As Parcerias Público-Privadas: Solução ou Problema?

AutorGilson Dantas de Santana; Hélio de Souza Rodrigues Júnior
Páginas148-181

Gilson Dantas de Santana. Doutor em sociologia pela Unb. dantas_dr@yahoo.com.br

Hélio de Souza Rodrigues Júnior. Mestrando em Direito e Políticas Públicas pelo UniCEUB, especialista em Filosofia Política pela UFC; especialista em Direito Constitucional pela UNIFOR. rodrigues.helio@terra.com.br

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1 As parcerias público-privadas
1. 1 Ampla caracterização

O marco legal de criação das parcerias público-privadas (PPPs) para a União foi a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que “institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública”. A legislação brasileira procurou inspirar-se na experiência estrangeira de países, como Espanha, Portugal e Inglaterra. Os britânicos têm experiência maior no campo das PPPs, tanto que especialistas em PPPs daquele país – PFIs, Project Finance Initiatives – assessoraram o governo Lula3 durante a tramitação da Lei nº 11.079/2004 no Congresso Nacional.

As PPPs são definidas por uma grande empresa de consultoria especializada na matéria como um sistema de contratação de serviços públicos que regula as relações negociais, em contratos de longo prazo, entre o setor público e uma empresa privada ou um consórcio de empresas privadas, visando ao fornecimento de serviços públicos. A empresa ou o consórcio, geralmente assumem a responsabilidade pelo projeto, por exemplo, de engenharia, construção, operação e financiamento do empreendimento, com uma estrutura de alocação de riscos otimizadora dos recursos financeiros alocados (best Value for MoneyVfM). Portanto, sem discrepância com a definição legal e previstas no art. 2º da mencionada legislação, as PPPs são uma “modalidade de delegação” de atribuições do Estado ao setor privado na qual entram recursos financeiros de ambas as partes e onde o Estado espera contar com a agilidade e a eficiência do empreendedor privado; ou, na definição do Ministério do Planejamento: PPPs são contratos entre o setor público e o privado com o objetivo de entregar um projeto ou um serviço tradicionalmente provido apenas pelo setor público para a esfera privada. (www.planejamento.gov.br/planejamento_investimento/conteúdo/notícias, acessado em 09 de setembro de 2005).

São apontados como as grandes utilidades das PPPs os projetos de infra-estrutura de longa maturação e que impliquem em grandes investimentos, ou seja, quando se trate de projetos que, normalmente, não atraem o empresariado privado, mas onde o Estado poderá, desde que ofereça certas garantias, mostrar-se capaz de atrair aquele investimento. Assim, diz-Page 150se que as PPPs têm um duplo objetivo: adotar um tipo de contrato e de “colaboração positiva” que articule a falta de recursos financeiros do Estado com a “eficiência de gestão do setor privado”; valer para áreas, como segurança pública, habitação, saneamento básico, infra-estrutura viária, elétrica e outras áreas. Sobre este último aspecto, chamamos rápida atenção aqui para o art. 4º, inciso III da Lei nº 11.079, de 2004, em que são definidas áreas onde o uso das PPPs são vedadas, pois o curioso é que isso pode gerar duas interpretações: ou poderá ser visto como uma espécie de “lista”, tal como Gaston Jèze já observava que serviço público é definido pelo Estado e não pela natureza do serviço4; ou se pode entender que tal pequeno rol é apenas o reconhecimento da natureza desses serviços e que, por isso mesmo foi feito tal enumeração.

Podemos extrair, também, como objetivos5 dessa forma contratual entre o Estado e o particular que as PPPs:

i) visam reduzir os dispêndios orçamentários com investimento do setor público;

ii) transformam um dispêndio de capital (concentrado no início do projeto) em um dispêndio orçamentário de custeio (ao longo da vida do projeto);

iii) maximizam o valor dos recursos alocados ao longo do projeto, por meio da mitigação dos riscos, maximização da eficiência e inovação na estruturação dos contratos;

iv) induzem o setor público a desenvolver políticas macroeconômicas e sociais, levando em conta a consistência destas e a eficiência nas compras de bens e contratação de serviços;

v) induzem o setor privado a prestar serviços visando à racionalização dos custos e o atendimento na qualidade exigida;

vi) levam o setor público a definir suas prioridades por metas desejadas (outputs), delegando ao setor privado a escolha dos meios (inputs).

No mesmo passo são enumerados como princípios6 das PPPs, inclusive

englobando as diretrizes previstas no art. 4º da Lei nº 11.079, de 2004:

(i) a criação de um mecanismo de pagamento pelo setor público, direta ou indiretamente, para entidades do setor privado, prestadoras de serviços públicos, na qual os desembolsos são realizados de acordo com a execução e a qualidade dos serviços prestados pelo concessionário;

(ii) a especificação prévia detalhada da produção e distribuição dos bens e serviços, bem como a definição clara da qualidade requerida;

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(iii) o valor do projeto é mensurado em termos de custos ajustados ao risco e ao longo da vida do projeto;

(iv) a identificação precisa dos riscos e o estabelecimento de seus mitigantes; (v) a mudança radical na cultura e no ambiente organizacional do setor público – há impacto da cultura do operador privado sobre a cultura usual do serviço público;

(vi) o cumprimento rigoroso dos cronogramas de desembolso e execução de obras – quiçá com previsão de multas por atraso ou por performance abaixo do padrão mínimo;

(vii) a contabilização de passivos de longo prazo recorrentes, não facilmente identificáveis, evitando tomar decisões que contemplem unicamente políticas de curto prazo baseadas em regime de caixa.

Deste modo, são apresentados7 como pré-requisitos para as PPPs:

- a existência de apoio político a fim de garantir a continuidade e a previsibilidade dos negócios;

- uma lei e regulamentação que viabilize a implementação dos projetos;

- a criação de expertise pelos agentes públicos e privados;

- a definição de fluxos de caixa previsíveis e adequados; a otimização da estrutura contratual, com a inclusão de cláusulas de alteração contratual flexíveis, para adaptar as condições iniciais às mudanças de conjuntura, evitando indexação automática e distorções não previstas no início do contrato.

A motivação para a criação das PPPs foi a de que o Estado brasileiro não dispõe de recursos para grandes investimentos na área pública. Não conta com caixa para projetos de infra-estrutura tão necessários para o crescimento da economia brasileira e para os grandes projetos e investimentos na área social. As PPPs pretendem ser uma ferramenta poderosa para mobilizar a iniciativa privada em parceria com o Estado, no sentido de, juntos, tocarem obras sociais e de infra-estrutura, desde estradas, energia elétrica, hospitais a penitenciárias. O ponto central que sempre envolveu o programa foram polêmicas sobre a pressão por mais concessões e garantias de parte do setor privado em relação ao governo, daí a advertência de Werneck:

“É preciso ter em conta, em primeiro lugar, que o cerne da proposta – a garantia pelo governo de um mínimo de rentabilidade em investimentos de retorno baixo ou paticularmente incerto – é uma idéia bastante velha. No Brasil, tem pelo menos 150 anos. Em 1852, quando Pedro II ainda era um jovem monarca, o governo imperial promulgou legislação que assegurava retorno mínimo de 5% ao ano a investimentos em ferrovias. Em muitos casos a rentabilidade garantida chegou a 7%, à medida que governos provinciais se dispuseram a conceder estímulos adicionais. Ainda no século 19, esse mesmo esquema de incentivo foi utilizado em outras áreas. EmPage 152 1875, por exemplo, foi aplicado a um programa de modernização do setor açucareiro no Nordeste, que previa a construção de uma rede de engenhos centrais, que introduziriam tecnologia mais avançada e assegurariam mercado a pequenos produtores de cana. Programa que, apesar da rentabilidade assegurada pelo governo, acabou sendo um completo fracasso. Cem anos depois, em meados da década de setenta do século passado, a idéia de garantia de rentabilidade mínima pelo governo havia sido completamente abandonada. Os esquemas de parceria público-privada tinham assumido outros formatos. De um lado, havia o modelo do terço. Empresas em que o governo se associava ao capital estrangeiro e ao capital privado nacional. De outro, tinha-se o BNDES, pronto a subscrever ações de empresas privadas e a conceder empréstimos de longo prazo com teto de correção monetária de 20% ao ano”. (WERNECK, Jornal O Estado de São Paulo de 24 de outubro de 2003).

Se, dessa nota, podemos perceber que, a rigor, sob o enfoque econômico, as PPPs representam uma “idéia bastante velha, que no Brasil tem pelo menos 150 anos”, também pelo enfoque jurídico, esse instrumento caminha muito mais na direção de buscar atender a uma demanda específica dos interesses empresariais envolvidos do que ser a instauração de um elemento novo na seara do Direito Administrativo, pois, conforme nos diz Carlos Bastite Horbach:

“as parceria público-privadas são mais uma técnica de administração do que um novo instituto jurídico que mereça normatização própria e específica no Direito brasileiro, há de se indagar o porquê do desenvolvimento de toda uma conformação jurídica específica para regulá-las. A resposta a essa pergunta parece residir em questões...

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