Partilha de bens e extinção de condomínio: juízo competente para a fase de cumprimento de sentença

AutorJosiane Araújo Gomes
Páginas339-351

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À luz da legislação processual civil ora em vigor (Lei n° 13.105/15), o presente estudo tem por objetivo analisar a competência jurisdicional para processar o pe-dido de extinção de condomínio instituído quando da partilha de bens em sede de ação de divórcio ou ação de dissolução de união estável. Visa-se demonstrar, ao final, que a pretensão denominada de extinção de condomínio nada mais é do que o cumprimento da decisão judicial de partilha de bens que, na verdade, já deveria declarar a extinção da comunhão/condomínio, devendo seguir, por consequência, o rito do cumprimento de sentença, sendo, assim, competente o mesmo Juízo de Família que declarou a existência de tal condomínio, sob pena de ofensa aos princípios do juiz natural, da efetividade e da celeridade processuais, bem como ao instituto da coisa julgada, caso seja exigida a propositura de novo processo perante o Juízo Cível, demanda esta que, inclusive e inevitavelmente, ressuscitará todo o conflito familiar que havia sido objeto da ação originária.

Entrementes, em breve consulta à jurisprudência dos Tribunais Estaduais pátrios, é possível constatar que prevalece o entendimento de que, extinto o vínculo que justificava a competência da Vara da Família, por meio da decretação do

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divórcio ou da dissolução da união estável, remanesce relação jurídica de cunho meramente obrigacional, que envolve direito de propriedade, relativa a bem móvel/imóvel já devidamente partilhado, não estando, portanto, mais afeta ao âmbito da Vara de Família, cuja competência é absoluta. Logo, a pretensão de extinção de condomínio advindo da partilha de bens, segundo tal entendimento, deve ser deduzida pela via processual própria, perante o Juízo Cível, mesmo porque se trataria de ação de execução de natureza autônoma, com pedido e causa de pedir que não se confundem com os elementos da ação de divórcio/dissolução de união estável, motivo pelo qual inexistiria qualquer relação de acessoriedade e instrumentalidade entre as demandas, a ensejar o deslocamento da competência para a Vara especializada.

A título exemplificativo, cumpre relacionar os seguintes julgados, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL – IMÓVEL PARTILHADO EM AÇÃO DE DIVÓRCIO
– CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA
– EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO – COMPETÊNCIA DO JUÍZO CÍVEL
– RECURSO NÃO PROVIDO. 1 – Se as questões relativas à divisão de bens foram apreciadas, resta encerrada a prestação jurisdicional do juízo de família. 2 – Eventuais reflexos patrimoniais decorrentes do divórcio do casal, consubstanciadas na discussão sobre o direito de propriedade de bem imóvel, são de cunho exclusivamente de direito civil, razão porque devem ser distribuídos e processados perante o juízo competente. 3 – Recurso não provido. (TJMG. Apelação Cível
1.0024.11.332227-5/001, Relator Des. Rogério Coutinho, 8ª Câmara Cível, julgamento em 14/05/2015, publicação da súmula em 25/05/2015).

APELAÇÃO CÍVEL – EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO – IMÓVEL PARTILHADO EM AÇÃO DE DIVÓRCIO – INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DE FAMÍLIA – QUESTÃO QUE DEVE SER DIRIMIDA NO JUÍZO COMUM – REMESSA DOS AUTOS A UMA DAS VARAS CÍVEIS DA CAPITAL. ARTIGO 113, §2º, DO CPC. É da competência do Juízo de Vara Cível processar e julgar ação de extinção de condomínio relativo a bem imóvel , ainda que o condomínio tenha se originado de partilha realizada em ação de separação judicial. Reconhecida a incompetência absoluta da Vara de Família, em razão da matéria, a remessa dos autos ao juízo competente é medida que se impõe, nos termos do artigo 113 § 2º, do Código de Processo Civil. (TJMG. Apelação Cível
1.0024.13.201998-5/001, Relator Des. Armando Freire, 1ª Câmara Cível, julgamento em 10/02/2015, publicação da súmula em 24/02/2015).

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. Ação de extinção de condomínio. Partilha de bens na proporção de 50% para cada parte quando do divórcio

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consensual. Extinção do vínculo que ensejava a competência da Vara da Família e Sucessões. Relação subsistente de natureza cível, que não se confunde com o cumprimento da sentença proferida na ação de divórcio. Matéria que não está afeta à competência absoluta das Varas da Família e Sucessões. Competência do Juízo Cível, em razão do objeto. Conflito procedente. Competência do Juízo suscitado declarada. (TJSP. Conflito de Competência 0078903-30.2015.8.26.0000. Relator(a): Dora Aparecida Martins. Comarca: São Paulo. Órgão julgador: Câmara Especial. Data do julgamento: 19/09/2016; Data de registro: 21/09/2016).

Extinção de condomínio – Execução nos próprios autos da separação – Inadmissibilidade – Realizada a divisão do patrimônio do casal pelo fim do casamento, as questões envolvendo os bens têm caráter meramente patrimonial, não mais relacionados ao Direito de Família – Configurado interesse de agir – Extinção afastada – Sentença anulada – Recurso provido. (TJSP. Apelação 0003853-63.2009.8.26.0111. Relator: Eduardo Sá Pinto Sandeville. Comarca: Cajuru. Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 23/06/2016. Data de registro: 23/06/2016).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. ALIENAÇÃO DE COISA COMUM. TÍTULO CONSTITUÍDO EM PARTILHA DE DIVÓRCIO. FORO. SITUAÇÃO DA COISA. A demanda de extinção de condomínio pela alienação de coisa indivisível tem por foro competente o da situação da coisa. – A competência é da vara comum, ainda que o título de propriedade decorra de partilha em ação de separação ou divórcio processada por vara especializada. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. (TJRS. Agravo de Instrumento nº 70056444961, Décima Oitava Câmara Cível, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 01/11/2013).

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO PELA ALIENAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PRETENSÃO AUTÔNOMA. COMPETÊNCIA JUÍZO CÍVEL. I – É competente para processar e julgar ação com vistas a extinção de condomínio resultante de partilhas de bens realizada em separação judicial, o juízo da vara cível, pois se trata de tema sujeito a regras próprias e não se enquadra entre as matérias da competência do juízo de família. II – Conflito negativo de competência que se julga procedente determinando a remessa dos autos à 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Ambiental da Comarca de Luziânia. Conflito Negativo de Competência Procedente. (TJGO, Conflito de Competência 210942-62.2015.8.09.0000, Rel. Des. Norival Santomé, 2ª Seção Cível, julgado em 02/09/2015, DJe 1867 de 11/09/2015).

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Entretanto, apesar de ser indiscutível que, homologada a partilha no Juízo da Família, as questões envolvendo os bens do antigo casal passam a ter nature-za unicamente patrimonial, verifica-se que tal constatação não é suficiente para afastar a competência do Juízo de Família para processar o pedido de “extinção de condomínio”, pois tal situação deve ser analisada de acordo com as regras processuais de cumprimento de sentença, as quais exigem que a execução dos julgados seja promovida nos mesmos autos do processo de conhecimento, devido ao sincretismo processual.

Com efeito, um breve estudo histórico do direito processual civil demonstra que, em busca da efetividade da tutela jurisdicional, foram, aos poucos, eliminadas as barreiras que existiam entre as atividades judiciais cognitivas e executivas, instituindo o que se convencionou chamar de processo sincrético, ou seja, processo em que há tanto a certificação do direito pretendido na fase cognitiva quanto a efetivação da decisão judicial.

De fato, na legislação pátria, verifica-se que, quando do advento do Código de Processo Civil de 1973 (Lei nº 5.869/73), havia total separação entre o processo de conhecimento e o processo de execução2, situação esta que sofreu sua primeira alteração em 1994, quando a Lei nº 8.952 alterou o texto do art. 273 do CPC/1973, implantando a possibilidade da antecipação de tutela, o que permitiu fossem adotadas medidas de natureza executiva no bojo do processo cognitivo. Tal lei, outrossim, também alterou o disposto no art. 461 do CPC/73, possibilitando que, na ação que tivesse por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, fosse concedida a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinadas providências que assegurassem o resultado prático equivalente ao do adimplemento; restou previsto, ainda, que, sendo relevante o fundamento da demanda e...

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