Pedro Galvão e a égua petiça ou 'A donzela do Guartelá

AutorEduardo Mercer
CargoAdvogado
Páginas268-268
ALÉM DO DIREITO
268 REVISTA BONIJURIS I ANO 30 I EDIÇÃO 655 I DEZ18/JAN19
Eduardo Mercer ADVOGADO
Pedro Galvão e a égua petiça
ou “A donzela do Guartelá
– Mas que vergonhêra é essa?!
Eu te mato, desgraçado.
Pedro Galvão sai correndo, se-
gurando as calças com as mãos.
Dois disparos de espingarda pas-
sam zunindo ao seu lado.
No dia seguinte, o camponês
vai ao fórum de Tibagi e bate à
porta do gabinete do promotor:
Excelência, aconteceu uma
coisa muito grave lá no meu sítio.
Pois não, queira se sentar
por favor – disse o promotor.
– Pois óia... eu tenho um sítio
ali pra cima, no Guartelá, perto
do seu Olímpio, e tenho minha
horta, um pomar e uns animal
doméstico, pra sustento nosso...
tenho também um cavalo e uma
eguinha. Pois essa minha égua
andava meio estranha. Não co-
mia mais direito e às veiz, no fim
da tarde, sumia no mato. Então
eu resolvi investigá...
Prosseguiu nhô Bastião, logo
concluindo a história.
Foi muita sorte daquele ja-
guara do Pedro Galvão que eu
errei os tiro. Justo a Evilásia,
minha eguinha de estimação. A
pobrezinha ainda por cima era
donzela, excelênça...
O senhor fique tranquilo
que nós vamos tomar as devidas
providências – garantiu promo-
tor. – Em breve, o senhor será
chamado para uma audiência
aqui no fórum.
O promotor Junqueira era
companheiro de caçada, cachaça-
da e samba do Pedro Galvão, mas
não por isso deixaria de denunciá-
-lo. Apenas reservou-se o direito
de antes chamar o ‘don juan’ e
ordenar que ele entrasse mudo e
saísse calado da sala de audiên-
cia, pois o promotor e o advogado
acomodariam a situação. Repetiu
a orientação umas três vezes, para
o barranqueador não esquecer.
Teria dado tudo certo pro Pe-
dro Galvão, não fosse sua com-
pulsão, tara irresistível pelos
discursos de improviso.
Vestindo um terno surrado,
que lhe causava visível descon-
forto, e sapato sem meia, Pedro
Galvão entra na sala do juiz acom-
panhado por um advogado e o
camponês. Todos cumprimentam
o juiz e, em seguida, o promotor.
Este faz sinal para Pedro Galvão
ficar tranquilo. Todos se sentam.
Processo número 1255/84,
referente ao crime de maus tra-
tos de animais domésticos, ten-
do como réu o senhor Pedro Gal-
vão e como autores Sebastião
Martins e a senhorita Evilásia.
Seu Sebastião, o senhor confir-
ma que flagrou o senhor Pedro
Galvão barranqueando a sua
égua Evilásia?
– Confirmo, sim, senhor.
E o senhor confirma que a
sua égua era donzela? – interro-
ga o juiz, oscilando entre o cons-
trangimento e a vontade de rir.
– Pobrezinha... confirmo, sim,
senhor.
E então, senhor Galvão, o
que o senhor tem a dizer?
Foi aí que a porca torceu o
rabo, a casa caiu, a vaca foi pro
brejo, o boi escapou com corda
e tudo. Pedro Galvão não cos-
tumava perder chance de fazer
seus rebuscados e involunta-
riamente engraçados discursos.
Mesmo sendo fulminado pelos
olhos estatelados do promotor
Junqueira, Pedro Galvão assu-
miu um ar solene e mandou ver:
– Excelência, casar com a don-
zela não posso, pois casado já o
sou. Mas posso dar-lhe um bom
dinheiro. n
PROTAGONISTA de alguns
dos melhores causos de Tibagi,
o ilustre Pedro Galvão era um
homem simples, uma espécie de
Geraldo Viramundo – persona-
gem imortalizado por Fernando
Sabino em “O grande mentecap-
to”. Galvão morava com a mulher
e os filhos numa casa bem singe-
la, mas era de uma altivez digna
de um príncipe da Dinamarca.
Funcionário municipal de
baixo coturno, ganhava lá seu
dinheirinho para sobreviver. E
tinha uns hábitos esquisitos: um
era usar palavras diceis para
expor seus conhecimentos, ad-
quiridos sobretudo com a leitura
de almanaques e livros dos mais
variados temas que ganhava.
Outro era nunca andar de carro.
Se tivesse que ir até a Porteira
Grande ou adiante do Rancho
Queimado, iria a pé. Mas sua ma-
nia mais excêntrica era outra.
Em suas andanças pelo Guarte-
lá, certa tarde, na propriedade de
Sebastião Martins, Pedro Galvão
avistou uma égua petiça, da cor ru-
ana, parada perto de um barranco.
Ele olhou bem para os lados, não
avistou ninguém e se aproximou
da égua. Conversa vai, conversa
vem, Pedro Galvão ajeitou a egui-
nha no barranco e mandou brasa.
E assim fez durante meses.
Achando Evilásia cada vez
mais estranha, numa boca da
noite nhô Bastião, munido de
lanterna e espingarda, saiu pelo
mato em busca da égua. Até en-
contrá-la alguns metros adiante,
em pleno barranqueio com o Pe-
dro Galvão.

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