Parcerias empresariais (joint ventures) nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil

AutorJosé Alberto Bucheb
Páginas156-178

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I Introdução

O fenómeno da concentração de empresas tem se verificado em escala mundial em todos os setores da economia, sendo objeto de permanente preocupação das agências reguladoras e dos órgãos responsáveis pela prevenção do abuso do poder económico e da defesa da livre concorrência. As modalidades mais frequentes de concentrações empresariais são as incorporações e as fusões. Nesses processos, pelo menos um dos agentes perde sua autonomia. Alternativamente, na busca de objeti-vos comuns, os agentes económicos podem ainda associar-se na forma de parcerias empresariais (joint ventures), preservando sua autonomia.

Uma outra classificação desse mesmo fenómeno leva em conta as posições relativas das empresas na cadeia produtiva. Nessa linha, Paula Forgioni identifica três tipos de concentrações: verticais, horizontais e conglomeradas. "As concentrações verticais se dão entre agentes económicos que atuam em diferentes níveis da cadeia produtiva", isto é, "é vertical se os partícipes desenvolvem suas atividades em mercados relevantes, a 'montante' ou a 'jusante', ou seja, concentrados no processo produtivo ou de distribuição do produto".1 Como observado por Renata R. M. Santos, em operações desta natureza, intenciona-se, muitas vezes, dificultar o acesso do concorrente a um produto ou matéria-prima.2 De outra parte, a concentração horizontal envolve agentes económicos que atuam no mesmo mercado relevante, estando, portanto, em direta relação de concorrência.3 Já as concentrações conglomeradas são aquelas uniões entre empresas cujos produtos

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não possuem qualquer relação de concorrência ou complementaridade.4

Adicionalmente, o fenómeno da concentração de empresas pode se dar ainda na forma de grupos de empresas. Na sistemática da Lei das S/A (Lei n. 6.404/1976), os grupos empresariais são divididos em dois conjuntos. O primeiro, constituído pelos grupos de subordinação, inclui os grupos de fato, regulados por meio dos arts. 243 a 264, e os grupos de direito, cuja disciplina é estabelecida nos arts. 265 a 277. Nos grupos de direito, a controladora e suas controladas, sem perda de autonomia jurídica, atuam sob uma única direção, disciplinada por uma convenção arquivada no registro de comércio da sede da sociedade de comando. Neste caso, a combinação de recursos e esforços, bem como a subordinação de interesses de uma sociedade aos de outra, ou do grupo, será lícito, e não configurará abuso de poder.5 Em contrapartida, nos grupos de fato, caracterizados pela atuação em conjunto da sociedade controladora, suas controladas e suas coli-gadas, as operações entre as sociedades devem obedecer ao princípio da equivalência das condições, realizando-se apenas negócios comutativos ou com pagamento compensatório.6 A decisão das organizações estruturarem-se como grupo de direito, grupo de fato ou como empresa integrada, em regra, é fundamentada no planejamento tributário de cada instituição.7 Nessa linha, os grupos económicos dividem-se ainda entre os estruturados a partir umaHolding pura, assim entendida a empresa que tem por escopo o exercício das atividades de participação e controle de outras empresas, e a Holding mista, que ao lado das atividades de participação financeira e de controle exerce diretamente atividades industriais ou comerciais.8

No segundo conjunto, têm-se os grupos de coordenação, que correspondem aos consórcios de empresas. Os consórcios são regidos pelas disposições contidas nos arts. 278 e 279 da Lei das Sociedades por Ações.

A Figura 1 resume esquematicamente as três classificações acima referidas.

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2. Os empreendimentos de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural (E&P)

Para se analisar o fenómeno da concentração de empresas no segmento de E&P da indústria do petróleo, é importante situar o contexto em que se desenvolvem tais empreendimentos. No Brasil, as atividades de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos somente podem ser exercidas mediante concessão, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, na forma do disposto na Lei n. 9.478/1997 (Lei do Petróleo). Assim, as empresas que executam atividades na área de E&P podem ser divididas em dois grandes subconjuntos: as concessionárias e as não-concessionárias (Figura 2).

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Entre as concessionárias, de acordo com os critérios técnicos estabelecidos no Edital de Licitações para a Outorga dos Contratos de Concessão, as empresas são classificadas, pela ANP, como operadora A (empresa qualificada para operar em qualquer bloco9), operadora B (empresa qualificada para operar blocos em água rasa10 ou em terra), operadora C (empresa

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qualificada para operar somente nos blocos situados em terra), operadora D (empresa qualificada para operar em blocos contendo áreas inativas com acumulações marginais) ou não-operadora, assim definida a empresa que não seja do ramo de exploração e produção de petróleo e gás natural, ou que desejar ser qualificada como tal. A qualificação como operadora é obrigatória para apresentação de oferta individual. A empresa qualificada como não-operadora e aquelas qualificadas como operadoras B, C ou D, conforme o caso, somente poderão participar da licitação num grupo que tenha, como operadora (empresa-líder), uma empresa qualificada para operar no bloco considerado.

No segundo subconjunto, incluem-se, de maneira geral, as empresas prestadoras de serviços, as fornecedoras de materiais e equipamentos, as instituições financeiras e os agentes do concessionário. Entre as prestadoras de serviços, pode-se distinguir as Empresas de Aquisição de Dados (EAD), especializadas na execução de levantamentos de dados técnicos, destinados à comercialização, em bases não-exclusivas (art. 3a, III, da Lei do Petróleo), e que têm suas ati-vidades reguladas por meio do regime especial estabelecido na Portaria ANP n. 188/ 1998, as prestadoras de serviço (de exploração ou de rejuvenescimento de campos) com cláusula de risco, e as prestadoras de serviços convencionais.

Nesse cenário, os empreendimentos de E&P em todo o mundo, a par de sua notória rentabilidade, são caracterizados, ainda, pelos altos riscos envolvidos e pelos elevados recursos financeiros necessários à sua execução. Tais fatores contribuem, decisivamente, para que as empresas atuantes nesse segmento da indústria do petróleo se associem, com frequência, formando parcerias empresariais, para conjugar esforços a fim de dividir os riscos, bem como oti-mizar seus portfolios de investimentos e suas estratégias empresariais de curto, médio e longo prazos.11

Os vínculos específicos entre essas empresas dão origem às diversas modalidades de parcerias empresariais de E&P, que serão objeto de análise no presente estudo. Em comum, tais modalidades apresentam duas características fundamentais: a preservação da autonomia das partes e a partilha dos riscos e recompensas do empreendimento conjunto.

3. Relações entre as empresas atuantes no setor de E&P

As relações entre as empresas atuantes no segmento de E&P vão condicionar, em cada caso, a natureza da parceria empresarial que será constituída. Nessa linha de ideias, duas espécies do género parcerias empresariais de E&P podem ser definidas: as alianças ou concentrações horizontais e as verticais, como ilustrado na Figura 3.

A diferença básica entre esses dois tipos de associações diz respeito à natureza do vínculo que se estabelece entre as empresas. No primeiro grupo (alianças horizontais), a gestão do empreendimento é compartilhada por todas as parceiras, enquanto no segundo, as empresas se dividem entre as responsáveis pela gestão e aquelas que, embora compartilhem os riscos do empreendimento com a empresa gestora, limitam-se à fiscalização da administração do empreendimento.

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As alianças horizontais, também referidas como parcerias operacionais, verificam-se entre empresas concessionárias dos direitos de exploração, desenvolvimento e produção de um determinado bloco. Trata-se, assim, de associação entre empresas concorrentes, que ocorre com bastante frequência em escala mundial na área de E&P, em razão dos já mencionados elevados riscos e altos custos, típicos desses empreendimentos. As alianças verticais, por outro lado, na maioria dos casos são constituídas por apenas duas empresas, sendo que uma delas detém os direitos de exploração e produção e a outra, tipicamente, é uma prestadora de serviços especializados de E&P ou uma instituição financeira, conforme o caso.

Entre as alianças horizontais e verticais, distinguem-se, ainda, as equity e as non-equity joint ventures, conforme os co-venturers aportem ou não recursos financeiros.1213

4. Alianças horizontais: parcerias operacionais de E&P

As parcerias operacionais de E&P podem ser classificadas de acordo com dois critérios. O primeiro critério leva em conta a natureza jurídica do vínculo formado entre as empresas parceiras, enquanto o segundo, toma em consideração a motivação que deu origem ao empreendimento comum.

De acordo com primeiro critério, a parceria pode ser contratual, com a constituição de um consórcio, na forma do disposto nos arts. 278 e 279 da Lei das S/A, e pode ser societária, devendo, nessa hipóte-

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se, constituir-se segundo um dos tipos de...

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