A Penhora On-Line e os Meios de Defesa

AutorAgnaldo Gomes de Souza
Páginas77-98

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3. 1 Causas de impenhorabilidade

O art. 649, do Código de Processo Civil, com seus incisos e parágrafos estabelecem um rol de causas de impenhorabilidade no processo de execução judicial. Para o presente trabalho interessam as causas de impenhorabilidade previstas nos incisos IV, VI e X, bem como a regra prevista no parágrafo 2º, do referido artigo98, que trata, respectivamente, dos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remuneração, proventos de aposentadoria, pensões pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberali-dade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família; os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal; o seguro de vida e a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de

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40 (quarenta) salários mínimos. Esses valores podem ser objeto de constrição no processo judicial, por meio de bloqueio on-line na conta bancária e em caderneta de poupança.

A impenhorabilidade prevista no art. 649, do Código de Processo Civil, atende ao princípio da dignidade da pessoa humana, em consonância ao que estabelece o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. Esse artigo tem aplicação até mesmo para a proteção do devedor de alimentos que sofre a constrição judicial, com o bloqueio on-line de valores na conta bancária provenientes de salário ou remuneração, tendo em vista que o devedor de alimentos não pode ficar sem o mínimo de condições para a sua subsistência.

A impenhorabilidade dos bens descritos no art. 649, do Código de Processo Civil, impõe limites na aplicação da regra prevista no art. 591, do CPC99, de que o devedor responde a execução judicial com todos os seus bens. No dizer de Athos Gusmão Carneiro100, a medida prevista no art. 649, inciso X do CPC assegura um direito a um patrimônio mínimo e a garantia da dignidade do executado, protegendo os valores depositados em caderneta de poupança no limite de até 40 (quarenta) salários mínimos,

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nos moldes do art. 649, X, do CPC, visando, também, resguardar o devedor das economias necessárias para o seu amparo em momento de crise econômica.

Apesar de a lei amparar o devedor no processo judicial, excluindo a penhora em dinheiro na conta bancária, proveniente de salário, para o devedor fazer jus à impenhorabilidade do seu salário, deverá provar, nos autos, que o saldo positivo existente na conta bancária é proveniente da sua renda salarial, soldo ou remuneração. Não basta o devedor apenas argumentar para obter êxito na sua pretensão. Deverá comprovar. Por outro lado, há quem entenda que, mesmo se tratando de conta-salário, dependendo do caso concreto, os valores existentes na conta bancária podem ser penhorados, eis que a partir do depósito os valores perdem característica de salário101, podendo ser penhorados, também, valores depositados em conta-salário sem a comprovação da sua procedência102.

Entretanto, o que se percebe, mais uma vez, é a aplicação do princípio da efetividade do processo, confrontando com o princípio da dignidade da pessoa humana e

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o princípio da menor onerosidade do devedor. Sabemos que a aplicação dos princípios não é uma regra absoluta, devendo prevalecer aquele que esteja de acordo com as exigências do bem comum e os fins sociais aos quais a lei se destina, dependendo do caso concreto a ser analisado.

A jurisprudência103tem acolhido o entendimento de que uma conta-salário poderá apresentar saldo além dos rendimentos salariais obtidos e provenientes de aplicações financeiras e outros rendimentos, não podendo servir de meio para se criar obstáculo à efetividade do processo, fato que entendemos razoável. Porém, pode haver casos, onde o simples fato do depósito, proveniente de salário que está na esfera de disponibilidade do devedor, não ser caracterizado como meio a criar óbice à efetividade do processo. Nesse particular, no que pese a decisão do C. STJ, no REsp. nº 1.059.781/DF104, o referido julgado deve

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ser visto com reservas. Doutrina Humberto Theodoro Júnior105a tese de que a verba salarial, ao entrar na esfera de disponibilidade do devedor, perde o caráter de alimentos pelo fato de não ter sido consumida integralmente para o suprimento de necessidades básicas, em razão de não se estabelecer definitivamente o que vem a ser “necessidades básicas”, em determinada circunstância para o devedor.

Além do consumo integral da verba salarial para suprir a sua necessidade básica, pode o devedor reservar um valor razoável para poder se socorrer no futuro, diante de uma situação econômica difícil, a exemplo dos motivos que determinam a impenhorabilidade da caderneta de poupança até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos.

Diante do entendimento de que a verba salarial, ao entrar na esfera de disponibilidade do devedor, perde o caráter alimentar, deve o operador do Direito fazer uma análise profunda sobre os meios de provas pertinentes à

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situação fática a ser analisada, a fim de evitar a criação de uma situação antagônica de valores, perante o mesmo fato, ou seja, enquanto o valor no limite de até 40 (quarenta) salários mínimos depositados em caderneta de poupança é considerado impenhorável pela lei.

Citamos como exemplo, caso em que o valor excedente da verba salarial mensal, equivalente a 20 (vinte) salários mínimos pode ser objeto de penhora, desde que seja o único rendimento do devedor e depositado o valor em conta-salário, o que demonstra antagonismo no critério adotado para descaracterizar a verba salarial depositada em conta bancária. No exemplo ora mencionado, os valores equivalentes até 40 (quarenta) salários mínimos não podem ser penhorados em caderneta de poupança, enquanto que o valor equivalente até 20 (vinte) salários mínimos pode ser objeto de penhora, desde que se trate de conta-salário.

No entanto, o operador do direito deve agir com cautela ao interpretar a aplicação do art. 649, inciso IV, do CPC, sobre a possibilidade ou não de se penhorar provento salarial do devedor no processo judicial. Ficar restrito apenas ao silogismo lógico para decidir com base na interpretação literal, pode não ser uma decisão justa. Deve o intérprete, diante dessas circunstâncias, se socorrer da interpretação teleológico-finalista106, buscando os fins sociais a que a lei

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se destina, adaptando-a da melhor forma possível ao caso concreto, destacando como prioridade o reconhecimento da existência de um patrimônio mínimo107e necessário para a subsistência digna do devedor108.

O art. 649, parágrafo 2º do Código de Processo Civil, estabelece uma ressalva na impenhorabilidade dos valo-

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res provenientes das rendas descritas no inciso IV, no caput do referido artigo, ou seja, a impenhorabilidade não se aplica aos casos referentes ao pagamento de prestação alimentícia, cuja regra se compatibiliza com a proporcionalidade na aplicação de conflito aparente entre o princípio da menor onerosidade para o credor e o princípio da dignidade da pessoa humana, voltado para amparar o alimentando, que se encontra em situação desconfortável na obtenção de meios necessários para a sua sobrevivência, sem, portanto, desprover o devedor por completo dos meios necessários para a sua subsistência.

A impenhorabilidade prevista no inciso IV, do art. 649 do Código de Processo Civil, também protege “os ganhos de trabalhadores autônomos e os honorários de profissional liberal”. Logo, a expressão: “honorários de profissional liberal”, acrescentada pela Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006, colaborou para eliminar a divergência sobre o reconhecimento ou não de terem os honorários do advogado, caráter alimentar. Isso culminou em reconhecer definitivamente a natureza de alimentos nos honorários dos profissionais liberais e, consequentemente sendo impenhoráveis, em conformidade ao art. 649, inciso IV, do CPC.

Os proventos de aposentadoria, pensões, pecúlio e montepio, também estão protegidos no art. 649, inciso IV, do CPC recebendo o mesmo tratamento dos salários e remunerações, quanto à regra da impenhorabilidade, em razão da sua natureza alimentar. Ocorre o mesmo com o seguro de vida, que tem a finalidade de assegurar condições mínimas e dignas ao cônjuge e herdeiros do “de cujus”.

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3. 2 Decadência e prescrição

Os institutos da prescrição e da decadência têm o escopo de proporcionar a tranquilidade, a harmonia e a paz social109, bem como evitar que o processo judicial se eternize no tempo, sem um lapso de tempo extintivo para a efetivação da prestação da tutela jurisdicional. Portanto, a prescrição extintiva reconhecida no Direito, com exceção dos casos previstos na lei, amparados pela norma de ordem pública e considerados imprescritíveis, tem a finalidade de resguardar a segurança no ordenamento jurídico.

A prescrição e a decadência têm repercussão na abordagem do tema sobre a penhora on-line, tendo em vista a possibilidade de ocorrer a constrição no processo judicial de valor em pecúnia na conta bancária e demais ativos financeiros do devedor, por meio eletrônico, para a satisfação de créditos que foram alcançados pela prescrição ou pela decadência, as quais constituem meios de defesa do devedor no processo judicial.

O instituto da prescrição se desdobra em prescrição aquisitiva e prescrição extintiva. A “prescrição extintiva” é a perda do exercício da ação, que excede o lapso de tempo estabelecido pela lei, ao passo que a “prescrição aquisitiva” é a que confere a aquisição de um direito a partir de um lapso de tempo alcançado e previsto em lei, a exemplo da usucapião. No dizer de Roberto Senise Lisboa, prescrição é a perda do direito de pretensão judicial pelo decurso

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do prazo previsto em lei110, interessando para o presente trabalho abordar o tema pertinente apenas à prescrição extintiva prevista no art. 189 do Código Civil Brasileiro111.

Em relação à decadência, esta tem a finalidade de extinguir o próprio direito, dentro do...

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