Perícias de marcas de mordidas

AutorJeidson Antonio Morais Marques
Páginas147-166

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As mordidas humanas podem causar marcas em objetos, alimentos ou pele humana. A partir destas impressões é possível chegar à autoria de um crime.

A unicidade das mordeduras revela-se nos seus formatos (ovais, elípticos ou circulares), tamanhos e em algumas características específicas de profundidade da incisão, laceração, tipo de deslocamento de tecido, grau de rotação de unidades dentárias, fraturas, anomalias, desgastes, entre outras coisas, que vão, enfim, caracterizar determinado indivíduo, já que não é possível existir duas pessoas com padrões dentários iguais.

Em casos de estupros, sequestros, lutas e violência infantil, a mordida deixada na pele, em frutas e em outros objetos pode significar a resolução de um crime, tendo esta papel decisivo na identificação do criminoso. Normalmente, as marcas de mordidas são realizadas pelo criminoso, no entanto, na tentativa de defender-se, a vítima pode também mordê-lo. Os peritos neste campo de minuciosa identificação reconhecem as numerosas limitações que existem na interpretação dos mesmos, justificando-se, assim, a necessidade de mais pesquisas nesta área.

Uma vez identificada a mordida, tem-se que tomar algumas providências, como notificação e descrição detalhada da lesão, tirar fotografias. A técnica deve ser cuidadosa.

Na maioria dos Institutos Médico-Legais, a análise das marcas de mordidas oferece problemas práticos para sua efetivação, o que limita bastante o seu estudo. Entre eles encontram-se:

• a dificuldade de reconhecimento das mordidas que, por vezes, passam inadvertidas durante a perinecroscopia;

• por tratar-se de lesões que se alteram com o tempo, o lapso transcorrido entre a produção da lesão, o exame e coleta do material pode ser de vital importância;

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• os padrões das mordidas podem ser bastante variáveis, já que se trata de uma ação entre dois instrumentos móveis: a mandíbula e a pele;

• falta de capacitação dos peritos.

O registro imediato das mordidas, uma boa técnica de colheita das impressões e uma avaliação minudente, através de protocolo próprio, de todas as evidências de que se dispõe, serão elementos imprescindíveis para a análise técnico-científica.

Segundo Sheasby e MacDonald (2001), o principal desafio da Odontologia Forense é a análise de marcas de mordida humana na pele. Uma dificuldade recorrente na análise surge da distorção, que é um fator variável da mordedura. No contexto da marca de mordida, a distorção pode modificar a aparência que é o principal motivo de contestação perante o tribunal. A distorção pode ocorrer em diferentes estágios: no momento da mordida ou durante as etapas da investigação. Quando ocorre no momento da ação, pode ser definida como distorção primária. Quando ocorre durante os procedimentos da investigação, pode ser definida como distorção secundária.

A pele pode ser um pobre material de impressão. Na interpretação de mordeduras nesta superfície deve-se considerar quatro fatores: os dentes do agressor, a ação da língua, lábios e bochecha durante a ação da mordida, o estado mental do agressor e a parte do corpo que foi atingida. Outros pontos importantes a serem observados são: momento da agressão (em casos antes ou depois da morte), reação dos tecidos adjacentes à lesão, posição do corpo quando encontrado e a posição do corpo quando ocorreu a mordida.

Figura 1. Mecanismo da mordida, atuação das forças que agem durante a mordida humana na pele: 1 — Ação dos lábios; 2 — Ação dos dentes; 3 — Sucção; 4 — Ação da língua (Adaptado de Melani, R. F. H.; 1997).

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As mordeduras podem ser encontradas nas mais variadas localizações do corpo, entretanto, algumas localizações são mais proeminentes em casos particulares. Casos que envolvem crimes sexuais incluem seios, coxas, nádegas. Em casos de violência infantil aparecem em locais aleatórios, mas são comuns nas bochechas, nádegas, abdômen. Em casos de lutas são mais comuns as lesões em dedos, orelhas e nariz. As mordeduras podem ser descritas numa ascendente escala de severidade começando por petéquias, contusões, abrasões, lacerações e avulsões.

Em casos de vítimas mortas, o protocolo também pode incluir a remoção da pele, no local da lesão, para posterior estudo com transiluminação e/ou preservação por longo tempo da mordedura. A peça removida deverá ser armazenada numa solução de formaldeído a 10%. Este procedimento, apesar de ser indicado pela ABFO (American Board of Forensic Odontology), causa mudanças de cor e forma, podendo inviabilizar estudos posteriores. Uma forma segura de reprodução e armazenagem é através da moldagem e reprodução em gesso da lesão ocorrida na pele.

Silva (1924) e Silva (2003) narram o caso clássico da viúva francesa Cremieux que foi estrangulada por um de seus amantes. Durante a luta corporal, o criminoso foi mordido em um dos dedos. Quando foi preso na Bélgica apresentando lesões características de mordidas, foram feitas as comparações dos arcos dentários com as injúrias e comprovada a ligação entre o suspeito e a vítima. Após a investigação, o assassino confessou o crime.

Dinkel (1974) narra que na cidade de Glasgow (Escócia) um rapaz foi atacado por um marginal numa tentativa de sequestro. Durante a luta, a vítima mordeu fortemente a mão do agressor e avulsionou parte de um dos dedos. O material foi entregue à polícia. Dois dias após, foi preso um rapaz que apresentava uma lesão em um de seus dedos. Foram feitas fotografias da lesão e posterior comparação com o fragmento. Após a perícia foi concluído que as partes eram coincidentes, sendo o criminoso julgado e sentenciado.

RAMOS et al. (2000) descreveram que através da observação da imagem fotográfica de uma das vítimas do caso "Maníaco do Parque", episódio ocorrido na cidade de São Paulo no ano de 1998, Peritos do NOL/IML (Núcleo de Odontologia Legal do IML) e do IC (Instituto de Criminalística) realizaram a confrontação dos arcos dentários do suposto agressor com a lesão inicialmente observada. Os exames fundamentados no protocolo da ABFO concluíram tratar-se de uma lesão compatível com a ação de arcos dentários humanos. A indicação efetiva do autor não foi possível devido ao não cumprimento, no início dos fatos, dos requisitos preconizados pela ABFO, sugerindo os peritos a identidade do agressor, por não se constatar qualquer elemento de exclusão.

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Coleção de evidências

As marcas de mordida representam dois principais tipos de evidências: física e biológica. A aparência física da injúria e a presença de características únicas podem ser estudadas através da análise métrica e da análise comparativa com a dentição do suspeito.

Dailey, Shernoff e Gelles (1997) destacam que todas as informações da lesão devem ser relatadas e documentadas, incluindo localização anatômica, orientação de estruturas adjacentes, contorno das superfícies, natureza da pele, forma, cor, dimensões da marca e tipo da injúria. Em seguida devem ser feitas as fotografias.

A mordida ocasionada de uma luta se apresenta menos definida, pois é produzida de forma rápida e aleatória. Já as mordidas sexuais são geralmente produzidas vagarosamente e apresentam-se bem definidas, podendo apresentar uma mancha vermelha no centro da lesão devido à sucção da pele (WEBB et al., 2002).

De acordo com o mesmo autor, a mordida pode ter três aspectos motivacionais: raivosa-impulsiva, mordida sádica e ego-canibalista. A primeira é normalmente resultante da frustração e incompetência em compartilhar efetividade e situações de conflito por parte do perpretador. A mordida sádica ocorre devido à necessidade de demonstração do poder, dominação e controle. Na ego-canibalista, o agressor morde para satisfazer o ego por meio da aniquilação, consumo e absorção da essência da vida da vítima.

Atsü et al. (1998) descrevem um estudo comparativo no qual dois sujeitos morderam a si próprio e, em seguida, foram feitas diversas formas de registro das mordidas; fotografias, mordidas em ceras, digitalização de imagens, modelos de gesso. Concluíram que houve diferença de aproximadamente 1 mm entre as medidas feitas nas formas de registro retro citadas e que as marcas de mordidas constituem uma evidência confiável na identificação humana.

Registro fotográfico

A boa observação não dispensa a fotografia. A observação é perecível, a fotografia é duradoura, sem contar que esta é um dos melhores métodos para documentar a análise das mordidas (Campos, 2002). A técnica deve ser cuidadosa, lembrando que para evitar distorções recomenda-se:

• manter o paralelismo entre o filme e a marca;

• incluir sempre uma escala ou régua milimetrada;

• fazer fotografias: com luz natural;

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com flash; em cores;

em preto-e-branco; e

com filme para infravermelho (quando for possível).

• começar sempre por tomadas "panorâmicas" para, depois, centrar-se nos detalhes através de fotografias "em close". Tirar fotografias em dias sucessivos, notadamente entre o 3° e o 5° dias.

As fotografias e as impressões das marcas de mordidas podem ser reproduzidas na cena do crime, no hospital (em casos de vítimas vivas em recuperação) ou no Instituto Médico-Legal (SWEET, 2000).

O registro fotográfico é um importante meio de coleta e preservação da evidência física das marcas de mordida (ROTHWELL; THIEN, 2001; WRIGHT, 1998). Segundo Summers e Lewin (1992), o conhecimento e o uso apropriado da fotografia colorida, em preto-e-branco, ultravioleta e infravermelha pode contribuir significativamente na coleção da evidência. É necessário que o fotógrafo seja capaz de registrar apropriadamente todos os detalhes que existem na injúria.

O local da injúria deve ser extensivamente fotografada usando filmes coloridos, em preto e branco ou com câmeras digitais. A fotografia é considerada a parte mais barata do protocolo de recuperação...

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