A 'pejotização' como uma fraude à relação de emprego: uma análise do fenômeno

AutorSayonara Grillo Coutinho Leona da Silva
Ocupação do AutorOrganizadora
Páginas237-246

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1. Introdução

Para alguns trabalhadores, opção; para outros, imposição. O fato é que a pessoa jurídica constituída para prestação pessoal de trabalho, neologismo conhecido como “pejotização”, expande-se nos mais variados ramos profissionais, fazendo uso de contratos diversos de trabalho, que afastam, a priori, a aplicação da CLT.
é assim que o fenômeno da “pejotização”, termo que refere à transformação de empregados em pessoas jurídicas (PJ), incrementa-se no Brasil, tanto podendo indicar uma tendência dos tempos modernos1, no qual há um preterimento da clássica relação de emprego por outras modalidades de contratação, como uma fraude à relação de emprego, nem tão nova assim.

O incremento de tal panorama tem gerado grandes controvérsias. Para alguns, vislumbra-se a pejotização como “natural”, dentro da lógica capitalista de redução de custos, buscando maior produtividade e racionalização da produção; para outros, porém, não raras vezes significa precarização de direitos2, a ser compreendida sob a perspectiva de que se trata de uma fraude, na medida em que pode esconder a existência de uma verdadeira relação de emprego.

Desta forma, o objetivo deste artigo é o de caracterizar quando a prestação de serviços por meio de pessoa jurídi-ca encobre uma verdadeira relação de emprego, objetivando fraudar a aplicação dos direitos trabalhistas. Além disso, o artigo apresenta, de forma breve, comentários sobre a polê-mica da Emenda n. 3, da desconsideração da personalidade jurídica, bem como do art. 129 da Lei n. 11.196/2005.

Para isso, a metodologia empregada é quantitativa e qualitativa. Pela atualidade do tema, utilizam-se artigos especializados e obras doutrinárias recentes, sem descuidar da leitura de obras interdisciplinares e da pesquisa de levantamento de dados na jurisprudência.

2. Relação de trabalho e relação de emprego

Antes de ingressar no estudo da pejotização em si, é importante definir certos conceitos prévios, atinentes ao que seja “relação de trabalho” e “relação de emprego”, para que posteriormente seja possível entender o que se considera como fraude aos preceitos trabalhistas.

Assim, o termo “relação de trabalho” engloba dois possíveis entendimentos. Traduzido como sinônimo de “relação de emprego”, é a concepção em sentido estrito, seguida pelo doutrinador mexicano mário de La Cueva, que a define como sendo a situação jurídica objetiva estabelecida estritamente

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entre um trabalhador e um empregador, para a prestação de um serviço subordinado, qualquer que seja o ato ou a causa de sua origem3. Outra acepção possível é a tomada em sentido amplo, sendo a relação de trabalho a relação jurídica genérica em que um ser humano presta uma atividade, seja ela subordinada ou autônoma4.

Este artigo adota o conceito de relação de trabalho no seu sentido mais amplo, do qual, consequentemente, se extrai o conceito de trabalhador como um termo igualmente genérico, que engloba não apenas empregados, mas também escravos, servidores estatuários, militares e autônomos.

Uma vez postos tais entendimentos, adentra-se, agora, no conceito de relação de emprego para que, mais adiante, possa se entender como um expediente fraudulento estabelecido por meio de uma PJ pode tentar mascará-lo.

Assim, relação de emprego é a relação jurídica de trabalho existente entre empregado e empregador, sendo, portanto, uma espécie do gênero relação de trabalho. Dela se diferencia, já que a relação de emprego trata estritamente da espécie de relação laboral na qual há trabalho subordinado. Em outras palavras, é a forma de trabalho que corre por conta alheia, contrapondo-se ao trabalho por contra própria5, também chamado de autônomo.

Para que se possa falar na existência de relação de emprego, há uma série de elementos fático-jurídicos próprios que devem ser preenchidos, quais sejam: subordinação, onerosi-dade, não eventualidade e pessoalidade, conforme se discorre a seguir.

Unanimidade na doutrina, a subordinação é o primeiro elemento fático-jurídico a se caracterizar na relação de emprego, por indispensável e diferenciador do contrato de trabalho de outros tipos nos quais há prestação de serviço. Em outras palavras, o que precipuamente caracteriza a relação de emprego é a existência da subordinação, critério que deve ser observado para que se possa diferenciar a relação empregatícia da pejotização6, por exemplo. Disso decorre a importância do seu estudo.

E qual é o significado do termo “subordinação”? O art. 3º da CLT cita “dependência”. No entanto, tal expressão, cunhada na CLT, carece de rigor técnico, cabendo sua leitura na acepção de subordinação jurídica. Não deve, portanto, ser traduzida apenas como a possibilidade de direção por parte do empregador, a qual recai sobre a figura do empregado que aparece em estado de sujeição, pois, sem dúvida, tal visão subjetivista e personalista do termo é um critério insuficiente. Como lembra Godinho (2008), “a subordinação atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador”.

Logo, a subordinação deve ser entendida como a “integração da atividade do trabalhador na organização da empresa mediante um vínculo contratualmente estabelecido, em virtude do qual o empregado aceita a determinação, pelo empregador, das modalidades de prestação de trabalho”7. A sua existência ocorre, inclusive, no tocante aos trabalhadores intelectuais, não havendo de ser mencionado que nisso há um contrassenso. Afinal, embora tais profissionais não estejam sujeitos a uma vigilância técnica, por dominarem um know-how que o empregador não possui, podem prestar seu serviço de forma autônoma, inclusive como PJ, ou por meio de relação de emprego.

Como, então, será possível diferenciar uma relação de Direito Civil ou de Direito Comercial de uma relação de emprego? A resposta é dada por Alice monteiro de Barros. Embora atenuada, a subordinação persiste, variando de intensidade, passando de um máximo para um mínimo, segundo a natureza do trabalho prestado, de mais manual para mais intelectual8.

Assim, além da definição de subordinação, é necessário conceituar outros elementos para que se possa delimitar o conceito de relação de emprego. Nesse sentido, deve-se en-tender o conceito de “pessoalidade”. A definição do termo não se fixa ao simples fato de que deva haver uma pessoa física prestando o trabalho, mas sim de que trata-se de uma prestação personalíssima exercida por ela. Em outras palavras, por mais vinculado que esteja à ideia de “pessoa física” desse termo, distingue-se, pois o fato de o trabalho ser prestado por pessoa física não significa, necessariamente, que o trabalho seja prestado com pessoalidade9. Deve-se, portanto, levar em conta que cada pessoa é um indivíduo distinto dos demais, o que equivale dizer que cada trabalhador difere de outro qualquer, distinguindo-se também as prestações de cada um deles, enquanto expressão de cada personalidade

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em singular10. O contrato de trabalho é intuitu personae no tocante ao empregado, algo que não é exclusivo da relação de emprego, afinal, também pode ser exigência em alguns contratos de Direito Civil11.

Outro elemento importante de se caracterizar é o da não eventualidade, que significa que a atividade prestada pelo empregado não pode ser eventual, mesmo que dure um período curto de tempo. Em outras palavras, a prestação da atividade deve fazer parte da rotina do empregador, que não funciona sem seu empregado. Dificilmente há eventualidade no trabalho se este é necessário para o desenvolvimento da atividade normal do empregador12. Vale dizer, que o que realmente deve ser visto é se a subordinação é continuada, ou seja, se o vínculo é não eventual13. Diferentemente, a eventualidade se faz presente quando o trabalho é acessório, não ocorrendo a integração técnica da atividade do trabalhador na atividade da empresa quando sua atividade é excepcional14.

Além disso, a relação de emprego tem como base essen-cialmente outro elemento, qual seja, a onerosidade, que se identifica pelo pagamento de salário ao empregado, em dinheiro ou parcialmente em utilidades, em virtude da mão de obra oferecida. Para se caracterizá-lo, deve-se observar o plano subjetivo, ou seja, se houve intuito contraprestativo por parte do trabalhador de receber algum ganho econômico pela atividade realizada15.

A junção de todos esses elementos fático-jurídicos caracteriza a existência da relação de emprego. Uma vez compreendidos, é importante que seja feita uma breve caracterização dos seus sujeitos, quais sejam, a figura do empregado e do empregador.

Para se entender o termo empregado16, presente no art. 3º da CLT, deve-se partir dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego explicitados anteriormente, ou seja, como sendo aqueles que o trabalhador, subordinado juridicamente, presta serviços onerosos, não eventuais e com pessoalidade.

Já o termo empregador, previsto no art. 2º da CLT é, na definição de Süssekind, “a pessoa natural ou jurídica que utiliza e dirige a prestação de serviços de um ou mais traba-lhadores, numa relação jurídica em que estes ficam subordinados ao seu poder de comando e dele recebem os correspondentes salários”17. Em outras palavras, é aquele que assume os riscos e resultados do empreendimento, detendo o poder de direção da atividade.

Assim, feita uma breve conceituação teórica, para situar o leitor quanto aos termos usados no presente artigo, adentra-se agora no estudo da pejotização e da leitura dos dispositivos que possuem ligação...

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