Paradoxos do discurso capitalista: um novo sujeito?

AutorLilian Clementoni Batista
CargoMestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas39-56
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2017v14n2p39
PARADOXOS DO DISCURSO CAPITALISTA: UM NOVO SUJEITO?
Lilian Clementoni Batista
1
Resumo:
Este artigo propõe, a partir da teoria dos discursos de Jacques Lacan, um
questionamento sobre o discurso capitalista na forma do matema que foi
apresentado em 1972, ocasião da Conferência de Milão. O discurso capitalista
havia sido mencionado anteriormente, porém sob outra forma por Lacan, sobretudo
no seminário 17, “O avesso da psicanálise” (1969/1970), quando o apontou como
uma variante do discurso do mestre. Nesse contexto, o autor sempre se referiu a
esse discurso ressaltando a diferença entre o mestre moderno (capitalista) e o
mestre tradicional (senhor), mas ambos ocupando posições semelhantes, ou seja,
revelando uma mesma configuração de relação no laço social. Já em 1972, na
conferência supracitada, Lacan propôs o matema do discurso capitalista, no entanto,
salientou que essa forma estaria condenada a consumir a si própria, portanto, a não
sustentar sua própria existência. Questionamos então a possibilidade de existência
do discurso capitalista como expressão de uma forma inédita de relação do sujeito
jamais ocorrida em outro momento histórico.
Palavras-chave: Mais-valia. Mais-de-gozar. Discurso capitalista, Marx. Lacan.
1 INTRODUÇÃO
Na Conferência de Milão, em 1972, Lacan propõe uma nova forma discursiva
para além das quatro antes teorizadas. Esse discurso seria o Discurso Capitalista,
que já havia sido citado anteriormente como uma variante do discurso do mestre, de
modo que o antigo mestre tradicional (senhor) seria substituído pelo mestre moderno
(capitalista), porém ambos expressando uma mesma forma de laço. Contudo, nessa
ocasião em 1972, Lacan formaliza um novo matema para expressar o Discurso
Capitalista, fazendo uma pequena inversão de elementos que seria o indicativo de
grande diferença no modo do sujeito se relacionar. Mas, nessa mesma
apresentação, Lacan discorre sobre a astúcia dessa forma discursiva e argumenta
que ela está destinada a se consumir, ela não sustentaria sua própria existência. O
psicanalista afirma que na pequena inversão no matema, dada entre sujeito e
1 Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.
Pesquisa financiada pelo CNPq. Psicóloga atuando na Associação Paulista para o Desenvolvimento
da Medicina, Hospital São Paulo em São Paulo, SP, Brasil. E-mail: lilianclem@hotmail.com
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.14, n.2, p.39-56 Mai.-Ago. 2017
significante mestre, reside a insustentabilidade dessa forma, pois ela marcha
rapidamente e acaba por consumir a si própria. O sujeito, no lugar de agente, estaria
diretamente ligado na produção, onde o mais-de-gozar (a) se posiciona, e não
haveria uma barra que faria esse impedimento de acesso ao gozo através do objeto
causa de desejo, o que se assemelha ao matema da fantasia: $◊a. O considerado
“acesso” ao objeto causa de desejo, inexistente em outros discursos nos quais
sempre uma impossibilidade que permite os giros discursivos, provém da falta da
barra que liga o sujeito ao mais-de-gozar. Isso faz com que essa forma seja
compreendida como a expressão da relação de consumo que os indivíduos têm na
atualidade: um sujeito ligado diretamente ao produto, um sujeito sem limites,
determinado por uma incessante falta a gozar. Essa leitura é quase sempre
associada à compreensão da forma capitalista atual como capitalismo de consumo,
o que questionaremos adiante.
Segundo Braunstein (2010), a passagem do mestre tradicional para o mestre
moderno, capitalista, expressa a mudança de um mestre que era da repressão para
um outro, que comanda o gozo, sob a forma do discurso capitalista. O autor aponta
que essa nova modalidade de discurso foi, inicialmente, proposta por Lacan “como
se estivesse brincando, como se fosse um capricho pessoal ao qual poderia
renunciar se quisesse” (BRAUNSTEIN, 2010, p. 148). A ideia de que nesse discurso
não existe impossibilidade entre o sujeito e o objeto causa de desejo, associada ao
anúncio de Lacan de que essa forma está fadada a consumir a si própria, pode ser
expressa nos objetos produzidos pelo capital, que, para manter o ritmo da produção,
faz objetos que tendem a uma obsolescência estritamente material e também na
desejabilidade provocada por meio dos recursos propagandísticos e ideológicos que
permeiam a tendência à homogeneização dos supostos objetos de desejo no
capitalismo. Braunstein refere como “servomecanismos para designar esses
artefatos que a ciência permite fabricar e enviar ao mercado para o seu consumo
massivo e que estão destinados a rápida obsolecência [...] que sob essa forma
discursiva funcionariam análogos ao objeto a” (BRAUNSTEIN, 2010,p. 149). De
acordo com a elucidação do autor, no discurso capitalista o $ aparece ocupando o
lugar do agente, assim como no discurso histérico. Contudo, argumenta que se
nesse último a histérica se dirige ao mestre (vetor $S1), ou seja, ao outro, no
discurso capitalista, ao contrário, o sujeito não se dirige a nenhum outro (no caso, o

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