), tradicionalmente vista como pertinente a todas as indústrias em geral, por influência do paradigma de Bain, só é pertinente a um certo grupo de indústrias. Mais importante: não é válida para indústrias em que publicidade e Pesquisa e Desenvolvimento têm papel significativo.

As constatações do modelo de Custos Irrecuperáveis têm imediato impacto na maneira como os órgãos estatais responsáveis pelo resguardo da concorrência devem lidar com a concentração de algumas indústrias. No paradigma de Sutton o poder de mercado já não é medido pelo número de participantes do mercado, bem como não admite que a estrutura concorrencial possa ser presumida em função de uma baixa concentração entre os participantes do mercado. Ao contrário, a grande concentração pode representar um estágio máximo de concorrência.

Este texto é estruturado, inicialmente, com a apresentação do contexto empírico de motivação da pesquisa que promoveu a criação do paradigma de Sutton, que, ao contrário do paradigma de Bain, estabelece uma correlação negativa entre concentração e tamanho dos mercados. Nos tópicos seguintes, com o objetivo de apresentar as minúcias dos modelos e com base na teoria dos jogos, explica-se a diferenciação dos tipos de custos irrecuperáveis entre endógenos e exógenos para cada um dos paradigmas. Por fim, estabelece-se um confronto entre o modelo de Estrutura-Condu-ta-Desempenho, de Bain, e o modelo dos Custos Irrecuperáveis, de Sutton. A conclusão retoma o caminho de explicação dos modelos e aponta para a necessidade de que a saúde da concorrência seja pensada a partir das referências do novo paradigma que a literatura estabelece.

2. Contextualização do trabalho de Sutton

Sutton inicia seu livro apontando a constatação empírica de que a estrutura de concentração de empresas de algumas indústrias é muito similar, mesmo em diferentes países. Segundo ele, é uma regularidade empírica que um setor industrial dominado por poucas firmas em um país, também seja dominado por poucas firmas em qualquer outro lugar do mundo. A

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maioria dos estudos, diz, justifica essa similaridade espacial (historicamente constatada por muito economistas,4 mas jamais investigada com a devida atenção), como um reflexo de necessidades tecnológicas e gostos de demanda muito parecidos. Por esse motivo, a estrutura de equilíbrio da indústria também seria muito parecida em todos os países. Sutton rejeita essa explicação, deslocando-se do ramo de estudiosos que se filiam a essa visão mais clássica e insere sua obra no rol das investigações que primam pela explicação obtida por variáveis como características essenciais da indústria (destacadamente, graus de economias de escala, intensidade em propaganda e investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento).

2. 1 A pesquisa empírica

A história da industrialização de bens homogêneos é responsável pela reconstrução do argumento de Sutton. A demonstração da...

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