A Perenidade dos Ensinamentos dos 'Pais Fundadores' do Direito Internacional

AutorAntônio Augusto Cançado Trindade
Ocupação do AutorJuiz da Corte Internacional de Justiça (Haia)
Páginas647-676
XXIX
A Perenidade dos Ensinamentos dos “Pais Fundadores”
do Direito Internacional1
Sumário:1I. Considerações Preliminares. I I. A Recta Ratio em Projeção e Perspec-
tiva Históricas. III. A Consciência Humana (Rec ta Ratio) como Fonte Material Últi-
ma do Direito das Gentes. IV. O Universalismo do Direito das Gentes: A Lex Prae -
ceptiva para o Tot us O rb is. V. Universalidade do Jus G entium: Direito e Justiça
Universais. VI. Os Indivíduo s como Sujeitos de Direitos. VII. A Titularidade Interna-
cional de Direitos da Pessoa Humana. VIII . A Centralidade das Vítimas no Ordena-
mento Jurídico Internacional. IX. Concepção Humanist a na Jurisprudência Interna-
cional e Sua Irradiação. X. Relação da Presente Temática com o Direito
Internacional dos Direitos Humanos. XI. A Impor tância dos Princípios Fundamen-
tais. XII. O Princípio Fundamental da Ig ualdade e Não Discriminação. XIII. O Dever
de Reparação de Danos. XIV. Considerações Finais.
I. Considerações Preliminares
Há sete anos tive a satisfação de proferir uma palestra, aqui na Universidade
de Coimbra, à qual tenho a satisfação de retornar hoje, 24 de outubro de 2014, para,
diante deste auditório repleto, apresentar algumas reflexões acerca da obra sobre a
Escola Peninsular da Paz, de tanta relevância para o cultivo do tema pelas novas gera-
ções de estudiosos do Direito Internacional. Em minha percepção, os escritos dos
“pais fundadores” da disciplina, ainda insuficientemente estudados em nossos dias,
são verdadeiros clássicos do Direito Internacional, dadas a perenidade e a atualida-
de de seus ensinamentos, como a ineludível vinculação que estabelecem entre o ju-
rídico e o ético, sua visão universalista, e a posição central que atribuem à pessoa
humana em seu enfoque essencia lmente humanista da disc iplina.
Ater-me-ei às ideias básicas e essenciais que naqueles clássicos se encontram
ou que deles derivam, para demonstrar precisamente a perenidade de seus ensina-
mentos, a partir de uma ótica fundamentalmente humanista, sempre atenta aos
princípios gerais do direito, a informar e conformar as normas jurídicas. Para isto,
referir-me-ei a reflexões que tenho desenvolvido nestas duas últimas décadas e
meia, em meus Votos Arrazoados, Concordantes e Dissidentes, tanto na Corte
1 Trabalho de pesquisa que serviu de base à aula m agna ministrada pelo Autor na Univer-
sidade de Coimbra, Portugal, aos 24 de outubro de 2014.
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ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE
Interamericana de Direitos Humanos (CtIADH)2 como na Corte Internacional de
Justiça (CIJ), na esperança de que possam servir para ensejar maior reflexão por
parte das novas gerações de estudiosos da disciplina.
Minhas referências a meu s Votos em duas jurisdições internacionais são aqui
feitas a título tão só de ilustração, não exaustiva, das ideias básicas ou centrais dos
referidos clássicos da Escola Peninsular da Paz, fundamentados, de forma pioneira,
nos direitos fundamentais inerentes aos seres humanos. Procedo a tais referencias
ao completar duas décadas e meia de exercício da magistratura internacional, em
duas jurisdições internacionais d istintas (a CtIADH e a CIJ), com permanente fideli-
dade aos ensinamentos dos “pais fundadores” do direito das gentes.
Ao legado da notável Escola Peninsular da Paz tenho fielmente recorrido em
ambos tribunais internacionais, na adjudicação de casos contenciosos surgidos de
circunstâncias as mais diversas, assim como na emissão de Pareceres Consultivos,
– o que revela a perenidade e atualidade notáveis dos referidos ensinamentos. Não
poderia haver ocasião mais propícia para desenvolver as reflexões que seguem do
que o presente ato acadêmico, aqui na Universidade de Coimbra, direta e historica-
mente ligada ao legado dos “pais fundadores” do direito das gentes.
De início, concentrar-me-ei na recta ratio, na consciência humana, – em proje-
ção e perspectiva históricas, – como fonte material última do direito das gentes. A
partir daí, abordarei o universalismo do direito das gentes (a lex praeceptiva para o
totus orbis), destacando a visão da universalidade do jus gentium como atinente ao
direito e justiça verdadeiramente universais. A seguir, abordarei a titularidade in-
ternacional de direitos da pessoa humana (os i ndivíduos como sujeitos de direitos),
a centralidade das vítimas no ordenamento jurídico internacional, consoante a con-
cepção humanista na jurispr udência internacional e sua irradiação.
Em sequência lógica, passarei a demonstrar a relação desta temática com o
Direito Internacional dos Direitos Humanos de nossos tempos, realçando a impor-
tância dos princípios fundamentais do Direito, com atenção especial ao princípio
fundamental da igualdade e não discri minação. Em seguida, abordarei o reconheci-
mento, presente já na doutrina clássica, do dever de reparação de danos. O campo
estará então aberto à apresentação de minhas considerações finai s.
II. A Recta Ratio em Projeção e Perspectiva Históricas
Permito-me, de início, assinalar que a recta ratio passou, com efeito, a ser iden-
tificada, a partir das obras dos cham ados “pais fundadores” do Direito Internacional,
nos séculos XVI e XVII, como pertencente ao domínio dos fundamentos do direito
natural, e, para alguns, a identificar-se ela própria integralmente com este últi mo. As
2 Hoje reunidos em volumosa coletâ nea, a saber, A.A. Cançado Trindade, Derecho Internacional
de los Derechos Humanos – Esencia y Trascendencia (Votos en la Corte Interamericana de De rechos
Humanos, 1991-2006), México, Edit. Porrúa/Universidad Iberoamericana, 2007, pp. 1-1055.
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