Penalidades em Face do Condômino Antissocial e Limitações ao Direito de Propriedade

AutorSávio de Aguiar Soares
CargoProcurador do Estado de Minas Gerais
Páginas11-18

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1. Introdução

O condomínio edilício representa um micro-cosmo da sociedade contemporânea, em que o pluralismo (jurídico, cultural, social e político) faz-se presente no reconhecimento dos projetos de vida que compõem a organização societária, resguardando os múltiplos interesses dessa comunidade político-jurídica.

Nesse sentido, a hipótese que será evidenciada consiste em vislumbrar o discurso de aplicação jurídica para tomada de decisões que impliquem possibilidades mais contundentes, como a eventual exclusão do condômino nocivo, haja vista a legitimidade e validade atribuídas ao processo de participação discursiva na deliberação no âmbito da assembleia condominial de fixar as normas internas de convivência social, como mecanismo de integração social, na formação do consenso que se busca incessantemente em sociedades de alto grau de complexidade (como sucede no Brasil) em que o risco de desintegração tornou-se agudo diante de projetos de vida antagônicos e multifários.

O instituto secular da proprie-dade é o mais extenso direito real que o ordenamento jurídico confere a seu titular, segundo o qual este exerce o poder de interferir no destino da coisa ou impedir que terceiros o façam ou o façam de acordo com seus desígnios. Os poderes proprietários sintetizam-se no poder jurídico atribuído a uma pessoa de usar, gozar, dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, dentro dos limites fixados em lei, cuja gênese irradia da definição analítica do direito romano.

Depreendem-se da definição acima quais os fundamentos e elementos constitutivos da proprie-dade, a teor do que estabelecido no chamado conteúdo positivo do direito de propriedade, conforme insculpido no art.1.228 do Código Civil em vigor.

Disso resulta a indagação sobre as características desse direito, tais como o seu caráter absoluto (erga omnes) e exclusivo. A rigor, sobre um bem só pode haver um direito de propriedade e o exercício deste exclui o exercício por parte de outrem (princípio da exclusividade). Um bem não pode pertencer exclusivamente e simultaneamente a duas ou mais pessoas em posições opostas. Contudo, nada impede que duas ou mais pessoas adquiram um bem conjuntamente (condomínio), detendo a titularidade do mesmo direito de propriedade.

O condomínio, por sua vez, funda-se numa relação de igualdades que se limitam reciprocamente na medida em que coexistem direitos iguais sobre a mesma coisa, ou seja, quando mais de uma pessoa tem o exercício da propriedade (total e única) sobre determinado

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bem, o que justifica as denominações comunhão ou compropriedade (domínio conjunto)1.

Cuida-se da teoria da proprie-dade integral, que justifica a natureza jurídica do condomínio. Nessa conjuntura, o domínio é qualitativamente igual e quantitativamente diferente. Os sujeitos ao usarem o bem (de forma comum ou isolada) o fazem de forma integral, porquanto o domínio de todos que incide sobre o bem sucede na sua integralidade (aspecto qualitativo).

Destarte, o condomínio classifica-se conforme a origem em convencional ou voluntário se decorrer do acordo de vontade dos condôminos, reputado por certos teóricos do direito como negócio jurídico bilateral ou plurilateral no exercício da autonomia privada, sendo que no silêncio do contrato presume-se que a propriedade está dividida em partes iguais.

Quanto à forma existe o condomínio pro diviso (em que cada condômino exerce propriedade sobre certa parte do bem) ou pro indiviso (condôminos exercem propriedade sobre o todo). Por fim, quanto à duração, classifica-se em transitório ou permanente, de modo que na hipótese da indivisibilidade decorrer de convenção dos condôminos ou for estabelecida por doador ou testador não pode ser superior a cinco anos (art.1320, §§ 1º e 2º do Código Civil de 2002).

Neste panorama acerca do instituto do condomínio, cumpre enfatizar a modalidade do denominado condomínio edilício no tocante às penalidades aplicáveis aos participantes de copropriedade.

2. Do condomínio edilício

O condomínio edilício é fruto do avanço das relações socioeconômicas em decorrência do fenômeno sociológico da urbanização e concentração da população, surgin- do inicialmente nas cidades europeias após a primeira guerra mun-dial. Para Renzo Leonardi (2006, p. 20) e Renato Sartorelli (2006, p. 221), a instituição de condomínios "nos prédios de mais de um andar" é resultado do desenvolvimento urbano e industrial, da valorização dos terrenos citadinos e da necessidade de aproveitamento do espaço disponível com ocupação racional do solo, visando a solucionar também problemas como o alto custo de vida com edificações mais econômicas (diminuição do custo dos materiais de construção pela aquisição em larga escala), facilitação do acesso à casa própria a um maior número de pessoas (minimização da crise habitacional) e fixação dos proprietários nas proximidades dos locais de trabalho.

O condomínio edilício compõese de unidades autônomas (aquelas que têm acesso independente à via pública), tendo por objeto edificações ou conjunto de edificações de um ou mais pavimentos, constituídas por partes de propriedade exclusiva e parte de propriedade comum dos condôminos (art.1.331 CC/2002).

Assim, a natureza jurídica desta espécie de condomínio é de direito real na fusão entre propriedade particular e propriedade comum, cujas regras estão disciplinadas numa estrutura peculiar, nos moldes dos arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil em vigor (BRASIL, 2002).

Os apartamentos, salas, lojas, sobrelojas e abrigos para veículos e suas respectivas frações ideais no solo e nos partes comuns são regidos pela propriedade exclusiva. Já o solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás, eletricidade, refrigeração e acesso ao logradouro público são de propriedade comum.

Noutro quadrante, há o condomínio edilício em apartamentos (horizontal) e o condomínio em casas (vertical). Vale dizer, em prédio de apartamentos as lajes das unidades autônomas estão em paralelo com o solo e umas com as outras, ao passo que o condomínio de casas é vertical porque suas paredes (estrutura principal) estão na vertical com relação ao solo.

A instituição do condomínio edilício pode ocorrer antes da obra física de engenharia (como sucede na incorporação imobiliária)2, por ato inter vivos ou causa mortis com registro no cartório de imóveis. São elementos constitutivos: vontade (elemento subjetivo), existência do imóvel (elemento objetivo) e registro. No tocante ao registro, faz-se necessária a discriminação e individuação das unidades de propriedade exclusiva (unidades autônomas) com a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade (relativamente ao terreno e partes comuns) e a finalidade das unidades (residencial, comercial ou mista).

Cabe observar que a constituição do condomínio não se opera com a instituição, pois as unidades autônomas só podem ser matriculadas depois de averbada a sua construção com a exibição do alvará de construção ("habite-se"). Desse modo, a constituição ocorre com a existência da convenção condominial em momento posterior à instituição.

Em que pesem abalizadas posições em contrário, o condomínio é pessoa jurídica de direito privado, embora não conste no art. 44 do Código Civil de 2002, porquanto o rol que consta no dispositivo legal é exemplificativo (numerus apertus), o que foi ressaltado nos enunciados 90 e 246 das I e III Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Conselho da Justiça Federal. O condomínio é igualmente dotado de capacidade processual (repre-

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sentado pelo síndico ou administrador - art. 12, IX, CPC), isto é, personalidade judiciária (capacidade de ser parte) ainda que para al-guns seja uma personalidade anômala ou restrita3.

Além da instituição do condomínio, é indispensável a elaboração de uma convenção (estatuto condominial representativo de um negócio jurídico plurilateral ou coletivo de caráter normativo e institucional) em que são estabelecidas as diretrizes básicas para a vida em condomínio.

Sem sombra de dúvida, a convenção é a lei interna do condomínio, principal documento que rege as relações dentro de um edifício (formadas por aqueles que deram a sua concordância e aplicável a todos aqueles que futuramente venham a ingressar no condomínio como locatários e promissários compradores), exigindo-se que o instrumento de constituição seja subscrito pelos titulares de no mínimo dois terços das frações ideais, a partir de quando se torna obrigatória. Na ausência desse percentual há imposição judicial. Ao mesmo tempo que qualquer alteração na convenção depende da aprovação do quórum deliberativo (de caráter econômico) qualificado de dois terços dos votos dos condôminos (art. 1.351).

Para produzir efeitos perante terceiros (publicidade), exige-se registro da convenção (por instrumento público ou particular) no cartório de registro de imóveis (art. 1.333, parágrafo único, CC). Contudo, não há obrigatoriedade expressa do referido registro, posto que, a teor da Súmula 260 do STJ, é reconhecida a eficácia da convenção para regular as relações entre os condôminos (estes não podem recusar-se ao seu cumprimento) e entre estes e o condomínio4.

A convenção trata de questões tais como: forma de arrecadação do montante para manutenção do condomínio (modo de pagamento), regras sobre administração do condomínio, determinação das competências das assembleias (organização, convocação e quórum para cada modalidade de decisão), fixação de sanções e delineamento do regimento interno.

Demais disso, no art. 1.334, V, do Código Civil em vigor há o regimento ou regulamento interno que constitui parte integrante (complementar) da convenção condominial, tendo em vista a necessidade de detalhar o modus vivendi ante as questões referidas na convenção...

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