Perceptions about the role of public policies related to work and family responsibilities/Percepcoes sobre o papel das politicas publicas relacionadas ao trabalho e responsabilidades familiares.

Autorde Sousa Gama, Andrea

Introducao

Estudos recentes no Brasil vem mostrando os conflitos decorrentes das mudancas nas configuracoes familiares associadas as transformacoes no mercado de trabalho, com destaque para a crescente e constante participacao das mulheres nesse mercado (SORJ, 2004; ARAUJO; SCALON, 2005; GAMA, 2014). Todas essas mudancas colocam em xeque a legitimidade do modelo tradicional de divisao sexual do trabalho, que reserva ao homem o espaco da producao economica e a mulher os cuidados com a familia. Ademais, e como consequencia direta, introduz questoes relacionadas a execucao do trabalho reprodutivo na familia.

A maior diferenciacao dos arranjos familiares cria uma nova relacao entre demanda e oferta de cuidados e, logo, necessidades e expectativas heterogeneas em relacao ao Estado. Dentre essas novas expectativas temos o conflito entre trabalho e responsabilidades familiares, que engloba a equalizacao do trabalho domestico, a educacao das criancas, a atencao aos idosos--especialmente sob a perspectiva de maior longevidade e tamanhos menores de familia--e o cuidado aos doentes e outros dependentes.

No Brasil, esse conflito nao e percebido socialmente e com clareza politica como decorrente dessas mudancas nas familias e no mercado de trabalho, tendo como protagonistas as mulheres. As desigualdades sociais decorrentes desse conflito nao sao reconhecidas e, consequentemente, nao sao enfrentadas pelas politicas publicas. Na verdade, esse conflito e abordado apenas de maneira compartimentalizada, a partir das varias formas da sua expressao: como questoes relacionadas a infancia e a adolescencia, ao envelhecimento da populacao, a diminuicao da fecundidade, a pauperizacao das familias, todas afluentes do conflito entre trabalho e familia, entre producao e reproducao social. Isso significa que o equacionamento desse conflito encontra dificuldade em se transformar em acao politica, tanto decorrente do fato de que nao se toma esse problema como sendo da esfera do trabalho e da familia, como pela maneira fragmentada e difusa com que esse problema frequenta o "publico": Estatuto da Crianca e do Adolescente, Estatuto do Idoso, politicas de genero, politicas direcionadas a pobreza das familias, entre outras.

No entanto, as mudancas nas familias nao tem sido acompanhadas de alteracoes no papel do Estado no fornecimento de politicas publicas direcionadas a essas mudancas. Tal engessamento refere-se a concepcao e desenho das politicas, bem como ao seu financiamento e provisao institucional. Os processos de reestruturacao produtiva tambem apresentam impacto consideravel, pois aumentam a inseguranca das familias em prover seu sustento, assim como colocam as mulheres em situacao desfavoravel pela sua maior proporcao na informalidade e no subemprego. Ademais, o impacto do ideario neoliberal nas politicas sociais sobrecarrega ainda mais as familias na responsabilizacao pelas necessidades da reproducao social.

As taxas crescentes de emprego feminino no pais se caracterizam, eminentemente, pela precariedade, e esse processo de integracao das mulheres no mercado de trabalho se desenvolve de maneira muito desigual (BRUSCHINI; LOMBARDI, 2000). Sem duvida, muitos fatores contribuem para gerar desigualdades entre as mulheres no mercado de trabalho, sobretudo diferencas de nivel de escolarizacao. Todavia, estudos recentes que analisam a relacao entre o trabalho feminino, politicas sociais e trabalho do cuidado, no Brasil, evidenciam que o processo desigual de insercao das mulheres ao mercado de trabalho tem relacao com o acesso tambem desigual aos servicos de cuidado providos pelo Estado e mercado (LAVINAS; DAIN, 2005; CAMARANO, 2008; SORJ; FONTES, 2012; GAMA, 2014).

Em sintese, o que queremos dizer e que o mundo do trabalho mudou, e com ele as configuracoes e relacoes familiares tambem, mas o Estado mantem-se refratario as demandas decorrentes da reproducao social ensejadas pelo mundo do trabalho e pelas proprias familias. Podemos visualizar tal afirmacao pelo congelamento das mudancas no registro trabalhista para incorporar e dar conta das demandas de cuidado--nao adesao da Convencao sobre Trabalhadores (as) com responsabilidades familiares da OIT, ausencia de licenca-parental, jornadas menores de trabalho sem reducao de salario, entre outras. Do lado das politicas sociais, verifica-se a lenta ampliacao dos servicos de Educacao Infantil, principalmente, dos servicos de creche e do horario escolar em tempo integral, bem como a precaria rede de cuidado aos idosos, mais centrada no deficit de renda do que no deficit crescente de cuidados, entre outros.

Esse cenario, mapeado por pesquisas academicas e governamentais, nao chegou a problematizar, no entanto, os valores e percepcoes da populacao sobre o papel que as politicas sociais podem ter no tocante ao conflito entre trabalho e responsabilidades familiares. Quais sao as concepcoes prevalentes acerca das politicas sociais--direitos do trabalho, servicos de educacao infantil e cuidado aos idosos--relacionadas ao trabalho remunerado e ao trabalho do cuidado na familia? Quais sao as instituicoes sociais que devem partilhar o cuidado as criancas pequenas e aos idosos? Ha diferencas nessa percepcao do papel das politicas de care quando o cuidado se refere as criancas pequenas e aos idosos dependentes? Ha diferencas entre homens e mulheres, trabalhadores ou nao, quanto a responsabilizacao pelo trabalho do cuidado? Qual a influencia do trabalho e de ter filhos nas demandas de conciliacao entre trabalho e responsabilidades familiares?

Esse estudo se propoe a analisar a percepcao dos fluminenses acerca de questoes que englobam os conflitos entre a vida familiar e a vida laboral. Ele foi dividido em tres partes: na primeira, realizamos uma descricao da amostra/perfil dos respondentes. Na segunda parte, buscamos captar as percepcoes sobre os direitos do trabalho relativas as licencas remuneradas. Na terceira, identificamos as tendencias na percepcao sobre a organizacao e responsabilizacao pelo cuidado as criancas abaixo da idade escolar e aos idosos dependentes, bem como os encargos pela sustentacao financeira dos cuidados a esses grupos. Investigamos essas questoes a partir das seguintes caracteristicas sociodemograficas: sexo, escolaridade, ocupacao, situacao na ocupacao e renda individual.

  1. Caracterizacao socioeconomica dos entrevistados

    Caracterizamos a amostra a partir das seguintes variaveis socioeconomicas: escolaridade, composicao da atividade, posicao na ocupacao, jornada de trabalho e numero de horas de afazeres domesticos. Foram realizados testes de significancia (Pearson chi-square) nas duas amostras, homens e mulheres, mas somente foram analisadas as correlacoes significativas. Quando o teste foi significativo para uma amostra apenas assinalamos em nota de rodape.

    Na populacao analisada, as taxas de ocupacao dos homens sao bem maiores do que das mulheres--66.7% para eles e 44.1% para elas. Chama a atencao a elevada proporcao de "se dedica aos afazeres domesticos" entre as mulheres, que perfaz 21.9%.

    A qualidade da insercao no mercado de trabalho pode ser medida pela sua posicao na ocupacao e pelo tipo de vinculo de trabalho que se estabelece, com e sem carteira de trabalho assinada. Entre os homens que trabalham, 8.2% estao no emprego publico e 33.6% sao assalariados do setor privado, totalizando 41.8% no emprego formal, e 23.9% trabalham por conta propria/autonomo. Dentre as mulheres que trabalham, 5.4% encontram-se no emprego publico e 21.3% sao assalariadas do setor privado, totalizando 26.7% no emprego formal, e 16.4% trabalham por conta propria/ autonomo.

    A renda individual mensal dos pesquisados, constituida por fontes como o salario, aposentadoria/pensoes e beneficios sociais, concentra-se nos estratos mais baixos de renda. Ha uma concentracao na renda individual mensal em ate tres salarios minimos (SM): 64.3% dos homens e 68.7% das mulheres recebem ate esse patamar. Verificamos tambem um alto percentual que se declarou sem renda: 11.4% para os homens e 19.8% para as mulheres. O rendimento mensal segue o padrao de desigualdade entre homens e mulheres.

    Os dados ilustram o que vem sendo constatado por varios estudos: a manutencao da desigualdade de genero no mercado de trabalho, expressa no nivel de participacao no mercado de trabalho, na formalidade do emprego e na distribuicao do salario/renda. Saodignos de nota, ainda, os elevados percentuais de "aposentado(a)/incapacitado(a) para o trabalho"e "se dedica aos afazeres domesticos" entre as mulheres.A baixa presenca de filhos ou de criancas e adolescentes ate 17 anos nos domicilios chama a atencao nessa amostra, pois 63.4% deles nao possuem nenhuma crianca ou adolescente, 22% possuem ate uma crianca e 10.6% ate duas criancas/adolescentes.

  2. Percepcoes sobre os Direitos do Trabalho

    As normas legais que guardam relacao com a questao do conflito entre trabalho e responsabilidades familiares tem, nas licencas trabalhistas remuneradas, uma estrategia importante para a promocao da igualdade de genero e enfrentamento da pobreza, a partir do mundo do trabalho.

    Mesmo considerando a licenca-maternidade abrangente, condicionada as condicoes de saude da mulher, garantidora da integralidade e estabilidade do salario e do emprego, a protecao trabalhista brasileira, ate hoje existente, apresenta muitas deficiencias. Uma primeira ordem de carencia e que a legislacao trabalhista tende a centrar-se em demandas muito especificas, relacionadas a gravidez e a maternidade, desconsiderando que as responsabilidades familiares se referem a homens e mulheres e que perpassam toda a vida laboral e familiar do (a) trabalhador (a), nao restrita, portanto, afase reprodutiva. Ademais, o discrepante tratamento legal dispensado as trabalhadoras-maes em relacao aos trabalhadores-pais demonstra a natureza sexista no Direito do Trabalho brasileiro, que trata o cuidado da prole como de responsabilidade exclusiva da mulher, ignorando a participacao do homem e...

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