Períodos de descanso: férias anuais remuneradas

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1178-1219
CAPÍTULO XXV
PERÍODOS DE DESCANSO: FÉRIAS
ANUAIS REMUNERADAS
I. INTRODUÇÃO
O conjunto dos descansos trabalhistas completa-se com a gura das
férias. Elas de nem-se como o lapso temporal remunerado, de frequência
anual, constituído de diversos dias sequenciais, em que o empregado pode
sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador,
com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias e de sua
inserção familiar, comunitária e política.
1. Objetivos das Férias
As férias atendem, inquestionavelmente, a todos os objetivos justi ca-
dores dos demais intervalos e descansos trabalhistas, quais sejam, metas de
saúde e segurança laborativas e de reinserção familiar, comunitária e política
do trabalhador.
De fato, elas fazem parte de uma estratégia concertada de enfrentamento
dos problemas relativos à saúde e segurança no trabalho, à medida que
favorecem a ampla recuperação das energias físicas e mentais do empregado
após longo período de prestação de serviços. São, ainda, instrumento de
realização da plena cidadania do indivíduo, uma vez que propiciam sua
maior integração familiar, social e, até mesmo, no âmbito político mais amplo.
Além disso tudo, as férias têm ganhado, no mundo contemporâneo,
importância econômica destacada e crescente. É que elas têm se mostrado
e caz mecanismo de política de desenvolvimento econômico e social, uma
vez que induzem à realização de intenso uxo de pessoas e riquezas nas
distintas regiões do país e do próprio globo terrestre.
Registre-se que, embora permitam as férias signi cativa intensi cação
do lazer do trabalhador e sua família, elas não têm natureza de prêmio
trabalhista. Desse modo, não se vinculam à conduta obreira mais ou menos
positiva em face do interesse do empregador. Não são, portanto, parcela
adquirida pelo empregado em função de conduta contratual especialmente
favorável ao empregador. Têm, pois, as férias efetivo caráter de direito
trabalhista, inerente ao contrato de trabalho — direito a que corresponde
uma obrigação empresarial.
1179C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
As férias, entretanto, são direito laboral que se constrói em derivação
não somente de exclusivo interesse do próprio trabalhador. Elas, como
visto, indubitavelmente também têm fundamento em considerações e metas
relacionadas à política de saúde pública, bem-estar coletivo e respeito à
própria construção da cidadania. Se os demais descansos trabalhistas
(principalmente os intervalos interjornadas e os dias de repouso) são
instrumentos essenciais à reinserção familiar, social e política do trabalhador,
as férias surgem como mecanismo complementar de grande relevância nesse
processo de reinserção da pessoa do empregado, resgatando-o da noção
estrita de ser produtivo em favor de uma mais larga noção de ser familial,
ser social e ser político. Tais fundamentos — que se somam ao interesse
obreiro na estruturação do direito às férias — é que conduzem o legislador a
determinar que o empregado não tenha apenas o direito de gozar as férias
mas também, concomitantemente, o dever de as fruir, abstendo-se de “...
prestar serviços a outro empregador, salvo se estiver obrigado a fazê-lo em
virtude de contrato de trabalho regularmente mantido com aquele” (art. 138,
CLT; art. 13, Convenção 132, OIT)(1).
2. Normatização Aplicável
A partir de 23.9.1999, a Convenção 132 da OIT, regulatória das férias,
entrou em vigor no País, ensejando o debate sobre con ito de normas
jurídicas em face do próprio texto da Consolidação (Título II, Capítulo IV da
CLT: arts. 129 a 153).
Na verdade, contudo, o referido diploma internacional, concluído pela
OIT em 1970, já havia inspirado a redação do novo capítulo celetista de
férias, que passou a vigorar no Brasil em 1977 (arts. 129 a 153, CLT). Em
decorrência, não despontaram disparidades signi cativas entre os dois di-
plomas. Ao invés, no cômputo estrito entre essas diferenças, a Convenção
chega a apresentar maior número de regras menos favoráveis, o que cria a
dúvida sobre se sua recente adoção não terá vindo essencialmente somar-se
ao caminho exibilizatório de normas justrabalhistas per lado o cialmente na
década de 1990 no País.
De fato, ilustrativamente, seu prazo mínimo de férias é inferior (3 semanas,
e não 30 dias), enquanto seu prazo para gozo da parcela é mais tolerante
(1) A Convenção n. 132 da OIT, que trata das férias, foi rati cada pelo Estado brasileiro,
por meio do Decreto Legislativo n. 47, de 23.9.1981. Porém, o Instrumento de Rati cação
somente foi depositado na OIT em 23.9.98, o que conferiu vigência à Convenção, no Brasil,
desde 23.9.1999 (a respeito, “Considerandos” do Decreto do Presidente da República
n. 3.197, de 5 de outubro de 1999, que “promulga” — rectius: divulga — a referida Conven-
ção). Portanto, em harmonia com a CLT, a Convenção n. 132 regulamenta o instituto das
férias no País, desde a data de sua entrada em vigor (23.9.1999), respeitado, é claro, o critério
hierárquico da norma mais favorável.
1180 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
(18 meses, e não 12). Mais grave do que isso: a Convenção, em diversos mo-
mentos, adota conduta normativa francamente oscilante, exível, valorizando,
sobremaneira, até mesmo a mera pactuação bilateral em contraponto às suas
próprias regras, atenuando a imperatividade clássica no Direito brasileiro quan-
to aos dispositivos regulatórios de férias.
Nesse quadro, as poucas regras efetivamente favoráveis que a Con-
venção 132 ostenta (exclusão dos feriados do cômputo do prazo de férias
e pagamento da parcela proporcional em qualquer situação rescisória), em
contraponto ao Capítulo IV do Título II da CLT (arts. 129 a 153), não lhe
deferem o status de diploma normativo superior, se adotado o critério do
conglobamento para exame da hierarquia normativa no presente caso. Ape-
nas se adotado o critério da acumulação, cienti camente menos consistente,
conforme se sabe, é que se poderia coletar, de maneira tópica e localizada,
os poucos dispositivos mais favoráveis, fazendo-os prevalecer na ordem ju-
rídica pátria. Não é o que sugere, porém, a teoria de hierarquia de normas
jurídicas, que vigora no Direito do Trabalho(2).
II. CARACTERIZAÇÃO
Alguns caracteres destacam-se na estrutura e dinâmica do instituto das
férias. Trata-se de seu caráter imperativo (do que deriva sua indisponibilidade),
sua composição temporal complexa (conjunto unitário de dias sequenciais,
proporcionalmente estipulados), a anualidade de ocorrência das férias, a
composição obrigacional múltipla do instituto e, por m, sua natureza de
período de interrupção.
O caráter imperativo das férias, instituto atado ao segmento da saúde
e segurança laborais, faz com que não possa ser objeto de renúncia
ou transação lesiva e, até mesmo, transação prejudicial coletivamente
negociada. É, pois, indisponível referido direito.
Não há, desse modo, possibilidade, na ordem jurídica, de se substituírem
as férias por parcela em dinheiro durante o cumprimento do contrato (é claro
que, se o contrato se extingue, o direito converte-se em indenização, por
ser inviável, na prática, seu efetivo gozo). Não há, portanto, qualquer valia à
prática censurável de venda de férias, eventualmente ocorrida no contexto do
contrato (empregado deixa de gozar as férias, recebendo a parcela dobrada).
As férias não fruídas no correto período contratual devem, a teor da ordem
(2) Para reexame, se necessário, da análise acerca do con ito entre normas jurídicas, in-
clusive o confronto entre as teorias de conglobamento e acumulação no ramo juslaborativo,
retornar ao Capítulo V, item VII, no presente Curso (Hierarquia Entre as Fontes Justrabalhis-
tas). Para maior aprofundamento do debate exposto, consultar deste autor a 3ª edição da
obra Jornada de Trabalho e Descansos Trabalhistas (São Paulo: LTr, 2003), em seu Capítulo
IV, item II.

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