O pensamento, o discurso e a prática de Chávez sobre a influência do petróleo

AutorFlávio Túlio Ribeiro Silva
Páginas123-137

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O petróleo é um recurso natural não renovável. Um produto refinado que possuísse mercado para sua compra e venda. Mas devido "ao homem hidrocarboneto" (YERGIN, Daniel, 2011) com a produção influenciando o trabalho e, por conseguinte, a política, o petróleo rela-

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ciona-se com vários outros temas sustentados, inseridos e de relações de interdependência. A Venezuela é uma nação que está totalmente inserida neste debate, no qual o petróleo é poder.

Encontramos no discurso sobre o petróleo na Venezuela desdobramentos sobre variados assuntos, tanto no campo interno como externo. Inicialmente ele é um bem do povo venezuelano e, portanto, ligado à questão do nacionalismo. Entretanto, a posse deste recurso pode ser pelo Estado-executivo, como na situação da nacionalização do governo Carlos Andrés Perez que detinha o direito de eleger as empresas terceirizadas: o Estado concessionário antes da nacionalização; ou do Estado proativo e protagonista como o discurso Chávez.

Existe também o debate de como deve ser gerido a renda petroleira. A partir de uma PDVSA multinacional, associativa no mundo e com gestão independente colhendo o maior lucro possível; ou empresa com pensamento estratégico de país e com objetivos de estatal inserida num projeto de desenvolvimento mais amplo com integração de outras cadeias, tanto econômica com social, estando inserida numa construção de estrutura do país. Aprofundando neste embate procuramos explanar que a primeira proposta estaria mais ligada aos conceitos de eficiência, livre mercado e meritocracia procurando alcançar o excedente a partir de programas de redução de custo, internacionalização e ganhos, permanecendo alocados na própria PDVSA. Podemos identificar estes princípios no período puntofujista e nas coalizões anti Chávez desde 2000.

Chávez defende que o excedente deve estar no Estado, porém centralizado no executivo, mais precisamente na Presidência da República. Ele também recorre temporariamente à lembrança de uma gestão tecnocrata da PDVSA dissociada dos objetivos do Estado. A posse do petróleo está inserida numa descrição de nacionalismo onde sua concepção está a favor da pátria, logo uma posição contrária seria uma traição (CHÁVEZ, 2003).

Um enfoque antagônico se refere a como deve se posicionar sobre a contemporaneidade. Observando o discurso oposicionista, percebe-se que o momento é de se beneficiar do comércio internacional, investir nas mais diversas formas privadas, aumentar a produção e estar próximo dos compradores internacionais. Dentro do pensamento chavis-

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ta, existe uma premissa de que o mundo demanda petróleo, deixando entender que cabe esperar oportunidade e de que procura diversificar os clientes, reduzindo a dependência do mercado estadunidense e europeu. Segundo Chávez, o país tem petróleo para mais 100 anos e pode esperar o melhor valor. Já em uma vertente oposta, existiria um caminho tecnológico sendo desenvolvido na substituição de matriz energética e, portanto, o objetivo era maximizar a produção e venda.

Os profissionais de gestão de petróleo são protagonistas dentro do contexto histórico venezuelano. A campanha de 2002 do paro petrolero teve participação efetiva não só da diretoria da PDVSA como de parte do corpo de funcionários. Este ocorrido provocou a demissão de 18.000 funcionários. A nova formação de funcionários foi inserida no discurso chavista como aqueles que "servem à pátria" com "valores bolivarianos" de uma defesa nacionalista. Segundo a oposição, o governo tem aparelhado o Estado e a PDVSA a partir de uma militarização, com intento de construir uma estrutura ideológica.

Este breve paralelo que expomos aqui é para demonstrar como a Venezuela possui linha de pensamentos antagônicos, uma realidade interpretada em diferentes visões que quase reproduzem duas "verdades". É necessário, para compreendermos os vários debates sobre o petróleo e sua inserção nos diversos temas da conjuntura venezuelana, o raciocínio do historiador Chartier e sua convicção de que as representações são construídas conforme o interesse de quem as forjar:

As representações do mundo social, assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de que utiliza. (CHARTIER, Roger, 1988. p. 12).

Uma das ligações mais presentes a respeito do petróleo no discurso chavista se refere à sua política externa. Em diversas situações a "luta contra o imperialismo" é inserida:

Es una agresión del imperio Yanqui contra Venezuela no es contra cualquier empresa petrolera, (PDVSA) é una de las empresas petroleras más grandes del mundo, y es contra un país que tiene las pri-

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meras reservas de petróleo comprobadas en el planeta. (CHÁVEZ, El Universal, de 07/06/2011)

Neste discurso acima está a sua relação com o Irã, opositor estadunidense, e a possibilidade do Departamento de Estado dos EUA vir a aprovar contra sete entidades com reação a Teerã, devido seu programa nuclear. E completa Chávez citando Obama:

El Obama rectifique a tiempo y se encarregue primero de los problemas que tiene allá, en Estados Unidos, que son bastantes: la violencia, el crimen, el narcotráfico, el armamentismo, la miseria, la pobreza, los problemas sociales. (CHÁVEZ, El Universal, de 07/06/2011)

A relação com os Estados Unidos é de afronta política, à medida que reforça a imagem de enfrentar a nação líder do mundo mas que, ao mesmo tempo, é o maior comprador do crudo venezuelano. Valoriza-se nesta representação o fato da grande reserva com a capacidade de fornecimento, além da proximidade do mercado consumidor. A linha de contrapor ao império apresenta-se também em 29 de junho de 2012 quando exaltou a entrada da Venezuela no MERCOSUL como derrota para o império:

Este es un día histórico, hay que celebrarlo. Esto tendrá una resonancia geopolítica, tendrá en primer lugar un gran impacto. No tengo dudas que detrás de aquel grupo senadores de Paraguay (que rechazaban aprobar el ingreso de Venezuela) está la mano del imperio, tratando de impedir la conformación en Sudamérica de una verdadera potencia. (CHÁVEZ, El Universal, de 29/06/2012)

O ocorrido no Paraguai, com a deposição do presidente Fernando Armino Lugo de Mendez S.V.D.23, nos permite entender de forma cla-

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ra como o petróleo se insere como ferramenta de integração, mas uma "arma" utilizada no embate político. Assim, o império é aquele a ser enfrentado, a ser combatido, mas também é aquele que depende do fornecimento energético e atua geopoliticamente para ter acesso a ele. O Paraguai, assim, estaria neste momento, à medida que criaria um entrave ao desenvolvimento da integração latino-americana, recordando que a proposta estadunidense era a ALCA. A ação de Chávez é de pró-atividade em relação ao Paraguai e, portanto, no seu conceito, de oposição ao império.

He ordenado retirar nuestro embajador de Asunción, que recoja sus cosas y se venga, y también vamos retirar el envío de petróleo, nosotros no vamos a apoya ese golpe de Estado. Que a partir de este instante cese el envío de petróleo a Paraguay. (CHÁVEZ, El Universal, de 24/06/2012)

Em sequência, Chávez liga a conduta dos senadores paraguaios a gestões internas da oposição venezuelana disputa presidencial a de 7 de outubro de 2012.

Lo de Paraguay no podemos desconectarlo de los planes que se están contra Venezuela (…) la destitución de Lugo fue perpetrada por una burguesía obtusa, y que la burguesía venezolana si...

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