O Parcelamento De Débitos Tributários Em Perspectiva Atual

AutorJosé Cardoso Dutra Junior
CargoProcurador do Distrito Federal.
1. Introdução

O direito tributário se revela como um dos ramos do direito brasileiro em que a contribuição doutrinária vem ganhando vulto desde o advento do Código Tributário Nacional, principalmente após a promulgação de nossa Carta Magna. Juristas de renome, nessas três décadas, dedicaram-se à pesquisa científica e à difusão de teses primorosas nos livros e periódicos que hoje cada vez mais pedem espaço nas livrarias e bibliotecas do País. Todavia, mesmo em terreno tão explorado ainda é possível encontrar lacuna a ser colmatada, até porque o direito tributário positivo nunca descansa do assédio de propostas legislativas capitaneadas, ora pela Fazenda, ora pelos contribuintes. Dentre os temas suscetíveis de especulação, a natureza jurídica do parcelamento de débitos tributários, que há tempos sugere muita discussão, brota agora com mais força diante de recentes inovações legislativas, como as materializadas na Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, que alterou o Código Tributário Nacional e tratou, entre outros assuntos, do instituto do parcelamento.

Impende, destarte, definir o parcelamento de débitos tributários em perspectiva atual e consolidar entendimento sobre sua natureza jurídica e sua relação com a moratória, fazendo antes, por imprescindível, breve digressão sobre o que existia em doutrina e em jurisprudência antes do advento daquele diploma complementar.

2. A legislação de regência e os questionamentos que o tema sempre ofereceu

O Código Tributário Nacional instituiu a moratória como forma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (CTN, 151, I) e traçou as regras básicas de sua concessão, abrangência e revogação (CTN, 152 a 155). Noutro passo, nada disse a Lei nº 5.172/66 sobre parcelamento, nem como instituto diferente de moratória, nem como instituto contido no conceito de moratória individual ou geral.

Noutro giro, a análise da legislação ordinária editada na vigência do CTN relativa ao pagamento atrasado de débitos de natureza tributária para com a União, Estados e Distrito Federal, permite aferir que o legislador, raríssimas vezes, usou a expressão moratória para identificar tal natureza de benefício fiscal. Ao invés disso, sempre se fez menção a parcelamento, mas nunca definiu o instituto, talvez porque essa tarefa coubesse mesmo à lei complementar.

A doutrina, então, logo se dividiu. Alguns se atreveram a identificar dois institutos distintos: moratória sendo dilação de prazo sem acréscimo de acessórios (juros e multas); e parcelamento como dilação de prazo para pagamento no qual se incluíssem aqueles encargos. Outros defenderam uma relação de gênero e espécie, onde o parcelamento seria uma modalidade de moratória em que se fraciona o pagamento em prestações.

A jurisprudência sempre se mostrou rica no enfrentamento dos chamados efeitos jurídicos da moratória e do parcelamento, sendo pesadamente majoritário o entendimento de que o parcelamento implica suspensão da exigibilidade do crédito tributário tal como a moratória1. Entretanto, nunca foi verdadeiramente possível captar das decisões judiciais existentes um posicionamento majoritário e seguro a respeito da natureza jurídica dos dois institutos em questão.

A utilidade da diferenciação entre parcelamento e moratória está relacionada à necessidade de saber se os sistemas federal, estadual, distrital ou municipal de parcelamento de débitos tributários têm ou não que guardar conformidade com as regras do CTN sobre moratória, como por exemplo, a do art. 154, parágrafo único, da lei nacional, que trata da vedação da concessão do benefício para os casos de dolo, fraude ou simulação.2 À míngua de uma teorização completa sobre o tema na doutrina pátria, ou de seu perfeito tratamento legislativo, as discussões sempre desembocavam nas velhas perguntas: parcelamento e moratória são dois nomes de um mesmo instituto? Ou seria possível definir o parcelamento como uma forma atípica ou sui generis de suspensão da exigibilidade do crédito tributário? E mais: quais seriam as conseqüências jurídicas de uma ou outra resposta?

3. A doutrina que se construiu sobre a matéria

Nos mais conhecidos cursos e manuais de direito tributário, o parcelamento é geralmente estudado junto com a moratória, portanto, dentro dos comentários às formas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. De tudo o que se escreveu sobre o tema, é certo dizer que a natureza jurídica do parcelamento deu origem a diversas correntes doutrinárias, dentre as quais se destacam: a) parcelamento como modalidade de moratória; b) parcelamento como transação; c) parcelamento como novação; d) parcelamento como causa sui generis de suspensão do crédito tributário.

Parcelamento como modalidade de moratória: Para alguns, a moratória consiste na dilação do prazo para o pagamento do crédito tributário, sendo o parcelamento do débito a modalidade mais utilizada. Sob essa perspectiva, a moratória pode se dar tanto pela simples dilatação do prazo para pagamento único como também pela dilatação de prazo para pagamento em prestações, caso em que ganha o nome de parcelamento.3

Os que trilham esse caminho, interpretam o CTN segundo as lições de Fábio Fanucchi, que assim doutrinou sobre o tema:

"(...) A moratória poderá abranger créditos vencidos e vincendos, tudo dependendo das condições insertas no diploma legal específico

(...) A respeito dos parcelamentos, tem-se discutido sobre a legitimidade da inclusão, ao crédito, de multa e juros moratórios verificados devidos após a concessão do favor. Em princípio, não houvesse na legislação específica ordenamento de inclusão das multas e juros moratórios ao valor original do crédito como condição para a concessão da moratória, parece claro que não deveria haver o acréscimo, desde que concedida a prorrogação do prazo para pagamento do crédito. Tal acréscimo, como se conclui pela letra da lei nacional tributária, se justificaria quando e se revogada a moratória, por inadimplemento de condições que justificassem a concessão do favor, com ou sem a prática de dolo ou simulação pelo beneficiado, ou por terceiro em favorecimento daquele (...) Se, pela lei nacional, o acréscimo de simples juros moratórios só é cogitado no instante em que se ditam as normas de revogação do favor de prorrogação no prazo do pagamento, infere-se daí não ser cabível esse acréscimo enquanto não revogada a moratória".4

Contra essa corrente, opõe-se àquela que declara inconfundíveis parcelamento e moratória, exatamente porque...

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