Raet e liquidação extrajudicial - efeitos de contratos celebrados com terceiros relativos à assunção de passivos da liquidanda - o conceito de terceiro interessado - regimes especiais - correlação dos micro-sistemas jurídicos pertinentes

AutorHaroldo Malheiros Duclerc Verçosa
Páginas358-368

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1. Breve histórico

1.1 Após décadas de inflação, após o Plano Real em julho 1994, houve a intervenção no Banco Econômico e a edição das MPs 1.179/1995 e 1.182/1995, convertidas depois, respectivamente, nas Leis ns. 9.710/1978 e 9.447/1997.

1.2 Neste contexto estava o Banco Y também abalado por dificuldades de caixa e de crédito. Os seus controladores pediram ao BACEN a decretação do RAET (Regime Administrativo Especial Temporário), no que foram atendidos, em (...), por força do Ato Presi n. (...) do BACEN, pelo prazo de 12 meses.

1.3 Na mesma data, a diretoria do BACEN se reuniu e aprovou a proposta de enquadramento do Y no PROER, autori-zando-o a adquirir créditos contra a FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais) como garantia dos empréstimos que lhe seriam destinados, bem como autorizou a transferência dos ativos e passivos do Y ao X através dos Instrumentos:

1.4 Contrato de Compra e Venda de Assunção de Direitos e Obrigações e de Prestação de Serviços e Outras Avenças em (...) (Contrato).

1.5 Re-Ratificação de Contrato de Compra e Venda de Assunção de Direitos e Obrigações e de Prestação de Serviços e Outras Avenças em (...).

1.6. Face à insuficiência patrimonial e a incapacidade financeira, inclusive em virtude do rombo fraudulento descoberto na contabilidade da instituição, o Banco Y

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teve decretada a sua liquidação extrajudicial em (...), através do Ato Presi n. (...), do BACEN.

2. Síntese das obrigações assumidas pelo Y em relação ao X

2.1 A cláusula 8a e W do Instrumento de Re-Ratificação convencionam que o Y responderia pelas superveniências ativas, bem como pelas insuficiências passivas, decorrentes de atos e omissões, cujos fatos geradores tivessem ocorrido até a assinatura do instrumento em questão.

2.2 Também se convencionou que o Y assumiria a responsabilidade por toda e qualquer obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou assemelhada, decorrente de atos e omissões por si praticadas, anteriormente à data da transferência de sua atividade operacional bancária para o X.

2.3 Acordou-se ainda que as reclamações de caráter trabalhista, ajuizadas ou não, promovidas individual ou coletiva-mente por integrantes e ex-integrantes do quadro de pessoal do Banco Y, desde que os atos ou fatos geradores de tais reclamações tenham ocorrido durante a gestão do Banco Y.

2.4 A cláusula 14a autoriza o X creditar ou debitar eventuais superveniências ativas ou insuficiências passivas, em conta de correspondente.

2.5 Ainda na cláusula 14a, item 3, ficou acertado que sobre os saldos devedores ou credores diários serão cobrados encargos atualizados até a data do pagamento, com base na taxa média da captação no mercado interfinanceiro CDI CETIP.

3. Quesitos
3. 1 Obrigações anteriores à celebração do Contrato

3.1.1XeoYao firmarem o contrato de compra e venda em (...) e a re-ratificação de (...) buscaram definir quais as responsa-bilidades que cada parte estava assumindo em relação às obrigações. Todas e quaisquer obrigações cujo fato gerador fosse anterior a (...) seria de responsabilidade exclusiva do Y. Após esta data a responsabilidade é do X. E para os colaboradores que foram transferidos do Y para o X e desligados após (...), a responsabilidade é compartilhada.

3.1.2 Ocorre que o X é condenado judicialmente como sucessor do Banco Y, na Justiçado Trabalho, inclusive em processos cuja responsabilidade é exclusiva do Y.

3.1.3 Findo o processo, o X providencia a habilitação dos créditos junto à massa liquidanda, que se nega a ressarcir o X, em respeito à decisão judicial.

3.1.4 O consulente questiona se procede este entendimento, que desconsidera o contrato firmado em (...).

3. 2 Sub-rogação doXna massa liquidanda do Y como credor privilegiado

3.2.1 Questiona o consulente, ainda, se o X ao pagar os débitos trabalhistas do Y, mesmo em reclamatórias ajuizadas contra o X, o mesmo ficaria sub-rogado em tais valores e passaria a ter um crédito privilegiado trabalhista contra o Y, classificável nesta ordem de preferência no Quadro Geral de Credores da Massa.

3. 3 Condenação do X como sucessor do Y em relação à Associação Z

3.3.1 Por outro lado, a Associação Z do Banco Y garantia aos empregados o benefício à complementação de aposentadoria. Para tanto, os empregados contribuíam com quantia descontada em contracheque.

3.3.2 Em fevereiro/1979 o benefício foi suprimido, e em maio/1984 foi alterada a denominação social da Z para W.

3.3.3 Quando da celebração do contrato entre X e Y, não foi levantada a

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questão do direito suprimido em fevereiro/1979.

3.3.4 O X é condenado como sucessor do Y e arca com a execução destes processos, complementando a aposentadoria dos empregados originários do Y na folha de pagamento do X.

3.3.5 O consulente questiona se a responsabilidade não seria exclusiva do Y, uma vez que o fato gerador ocorreu muito antes do contrato firmado. E neste, consta que será de responsabilidade do Banco Y todo e qualquer passivo trabalhista, previdenciário ou assemelhado, motivado por atos ou omissões praticadas pelo Banco Y.

4. Análise do caso
4. 1 A legislação aplicável a bancos submetidos a regimes interventivos especiais

4.1.1 Tendo em conta a data do Contrato e seus efeitos duradouros ao longo do tempo e havendo aquele acordo ultrapassado sob este aspecto o marco do Código Civil de 2002, surge o problema da identificação da lei aplicável. Quando da celebração do Contrato eram vigentes o Código Civil de 1916 (CCiB) e o Decreto-lei 7.661/1945, este último, como se sabe, era a anterior Lei de Concordatas de Falências (LCF). Posteriormente verificou-se o advento do novo Código Civil e do novo regime do direito concursal, voltado com a Lei 11.101 (LREF) fundamentalmente da recuperação da empresa.

4.1.2 No plano da legislação especial foram aplicados sequencialmente ao caso o Decreto-lei 2.321/1987 (que estabeleceu o RAET) e a Lei 6.024/1974 (reguladora da liquidação extrajudicial). Esta última remete o tratamento do instituto da liquidação extrajudicial para o regime do direito falimentar, em caráter subsidiário, nos termos do seu art. 34.

4.1.3 Com a decretação do RAET, a situação operacional da empresa não se modifica, continuando normalmente o exercício de suas atividades, conforme o disposto no art. 2°. O efeito direto mais importante é a perda imediata do mandato dos administradores e dos conselheiros fiscais. Neste sentido, a administração da instituição financeira alcançada por esse regime passará a ser feita por meio de um Conselho Diretor nomeado pelo Banco Central do Brasil, com plenos poderes de gestão (art. 3°, caput). Assim sendo, o Contrato não veio a ser afetado pelo RAET, tendo sido mantidos todos os direitos e obrigações nele estabelecidos.

4.1.4 Posteriormente, convolado o RAET em liquidação extrajudicial, a operacionalidade do Contrato - que efetiva-mente ocorreu - somente poderia ter-se dado pela aplicação do art. 43 da LCF (atualmente correspondente ao art. 117 da LREF, no mesmo sentido), segundo o qual os contratos bilaterais não se resolviam pela falência, podendo ser cumpridos pelo liquidante extrajudicial.

4.1.5 Ora, na execução do Contrato a cargo do X, este veio ser condenado como sucessor do Y em inúmeras ações trabalhistas. Inconformado o primeiro em relação aos aspectos acima expostos, solicitou o presente parecer, merecendo os pontos em causa a devida resposta nos termos da lei, da doutrina e da jurisprudência.

5. O tema da sub-rogação e o conceito de terceiro interessado

5.1 Uma primeira linha de discussão diz respeito à possibilidade de entender-se estar presente um caso de sub-rogação, de maneira que o X colocar-se-ia no lugar dos empregados no Quadro de Credores do Y, na mesma posição que aqueles anteriormente ocupavam.

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