É a partir dessa sementinha que nós vamos avançando'. As práticas agroecológicas do movimento de mulheres camponesas em Santa Catarina (MMC/SC)

AutorMariateresa Muraca
CargoDoutora em Ciências Humanas pelo Programa de Pós-Gradução Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC
Páginas195-211
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2018v15n1p75
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.15, n.1, p.75-91 Jan.-Abr. 2018
É A PARTIR DESSA SEMENTINHA QUE NÓS VAMOS AVANÇANDO.
AS PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS DO MOVIMENTO DE MULHERES
CAMPONESAS EM SANTA CATARINA (MMC/SC)
1
Mariateresa Muraca
2
Resumo
O artigo se origina de uma etnografia colaborativa iniciada em 2011 junto ao
Movimento de Mulheres Camponesas em Santa Catarina (MMC/SC), e visa delinear
a caracterização político-pedagógica da perspectiva agroecológica encarnada pelo
movimento, conjuntamente com as demais organizações da Via Campesina. As
reflexões apresentadas surgem da elaboração crítica de dados coletados através de
vários instrumentos: entrevistas narrativas, participação-observante, grupos focais,
análise de documentação, ações de devolução. Primeiramente a luta por
agroecologia será contextualizada no interior da trajetória do MMC/SC. O texto,
então, entrará no mérito das práticas agroecológicas do movimento, com especial
referência para as atividades de resgate, produção e multiplicação das sementes
crioulas e o uso das plantas medicinais. Os resultados apontaram o cunho feminista
e decolonial das práticas agroecológicas no interior do projeto popular de agricultura
camponesa do MMC.
Palavras chave: Movimento de Mulheres Camponesas. Agroecologia. Sementes
Crioulas. Plantas Medicinais. Projeto Popular de Agricultura.
1 INTRODUÇÃO
Esse artigo é fruto de um processo de pesquisa, que começou em 2011 e que
levou, entre outras atividades, a elaboração de uma tese de doutorado
interdisciplinar sobre as práticas pedagógicas do Movimento de Mulheres
Camponesas em Santa Caterina (MMC/SC). O MMC atualmente está articulado em
vinte e três estados brasileiros e em Santa Catarina está enraizado sobretudo na
região Oeste, donde foi realizado o trabalho de campo.
O referencial teórico da tese interliga as contribuições da pedagogia popular
freiriana, do feminismo da diferencia e do pensamento decolonial latinoamericano. A
abordagem metodológica em que se baseia é a etnografia colaborativa (LASSITER,
1
O artigo é dedicado às companheiras do Movimento de Mulheres Camponesas, na hora em que
estão enfrentando as consequências do golpe institucional.
2
Doutora em Ciências Humanas pelo Programa de Pós-Gradução Interdisciplinar em Ciências
Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. Pesquisadora de pós-
doutorado em Ciências da Educação na Universidade de Verona, Itália. E-mail:
mariateresa.muraca@univr.it
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.15, n.1, p.75-91 Jan.-Abr. 2018
2005). A pesquisadora conviveu ao longo de seis meses nas casas das lideranças
da regional São José do Cedro, deslocando-se nos municípios de São José do
Cedro, Guarujá do Sul, Palma Sola, Dionísio Cerqueira, Anchieta. Os dados foram
coletados por meio da participação-observante (TEDLOCK, 1991), de trinta
entrevistas narrativas com militantes, lideranças e coordenadoras, da análise da
documentação, de seis grupos focais.
Em particular, a escrita do presente artigo foi estimulada por alguns
encontros e seminários organizados em ocasião da primeira visita do Movimento de
Mulheres Camponesas na Itália, de 5 a 25 maio 2016, e culminados com a
participação de algumas coordenadoras do movimento, Lucimar Roman, Ivanete
Mantelli e Zenaide Da Silva, no Congresso Internacional “Conexões decoloniais.
Práticas que recriam convivência” realizado na Universidade de Verona.
A visita das lideranças na Itália e a escrita deste texto formam parte de um
processo de devolução, nem sempre devidamente valorizado nos procedimentos
acadêmicos. Nesse sentido, o artigo assume como orientação política fundamental o
reconhecimento e a promoção da dialogicidade na construção do conhecimento
científico.
Depois da contextualização histórica da luta do MMC, aprofundaremos suas
práticas agroecológicas, detendo-nos em particular no resgate das sementes
crioulas e no uso das plantas medicinais. A partir desses elementos, o artigo visa
delinear as dimensões político-pedagógicas da proposta agroecológica do MMC,
apresentando-a como uma abordagem complexa e multidisciplinar em que se
articulam visões feministas e decoloniais.
2 A LUTA POR AGROECOLOGIA NA TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO DE
MULHERES CAMPONESAS EM SANTA CATARINA
Em Santa Catarina, o Movimento de Mulheres Camponesas nasceu com o
nome de Movimento de Mulheres Agricultoras em 1983, no então distrito de Nova
Itaberaba, no município de Chapecó. O trabalho de formação de lideranças
desenvolvido pela Teologia da Libertação teve um papel fundamental na promoção
do MMA. De fato, o percurso de conscientização e militância de muitas mulheres
que até hoje participam do movimento começou a se delinear através da assunção

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