Parte geral

AutorWander Garcia/Gabriela Rodrigues
Páginas23-119
Capítulo 2
PARTE GERAL
2.1. PESSOAS NATURAIS
2.1.1. Generalidades
O Direito regula a relação jurídica entre as pessoas. E quais são os elementos de uma
relação jurídica? São três: a) sujeitos de direito, que são os entes que podem fazer parte
de uma relação jurídica, normalmente pessoas (um animal, por exemplo, não pode fazer
parte de uma relação jurídica, mas apenas ser um objeto dela); b) um objeto, que é, de
modo imediato, uma obrigação (de dar, de fazer de não fazer), e, de modo mediato, o
bem da vida buscado (um móvel, um imóvel, um semovente, a honra, a vida etc.); e c) um
acontecimento que faz nascer a tal relação, uma vez que não é qualquer fato do mundo
fenomênico que gera uma “relação jurídica, sendo necessário que essa situação esteja pre-
vista numa norma jurídica como apta a fazer criar, a modificar ou a extinguir um direito.
A partir da noção do que regula o Direito (relação jurídica) e de que somente pes-
soas (naturais ou jurídicas) podem fazer parte de uma relação jurídica, mostra-se, assim,
a importância de estudar as pessoas. Excepcionalmente, um ente não personalizado, ou
seja, alguém que não seja uma pessoa também poderá fazer parte de uma relação jurídica,
como o espólio e o nascituro. De qualquer forma, vamos ao estudo das pessoas naturais,
que, como se viu, são, por excelência, elementos essenciais das relações jurídicas.
2.1.2. Conceito de pessoa natural
Pessoa natural é o ser humano. O Código Civil, em seu art. 1º, dota de personalidade
o ser humano.
2.1.3. Personalidade
Personalidade é a qualificação conferida pela lei a certos entes, que entrega a esses
aptidão ou capacidade genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. Ou seja, é uma
qualificação legal que confere capacidade jurídica a certos entes. O direito confere tal qua-
lificação jurídica a toda pessoa, inclusive à pessoa jurídica.
Assim, a personalidade pode ser vista como o atributo que a ordem jurídica confere a
entes de adquirir/contrair genericamente direitos e obrigações. Quem tem personalidade
é, então, sujeito de direito, qualificação que não se pode dar a um animal, por exemplo, já
que tais entes não podem adquirir direitos ou contrair obrigações.
Para atuar na vida jurídica é necessário, como regra, ter personalidade jurídica. A
origem da palavra traz esse sentido. Em latim, persona significa a máscara que os atores
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usavam para a amplificação de sua voz. Para atuar no teatro, portanto, tais máscaras tam-
bém eram necessárias (per sonare).
Deve-se tomar cuidado com a expressão “sujeito de direito, visto que há entes que
não têm personalidade, mas que são sujeitos de direitos, tais como o nascituro, o espólio,
a massa falida, o condomínio edilício, a herança jacente e a herança vacante. Neste caso,
não existe aptidão genérica para contrair direitos e obrigações, mas aptidão específica para
contrair certos direitos e certas obrigações ligadas às finalidades do ente.
Enquanto uma pessoa, sujeito de direito personificado, por ter personalidade, pode
fazer tudo o que a lei não proíbe (art. 5º, II, da CF), um sujeito de direito não personificado
só pode fazer o que a lei permite.
O nascituro, por exemplo, não tem personalidade jurídica, mas a lei põe a salvo, des-
de a concepção, direitos que possa ter (art. 2º do CC). Isso significa que o nascituro é um
sujeito de direito, mas não quer dizer que tenha personalidade, ou seja, que tenha aptidão
genérica para realizar atos e negócios jurídicos.
O condomínio edilício também. Não tem personalidade, ou seja, não tem quali-
ficação que o habilita a praticar qualquer ato jurídico que não seja proibido em lei, mas,
por ser um sujeito de direito despersonificado, só está habilitado a praticar atos permitidos
expressa ou implicitamente em lei, como contratar funcionários e serviços de manutenção.
A massa falida também é um sujeito de direito despersonificado, tendo autorização espe-
cial para praticar atos úteis à administração dos bens arrecadados do empresário falido,
podendo cobrar créditos desse, por exemplo.
Resta saber quando um ente passa a ser qualificado como dotado de personalidade.
Ou seja, quando se tem o início da personalidade. No que concerne à pessoa jurídica,
veremos em capítulo próprio. Quanto à pessoa natural, dispõe o art. 2º do CC que “a per-
sonalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida”.
O entendimento predominante sobre o que seja nascimento com vida é no sentido
de que este se dá no exato instante em que a pessoa dada à luz respira. São dois requisitos,
portanto: a) separação do ventre materno; e b) respiração. Das múltiplas funções vitais, o
primeiro movimento de inspiração do ar atmosférico para os pulmões caracteriza o nasci-
mento com vida. Caso respire, ainda que uma só vez, pode-se dizer que nasceu com vida,
e que, portanto, chegou a adquirir personalidade, pouco importando se tem ou não forma
humana e se tem ou não aptidão, perspectiva para viver1.
Adotamos, portanto, a teoria natalista, segundo a qual o nascimento com vida faz
nascer a personalidade, em detrimento de outras teorias, como a concepcionista, para qual
a personalidade já se inicia com a fecundação do óvulo e as que consideram que o início
da personalidade depende de outros fatores, como a viabilidade de vida.
De qualquer forma, ainda que em perfeito estado quanto às demais faculdades de
saúde, caso o ente que venha a nascer (separe-se do ventre materno) não respire, não terá
adquirido personalidade. A entrada de ar nos pulmões da criança é que determina a aqui-
1. Na França condiciona-se a tutela dos direitos do nascituro à viabilidade da vida fora do útero por parte do nascido.
Na Espanha, exige-se que o recém-nascido tenha forma humana e tenha vivido 24 horas, para que possa adquirir
personalidade. A ideia de que se deve ter forma humana é um resquício do tempo em que se achava ser possível
o nascimento de um ser da relação entre um ser humano e um animal. Na Argentina, a simples concepção já dá
início à personalidade.
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sição da personalidade, ainda que por pouco instantes. Há vários exames periciais para
que se faça tal constatação e o mais conhecido é a docimasia hidrostática de Galeno, pela
qual se coloca fragmentos dos pulmões em meio líquido, a fim de se verificar se houve ou
não inspiração.
O nascituro, ou seja, aquele que já foi concebido, mas ainda não nasceu com vida,
não tem personalidade, como se viu. Todavia, dispõe o art. 2º do CC que “a lei põe a salvo,
desde a concepção”, seus direitos. Em outras palavras, o nascituro é um sujeito de direito
despersonificado. Grande parte dos direitos atribuídos a esse sujeito de direito tem sua
aquisição subordinada à implementação de uma condição suspensiva, qual seja, a de que
nasça com vida. Caso nasça com vida, o direito do nascituro se consolida como existente
desde a data da concepção, retroagindo, portanto, seus efeitos.
De qualquer forma, permite a lei que determinados interesses possam ser protegidos
desde a concepção, por meio de provimentos cautelares. Dentre seus direitos, vale lembrar
os direitos à vida (art. 5º da CF e CP), à filiação (do CC), à integridade física, a alimentos,
a uma adequada assistência pré-natal (art. 8º do ECA), a um curador que represente e zele
por seus interesses, a ser contemplado por doação (art. 542 do CC), dentre outros.
2.1.4. Capacidade jurídica
Capacidade jurídica pode ser conceituada como a aptidão conferida pela ordem ju-
rídica para adquirir direitos e contrair obrigações2.
Só tem capacidade jurídica, ou seja, capacidade para praticar atos jurídicos, os entes
eleitos pelo Direito. É a ordem jurídica que dirá quem tem capacidade.
Ao distribuir capacidade a certos entes o Direito faz algumas distinções. É por isso
que há três espécies de capacidade: a) a capacidade de direito (de gozo ou de fruição); b)
a capacidade de fato (ou de exercício); e c) a capacidade excepcional (ou especial).
Capacidade de direito consiste na aptidão genérica conferida pela ordem jurídica
para adquirir direitos e contrair deveres.
Capacidade de fato consiste na aptidão genérica conferida pela ordem jurídica para,
sozinho, adquirir direitos e contrair deveres.
Capacidade excepcional consiste na aptidão especial conferida pelo Direito para ad-
quirir direitos e contrair dev eres.
No primeiro caso, repare que a aptidão é genérica, ou seja, é possível adquirir todos
os direitos e contrair todos os deveres que não forem vedados. Essa aptidão genérica para
a prática de atos da vida civil é consequência de se ter personalidade, pois, segundo o CC,
“tod a pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” (art. 1º). Assim, uma criança de
três anos, um adulto, uma pessoa jurídica, todos, só por serem pessoas, terão capacidade
de direito. Isso possibilita que uma criança receba uma herança (aquisição de direitos) e
tenha um imóvel em seu nome locado (o que importa em contrair deveres).
No segundo caso, repare que a pessoa pode praticar sozinha os atos da vida jurídi-
ca. Trata-se de um plus. Confere-se aqui a possibilidade de se adquirir um direito e de se
contrair uma obrigação por si só, ou seja, sem que seja necessário que o interessado seja
2. O termo capacidade tem origem no latim capere, que significa apoderar-se, adquirir, apanhar.
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