Parentelas, grupos dirigentes e alianças políticas

AutorFernanda Rios Petrarca, Wilson José Ferreira de Oliveira
Páginas191-224
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n37p191
191191 – 224
Parentelas, grupos dirigentes
e alianças políticas
Fernanda Rios Petrarca1
Wilson José Ferreira de Oliveira2
Resumo
Este artigo demonstra que o conceito de parentela constitui uma importante contribuição heu-
rística, na medida em que nos permite apreender o papel central que desempenharam os laços
sociais e o sistema de alianças nas dinâmicas de composição e de recomposição dos grupos
dirigentes. Tal abordagem visa fornecer elementos para um deslocamento dos debates sobre a
politização como consequência da separação e interferência entre ordens de atividades distintas
e autônomas. Isto requer uma maior atenção à descrição das múltiplas formas de dominação
e organização políticas e, principalmente, a ruptura com as clivagens e antagonismos entre as
sociedades fundadas em pressupostos e ideologias eurocêntricas.
Palavras-chave: Eurocentrismo. Grupos Dirigentes. Alianças políticas. Parentelas.
Apresentação3
As relações da política com outros universos sociais têm sido objeto de
um conjunto de pesquisas que, de forma diversicada, aponta para o amál-
gama entre estes diferentes espaços. De um lado, um conjunto de autores
preocupa-se em demonstrar em que medida os efeitos dessa conexão afeta a
1 Pós-doutora e doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). É professora adjunta no De-
partamento de Ciências Sociais (DCS) da UFS e no Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) dessa
mesma universidade. E-mail: f.petrarca@hotmail.com
2 É professor Associado 3 da Universidade Federal de Sergipe (UFS), no Departamento de Ciências Sociais
(DCS), no Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) e Programa de Pós-Graduação em Antropologia
(PPGA). Possui doutorado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
E-mail: etnograf‌ia.politica@gmail.com ou etnograf‌iasdapolitica@gmail.com
3 A pesquisa que deu origem a esse trabalho foi f‌inanciada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES), através do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD) NF 2009,
pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científ‌ico e Tecnológico (CNPq) e pela Universidade Federal de
Sergipe (UFS).
Parentelas, Grupos Dirigentes e Alianças Políticas | Fernanda Rios Petrarca e Wilson José Ferreira de Oliveira
192 191 – 224
autonomia de determinadas esferas, comprometendo o que se produz nelas
e gerando consequências na sua forma de organização. Nessas condições, a
autonomia depende do enfraquecimento das posições dependentes do campo
político ou diretamente a ele associados. De outro lado, a preocupação se
volta para a dinâmica que assume essa relação em determinadas circunstâncias
sociais, históricas, políticas e culturais.
Tomar como ponto de partida e princípio geral de análise os chamados
processos históricos de separação, diferenciação e especialização de ordens de
atividades distintas, tem sido uma das principais vias para o exame de tais rela-
ções. Todavia, aceitar como dado tal postulado não nos parece suciente para
dar conta dos processos concretos e das lógicas práticas que constantemente os
une ou os distingue em diferentes contextos e situações. O exame das condições,
dos processos e das lógicas de formação e de recomposição de grupos dirigentes
constitui uma das alternativas pertinentes para a apreensão de como tais relações
são constantemente redenidas e transformadas. Nesse artigo, tomamos como
objeto de análise as dinâmicas de formação e de recomposição das elites dirigen-
tes no estado de Sergipe. Interessa, portanto, demonstrar os diferentes níveis de
associação com a política, as diversas formas de interseção e de politização.
Um dos conceitos que se apresentou como central para dar conta disso foi
o de “parentela”, uma vez que nos permitiu compreender como uma lógica cen-
trada nas redes de base familiar conectava a política a outras esferas, como a das
prossões e a da política partidária. Primeiramente, mediante um conjunto de
alianças “de base familiar” que sustentavam o controle das famílias que apenas
poderiam dominar na condição de aliadas. Em segundo lugar, pela mobiliza-
ção de um conjunto de recursos cada vez mais variados que contribuiu para a
diversicação e ampliação da estrutura de capitais do grupo: títulos escolares,
associações patronais, famílias, alianças políticas, alianças matrimoniais múlti-
plas, endogâmicas ou exogâmicas etc. E por m, pelo processo de transformação
das parentelas em redes de relações diversicadas, cuja característica central é a
manutenção dos laços de solidariedade fortes nas dinâmicas das elites dirigentes.
Assim, tal análise demonstra as continuidades e transformações dos processos e
lógicas de constituição dos grupos dirigentes que mobilizaram, para além das
redes de base familiar, as relações e redes pessoais.
Nossa abordagem visa a fornecer elementos para um deslocamento dos
debates sobre a politização como consequência da interferência da política em
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 37 - Set./Dez. de 2017
193191 – 224
outras esferas sociais afetando sua autonomia. Para isso, daremos destaque ao
aspecto descritivo e analítico dos processos de gênese e de consolidação da re-
lação entre família, política e grupos dirigentes no estado de Sergipe. Um dos
principais fundamentos das abordagens que partem dos chamados processos
de politização está relacionado a um modelo ideal típico que em geral não se
costuma realizar em nenhuma condição. Além disso, ela corresponde a uma
categoria analítica que resulta de determinadas particularidades e sua univer-
salização tende a se tornar um grave problema para as ciências sociais, uma
vez que cria falsos objetos de análise. Uma das maneiras de evitar isso é histo-
ricizando e contextualizando essas categorias que se impõem como universais.
“As parentelas não são jabuticabas”
Como já é sabido, durante muito tempo as análises do poder e da polí-
tica foram dominadas por pressupostos evolucionistas e eurocêntricos. Tais
formulações tinham como base a dicotomia entre “sociedades primitivas” e
“modernas” e a concepção da mudança e do desenvolvimento social e político
como passagem do “natural”, “simples”, “arcaico” para o “racional”, “com-
plexo”, “desenvolvido” etc. (BOCK, 1980). Nessa ótica, a caracterização das
diversas formas de organização política e de suas transformações era concebida
como uma passagem “necessária” da “não diferenciação das sociedades tradi-
cionais” para o advento de “sociedades modernas” e diferenciadas (OLIVEI-
RA, 2015; DONEGANI, 2006).
As formulações de Parsons e Easton, centradas na ideia de “sistema polí-
tico” e de “advento do Estado como resultado necessário de requisitos do tipo
sistêmico” (DONEGANI, 2006, p. 6) são exemplos da permanência e longe-
vidade de tais pressupostos na análise dos fenômenos políticos. Nessa perspec-
tiva, as sociedades cujas formas de organização política não se encaixassem em
tais denições eram abordadas negativamente, na medida em que faltava a elas
alguma propriedade ou atributo tido como essencial (PALMEIRA; GOLD-
MAN, 1996). Com base nessas noções, tais formas de organização social e
política eram classicadas sob a tipologia da “falta”, da “carência” e da “ausên-
cia”, como “sociedades sem Estado”, “sociedades sem poder”, “sociedades sem
política” (CLASTRES, 1990; OLIVEIRA, 2015).
Isso porque as classicações que pretendiam dar conta da variabilidade
e diferença entre os sistemas políticos acabavam fazendo um recenseamento

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT